quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Iraque: a falácia da “troca das cabeças”

13/8/2014, [*] Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Haidar al-Abadi, novo Primeiro-Ministro do Iraque
Oito anos depois que EUA e Irã combinaram a entronização de Nouri al-Maliki como primeiro-ministro do Iraque, combinaram agora substituí-lo pelo relativamente desconhecido Haider al-Abadi.

Os EUA dizem que querem governo mais “inclusivo”, e o Irã acompanha, assegurando que lá esteja, no topo, um bom amigo dos planos do Irã. Al-Abadi encaixa-se bem nos dois critérios. Mas esperar que, se se muda um cabeça, muda-se a trilha em que o Iraque está andando, é esperança vã.

Só muito raramente acontece de o problema de um país ser o homem/mulher que está no topo.

É velha falácia da política externa dos EUA que, se se troca o cabeça – sempre declarado “um novo Hitler”, tudo estaria resolvido. A falácia acaba sempre por se autoaplicar, sempre se autoconfirmando.

Começa por algum “alto funcionário do governo” [no Brasil, é sempre algum pressuposto “altíssimo”, mas sempre de governos passados, velharias já com mais de uma década bem longe de qualquer governo 8-)) (NTs)] que vaza para a “mídia” que fulano pode não ser o anjo que se supunha que fosse. Jornalistas então põem-se a recolher (ou inventar) e repetir histórias, boatos, diz-que-disses e “citações” que apoiam qualquer coisa que qualquer um tenha “declarado” à “mídia” sobre o fulano caído em desgraça.

Nouri al-Maliki, ex-Primeiro-Ministro do Iraque
Dia seguinte, o tal “alto funcionário do governo” lê o New York Times ou assiste à CNN e constata “a veracidade” do que ele próprio disse e a “solidez” da sua própria posição no governo, porque, sacomé, fulano é realmente um bandido – e o único real e grave problema a ser enfrentado – e as “provas” ali estão, na “mídia”.

Mas em geral não é quem governa uma nação que faz a nação. A nação e sua situação é que estão formando, pelo menos na mesma medida, a pessoa que a governa. Gaddafi não era o que era “porque” tivesse criado a Líbia à sua semelhança, mas porque, governando com sucesso uma Líbia unida exigia que ele fosse como era. A Rússia não está ressurgindo “por causa” de Putin, mas porque Putin deu forma às suas políticas conforme o que a Rússia é. É isso, não a personalidade dele, que lhe estão dando índices de aprovação que já atingem a estratosfera.

Maliki governou o Iraque de um modo que lhe garantiu o apoio da maioria dos eleitores no país dele. Não cedeu à chantagem pelas tribos sunitas já viciadas nas propinas que os militares norte-americanos sempre fizeram chover sobre elas. Foi essa falta de “disposição para incluir” que o fez tão bem-sucedido:

O bloco do qual o Sr. Maliki faz parte conquistou a maioria dos assentos com direito a voto no Parlamento, na eleição de abril. Pessoalmente, o Sr. Maliki recebeu mais votos que qualquer outro político.

Manifestação de apoiadores de al-Maliki (Bagdá, 12/8/2014)
Se al-Abadi modifica as principais políticas de Maliki, não terá o apoio da maioria dos eleitores e terminará ou convertido em ditador brutal, ou morto.

As duas regras do ciclo político em países sem lei aplicam-se aí:

1.     Ditador forte é substituído por fantoche fraco que recorre à força para conseguir governar sociedade fraturada.
2.     Releia a regra n. 1.

Substituir Maliki, processo complicado e ainda incerto, não mudará o Iraque, seus problemas – como o apoio dos EUA a um estado-petróleo do Curdistão, ou as decisões políticas que seus líderes terão de tomar para conservarem-se amados e vivos.



[*] “Moon of Alabama” é título popular de “Alabama Song” (também conhecida como “Whisky Bar” ou “Moon over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na peça Hauspostille  (1927) de Bertolt Brecht, com música de Kurt Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão, essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). A seguir podemos ver/ouvir versão em performance de David Johansen com legendas em português.

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