4/8/2014, [*] MK Bhadrakumar,
Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Rússia suspende importação de legumes, verduras e frutas da Polônia a partir de 4/8/2014 |
Para mandar um recado, ignore o
gângster-chefe e chute primeiro o guarda-costas – eis um velho moribundo método
da guerra fria, que a Rússia pode estar ressuscitando, ao notificar a Polônia
de que está suspendendo a importação de frutas e legumes daquele país, medida
que entra em vigor hoje, ao mesmo tempo em que medidas similares estão sendo
consideradas contra os países da União Europeia em conjunto. [1]
A Rússia diz que foram violadas as
condições sanitárias, mas, se, como
suspeita a Voice of America,
Moscou está apenas chutando deliberadamente um dos guarda-costas dos EUA,
os norte-americanos não poderão fingir que não perceberam ou não entenderam o
recado. A decisão de Moscou equivale a chutar as partes moles sensíveis da
Polônia, que exporta 2/3 de toda a sua produção de frutas e legumes para a
Rússia.
Na verdade, trata-se de momento de
provação Zen para o presidente Obama dos EUA. Um guarda-costa dos mais firmes e
leais está sendo impiedosamente espancado... E o chefão-em-chefe tem de
assistir de longe, sem poder mover um músculo. É pouco provável que Washington
tenha condições de oferecer compensação financeira a Varsóvia pela renda que
perderá. Obama, provavelmente, recomendará que Varsóvia procure Bruxelas, para
tentar compensação. Estará começando um ciclo
vicioso de sanções?
É difícil dizer quem vencerá e o mais
provável é que todos só percam. Todos os relatos sugerem que a Rússia
entrou em modo de revide. A União Europeia terá
de incluir nessa contabilidade, que Moscou começará em breve a remover as
cláusulas de tratamento preferencial (isenção de taxas e impostos de aduana)
que há tempos garante aos produtos que a Ucrânia exporta para o mercado russo.
Vladimir Putin |
A Agência Reuters diz que Moscou está
preparando as necessárias novas
regras. É problema para a União
Europeia, porque os EUA estão com as mãos firmemente fechadas no que tenha a
ver com dinheiro, e esperarão que a Europa (leia-se: a Alemanha) compense a
Ucrânia por qualquer perda de renda, o que virtualmente significa salvar a economia
daquele país, porque, sem as exportações para o mercado russo, a indústria
ucraniana ruirá.
Mas, nessa história ainda em andamento,
todos os olhos estão postos na parte da Terceira Rodada de sanções que envolvem
transferência, para a Rússia, de “tecnologias sensíveis” no setor do petróleo.
A impressão que ficou da fala de Obama na 3ª-feira (29/7/2014), quando
anunciava as sanções, é que a exploração e a produção de petróleo russas serão
terrivelmente atingidas.
A Agência Reuters conta história bem
diferente, em análise aprofundada da situação presente do mercado de petróleo,
e sugere que a coisa é muito complicada e que é altamente provável
que Obama tenha marcado gol contra.
As três principais conclusões da análise
distribuída pela Reuters são:
- a Rússia dependeu sempre, tradicionalmente, da tecnologia ocidental, sobretudo por uma questão de conveniência; agora, será obrigada a pôr a mão na massa e a desenvolver tecnologias próprias, o que só fará acelerar a erosão que já se observa no monopólio do ocidente sobre aquela tecnologia;
- a China, principalmente, apostará na situação que se vê e, no final, será a grande vencedora nessa questão; e
- as sanções contra a Rússia, muito provavelmente, marcarão o fim da liderança tecnológica do ocidente no setor petróleo.
Os BRICS possuem tecnologia de petróleo & gás |
Curiosamente, os especialistas em
petróleo também estão questionando o fundamento da onda de propaganda comandada
por Obama. Cito um trecho mais longo da opinião de especialistas, no
conceituado periódico sobre petróleo, Peak Oil News:
Os estudiosos de política externa no Departamento de Estado talvez não
compreendam que a produção de petróleo na Rússia acaba de atingir um pico do
período pós-URSS e daqui em diante já estaria em declínio. O efeito das sanções
de EUA-UE será apressar esse declínio russo, o que fará subir os preços do
petróleo, no instante em que a produção dos EUA atinja seu máximo possível e
imediatamente depois despenque em mergulho inevitável, de nariz rumo ao fundo
do poço, o que deve acontecer em 2017-2020. A Rússia, ainda estará exportando
petróleo naquele ponto futuro, e se beneficiará dos preços mais altos (talvez
suficientemente mais altos a ponto de compensar a produção perdida por causa
das sanções). Os EUA, por sua vez, que ainda serão um dos maiores importadores
de petróleo do mundo, estarão ante reprise do choque do petróleo de 2008, que
contribuiu para seu crash financeiro.
Não há dúvidas de que os especialistas em política externa do Departamento
de Estado acreditam sinceramente na propaganda recente, sobre os EUA
repentinamente convertidos em nova superpotência energética, capaz de abastecer
a Europa de petróleo e gás, para substituir as exportações russas. É possível
que os europeus sejam doidos a ponto de também terem embarcado nessa fantasia.
Mas essa aposta tem de altíssima, o que tem de ruinosa. Deve-se esperar que os
jogadores acordem dessas alucinações, antes de o jogo ficar realmente feio.
A Europa é muito dependente do gás da Rússia (clique na imagem para aumentar) |
Bem obviamente, os europeus não são
doidos. Bateram na mesa e exigiram que o gás ficasse fora do pacote de sanções
que Obama propunha. A questão é simples: as
economias europeias não vivem sem o gás russo (Washington Post).
Pode-se dizer, para manter a metáfora,
que quem está em posição de poder bater na mesa agora é a Rússia. Será que a
Rússia retaliará, racionando o gás para a Europa? Analistas
de Morgan Stanley estimam
que, sim,
Moscou pode decidir-se por essa opção. Hmm. Sentiram calafrios?
Minha opinião, porém, é que não se deve
temer que Moscou escolha essa via. Por um lado, o imposto sobre exportações de
gás para a Europa é bom dinheiro para a Rússia; segundo, Moscou compreende
perfeitamente bem que os grandes países europeus – exceto talvez a Grã-Bretanha
– não estão realmente empenhados no que o chefão-em-chefe os pressiona a fazer,
e só cederam porque sangue, afinal, é mais denso que água.
Esse parece ser também o entendimento de
Moscou sobre a coisa toda. A reação mais detalhada dos russos à Terceira Rodada
de sanções veio do ministro Sergey Lavrov, de Relações Exteriores, em reunião
com a imprensa em Moscou na 3ª-feira (29/7/2014). Lavrov
ofereceu resumo detalhado e consistente do que realmente se passa por trás do teatro de sombras
apresentado para a opinião pública na Ucrânia; destacou que os EUA estão
calibrando deliberadamente as tensões, torpedeando toda e qualquer incipiente iniciativa
de paz que apareça.
Sergey Lavrov - MRE da Rússia |
Revelou que parceiros europeus da Rússia
revelaram a Moscou, em contatos privados, as desconfianças e preocupações que
lhes causam o plano de jogo de Obama. Lavrov disse, com palavras cuidadosamente
medidas e selecionadas, que as atitudes europeias ante as sanções contra a
Rússia são “artificiais”.
Interessante: o jornal britânico The
Independent publicou também matéria
exclusiva, evidentemente baseada em fontes ocidentais de
alto nível, em que diz que Berlim e Moscou estavam,
sim, bem próximos de firmar acordo sensibilíssimo sobre a Ucrânia; mas tiveram
de pô-lo em banho-maria, quando o avião da Malaysia
Airlines foi derrubado no leste da Ucrânia.
Em palavras do The Independent,
(...)
fontes internas, que participaram das discussões, disseram ontem que o “plano
de paz” alemão continua sobre a mesa e é a única proposta de acordo que está
sendo analisada. As negociações pararam por causa do desastre do MH17, mas
recomeçarão tão logo as investigações tenham sido concluídas.
Ora, ora... Essa informação dispara uma
pergunta grávida de possibilidades: Por que, afinal, nesse mundo, um homem
racional como o presidente Putin tomaria atitude tão descabida e bizarra como
minar o seu próprio plano de paz, que ele trabalhosamente estava discutindo com
a chanceler Angela Merkel, e derrubaria à bomba o avião de um país amigo, como
a Malásia, com o qual a Rússia até já teve cooperação de defesa?
Angela Merkel e Vladimir Putin |
Será possível, pois, que alguém tenha
tentado minar o tratado de paz russo-alemão? Será possível, pois, que os russos
tenham razão todas as vezes que sugerem que haja mais, na tragédia do MH17 no
leste da Ucrânia, do que o olho já viu? (Lavrov também tocou nisso).
Curiosamente, na
declaração de 29/7/2014, o Ministério de Relações Exteriores da Rússia
especifica EUA, Grã-Bretanha e Lituânia, que
estão recorrendo “desavergonhadamente” a táticas de bloqueio dentro do Conselho
de Segurança da ONU contra qualquer movimento a favor de o caso do voo MH17ser
investigado por comissão internacional.
Nota dos tradutores
[1]
Quem queira conhecer, não algum fato, mas a opiniãozinha velha conhecida de
sempre dos “especialistas” da revista Exame,
da Ed. Abril, sobre esses mesmos fatos, encontra aquela opiniãozinha em: “Rússia
barra frutas e vegetais da Polônia por sanções” de 30/7/2014”. Muito
estranhamente, a notícia só se encontra aí, hoje, nessa versão – e em revista
orientada para público “especialista” – em toda a mídia brasileira.
[*]
MK Bhadrakumar foi diplomata
de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e
escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias
publicações, dentre as quais
The Hindu,Asia Times
Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House e muitas outras. Anima o blog Indian
Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala, Índia.
Perplexo, surpreso, estasiado, entusiasmado mas reticente, contudo, decididamente emocionado por encontrar esse lugar de reflexão moderada, objetiva, comprometida e de qualidade literária excelente. Confesso não ter encontrado a maneira certa de descrever minhas emoções quanto à descoberta (deste portal de informação). Ainda de cunho confessional e, talvez, mais um desabafo que outra coisa, acrescento que me encontro ainda intoxicado com mídias que eu nutria sinceras expectativas, agora fracassadas, de encontrar algum teor honesto em sítios como VOZ DA RÚSSIA e GAZETA DA RÚSSIA. Talvez por conta desses ânimos (e desânimos) que eu possa estar incorrendo, precocemente, em erro. Talvez. Porém não posso (e não devo) me furtar de expressar a alegria que percebo em minhas entranhas à leitura de tudo quando tenho lido aqui mesmo, pelo dia de hoje. Tenho que, por fim desta postagem, deixar meus sinceros agradecimentos por este magnífico e visceral trabalho escrito com saúde (valor que considerava já há muito extinto). Obrigado, mais uma vez.
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