13/8/2014, [*] Glen Ford, Black Agenda Report
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Abu Bakr al-Baghdadi, Califa do Estado Islâmico |
Por mais de
3 décadas os EUA tem implantado substitutos fundamentalistas islâmicos para
lutar e defender suas conquistas imperiais em terras muçulmanas. Agora, os
jihadistas mais bem sucedidos do mundo voltaram-se contra seus senhores e, em
breve perseguirão e conquistarão as monarquias produtoras de petróleo e gás no
Golfo Pérsico. O Califado tomou à ideologia do capital seu quinhão de lógica e
horror atrevendo-se a desafiar a legitimidade de seus fundadores, incondicionais
aliados dos “Cruzados” (os EUA). Glen
Ford (Nrc)
O problema é que os
procuradores-fantoches do Pentágono estão evaporando.
A ascensão do Califato Islâmico no
Iraque e na Síria desmontou o roteiro das políticas de guerras por procuração
dos EUA na região, e pode acabar por derrubar as monarquias do petróleo cuja
sobrevivência é indispensável à hegemonia dos EUA no mundo. No nível de
coturnos em solo, a estratégia imperial por procuração já entrou em colapso,
com a desintegração da (sempre efêmera) oposição armada “moderada” ao governo
sírio e a defecção para as hostes do Califato de combatentes sunitas que os EUA
cevaram no Iraque.
Os US$ 500 milhões que o presidente
Obama requereu para usar contra a Síria já viraram pó, depois das espantosas
vitórias políticas e militares do Califato; não há dinheiro que crie um
exército, se à volta só há fantasmas. Os insurgentes sírios mais ativos já
voaram para o autoproclamado Estado Islâmico, antes chamado ISIL, cujo líder, Abu Bakr
al-Baghdadi, mandou recado a Washington:
Fiquem
sabendo, defensores da cruz, que mandar outros lutarem por vocês de nada lhes
serviu na Síria e de nada lhes servirá no Iraque.
A imprensa-empresa corporativa
norte-americana interessou-se mais por outras partes da mensagem de
al-Baghdadi, na qual
avisava Washington de que
(...) antes do que esperam, vocês estarão, vocês mesmos, em confronto direto
– forçados a lutar – se Deus quiser. E os filhos do Islã já se prepararam para
esse dia. Portanto,
aguardem, que nós também estaremos à espera.
Para os norte-americanos mais obcecados
com a própria segurança, foi como uma ameaça de ataque direto à “pátria-mãe”.
Mas o centro de Manhattan não está no mapa do líder do Califato. Al-Baghdadi
referia-se à evidência de que a estratégia de os EUA financiarem fantoches
muçulmanos para combater nas guerras do imperialismo está morta, e que, em
breve, o Pentágono terá de fazer ele mesmo o seu serviço sujo, metido no
uniforme de “Cruzado”.
Nessa linha que o Califato denuncia, os
EUA estão mandando mais centenas de agentes “não combatentes” para o norte do
Iraque – como se Marines e Forças Especiais não fossem soldados
combatentes – para somarem-se aos mil e tantos elementos militares e de
segurança dos EUA que, pelas contas oficiais divulgadas, já estão lá. Ao
contrário de que muitos na esquerda norte-americana acreditam, os políticos e
estrategistas dos EUA não morrem de desejo de mandar grandes legiões
norte-americanas para terras árabes (curdos não são árabes), porque a presença
de soldados norte-americanos é extremamente contraproducente. O problema é que
os procuradores-fantoches do Pentágono estão evaporando, estão em fuga
desabalada ou – no caso do Iraque árabe – confiam cada vez mais no Irã e (quem poderia
prever?!) na Rússia, que colaboram para reconstituir a força aérea iraquiana.
O centro de Manhattan não está no mapa do líder do Califato.
Parte da esquerda nos EUA imagina, até,
que Washington teria alcançado alguma espécie de vitória, com a iminente saída
do primeiro-ministro, Nouri al-Maliki, o veterano serviçal dos EUA. Mas a saída
de Maliki também foi apoiada pelo Irã, pelo grande aiatolá do Iraque Ali
al-Husayni al-Sistani (que mobilizou milhões exigindo o fim da ocupação dos
EUA), por Muqtada al-Sadr (cuja milícia já combateu duas guerras contra a
ocupação) e até por grande parte do próprio partido Dawa, de Maliki.
Muqtada al-Sadr |
Só os curdos permanecem na gaveta de
Washington e de Israel – e também essa questão de conveniência pode mudar,
conformem mudem os arranjos em torno do Curdistão.
Mas essa região, quero dizer, essa
grande vizinhança mais ampla, inclui Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes,
Turquia e Jordânia. Al-Baghdadi do Califato mandou recado-resposta para eles, seus financiadores anteriores,
no final de junho:
A
legalidade de todos os emirados, grupos, estados e organizações torna-se nula
pela expansão da autoridade do califa e a chegada de suas tropas àquelas áreas.
Milhares de combatentes do Estado
Islâmico – e, igualmente decisivamente importante, a sua visão de mundo
wahhabista fundamentalista – são indígenas, nativos da península árabe. Por
isso o jornalista Patrick
Cockburn, em seu novo livro, do qual Counterpunch publicou um capítulo [em tradução] diz que
Para
EUA, Grã-Bretanha e potências ocidentais, a ascensão do ISIL e do Califato é a pior das calamidades (...)
As vitórias do Califato ressoam muito
além da população árabe sunita de Iraque e Síria. A legitimidade política da
Arábia Saudita repousa no papel que o reino tem, como protetor dos locais
sagrados de Meca e Medina – e da Religião Antiga. Mas essa família real, como o
resto dos potentatos hereditários da região, está corroída e infinitamente
corrompida pela riqueza. Os sauditas (e em modalidade não menos letal, também
os Qataris) exportam Jihad contra os xiitas e os secularistas, sempre
na esperança de controlar a Jihad dentro de casa. O Califato levou a
ideologia até a sua mais lógica e aterradora conclusão, e atreve-se a desafiar
a legitimidade dos antigos fundadores, hoje declarados aliados do “Cruzado”.
Patrick Cockburn |
Nas palavras do próprio Cockburn:
A ressurgência de grupos de tipo
al-Qa’eda não é ameaça limitada à Síria, Iraque e seus vizinhos. O que está
acontecendo naqueles países, combinado com a intolerância cada dia mais
dominante e as crenças exclusivistas do wahhabismo dentro da comunidade sunita
mundial, implica que todos os 1,6 bilhão de de muçulmanos, quase um quarto da
população do planeta, serão cada dia mais afetados. Além disso, parece pouco
provável que população de não muçulmanos, inclusive muitos no ocidente, permaneçam
sem ser tocadas pelo conflito. O jihadismo que vemos ressurgir hoje, que já
mudou o terreno político no Iraque e na Síria, já está tendo efeitos de longo
alcance sobre a política global, com consequências terríveis para nós todos.
Todos os 1,6 bilhões de muçulmanos, quase
um quarto da população do planeta, serão cada dia mais afetados.
As consequências são, é claro, piores
para aqueles muçulmanos (que incluem, mas não se limitam aos xiitas) rotulados
de heréticos pelos takfiris do Califato em expansão, e por todas as
minorias religiosas e forças seculares dentro de cada setor. Mas as galinhas salafistas estão já começando a voltar para seus
poleiros nativos da península – motivo pelo qual os sauditas estão até hoje,
tentando freneticamente re-enfiar para dentro da garrafa o gênio jihadista. Nas
palavras de Cockburn:
Com
medo do que ajudaram a criar, os sauditas agora tentam freneticamente remar na
direção oposta, prendendo voluntários jihadi, em vez de fingir que não viam
quando embarcavam para Síria e Iraque; mas pode já ser tarde demais.
É com certeza tarde demais para os EUA
tentarem salvar um elemento criticamente decisivo de sua política externa para
o mundo muçulmano: a guerra por procuração. Foi percurso longo e sangrento
desde quando, no final dos anos 1970s, a CIA,
a Arábia Saudita e o Paquistão inventaram a rede jihadista global, praticamente criada do nada, para
que acertassem um direto no olho dos soviéticos no Afeganistão. Os islamistas forneceram
toda a infantaria – “coturnos em solo”, como se diz hoje – de que a própria jihad imperial dos EUA tanto precisava em terras
muçulmanas.
Nouri al-Maliki e Natanyahu
(mural fotografado por Thierry Ehrmann)
|
Em 2011, quando jihadistas partiram em
apoio aos levantes populares na Tunísia e no Egito, a matilha imperial entrou
em pânico. Os EUA e seus aliados na OTAN montaram monstruoso assalto contra a
Líbia – uma espécie de “Choque e Pavor” – assegurando cobertura aérea para um
exército de jihadistas amplamente financiado pelas monarquias árabes do
petróleo. Quando o golpe de mudança de regime afinal se completou, os
milicianos líbios uniram-se aos camaradas salafistas para saquear a Síria,
saque que ainda está em andamento.
Hoje, com a Líbia em absoluto caos, e
com o governo Assad ainda firme na Síria, o Califato declarou-se independente
dos padrinhos ocidentais e monárquicos – precisamente o que esse nosso Black Agenda Report (BAR) previra há três anos.
O imperialismo libertou sobre o mundo
uma praga que – antes do que se suspeita – consumirá os reis, os emires e os
sultões dos quais os EUA dependem para manter seguro seu império de petróleo. O
trote do declínio do império acelerou-se.
[*]
Glen Ford teve uma longa
carreira como radialista e comentarista de rádio e TV. Em 1977, co-lançou,
produziu e apresentou o America’s
Black Forum, o primeiro programa notícias
e entrevistas Black, numa rede de TV comercial. Em
1987, Ford lançou Rap It Up, o
primeiro show de música Hip Hop nacionalmente transmitido em 65
estações de rádio. Ford é co-fundador do Black Agenda Report. Foi também autor de: The
Big Lie: An Analysis of U.S. Media Coverage of the Grenada Invasion (A Grande Mentira: Uma
Análise da Cobertura da Imprensa dos EUA sobre a Invasão de Granada).
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