12/8/2014, [*] Pepe Escobar, Rússia Today − RT, Moscou
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Barack Obama anunciando mais um "bombardeio humanitário" em 11/8/2014 |
Assim acaba a multitrilionária (em dólares) Guerra Global ao
Terror (GGTe): não num bang,
mas num bang gigante.
A GGTe, desde que foi conceitualizada,
há 13 anos, logo
depois do 11/9, é como maná que nunca parasse de chover. Nenhum presente é
maior que uma Al-Qaeda de Transformers bombadíssima de esteróides – maior, mais
presunçosa e mais rica que qualquer coisa com que Osama Bin
Laden e Ayman al-Zawahiri algum dia sonharam: o Estado
Islâmico (antes chamado ISIS)
do Califa Ibrahim, ex-Abu Bakr al-Baghdadi.
O presidente Barack
Obama dos EUA, antes de
partir para férias de golfe em Martha’s Vineyard, disse, em tom casual, que a
bombardeação contra os bandidos do Califa durará meses. Pode-se entender como
mais um estrato da doutrina confessa de “Não façam nenhuma merda estúpida” de política externa do governo Obama, da
qual a candidata presidencial Hillary Clinton já zombou, não muito sutilmente. A “Operação Choque e Pavor”, em 2003, destruiu
toda a infraestrutura de Bagdá em apenas poucas horas.
Obama também
confirmou que os EUA estão fazendo chover bombardeio humanitário sobre o
Iraque, outra vez, “para proteger interesses norte-americanos” (em primeiro
lugar e sobretudo) e também, para que não digam
que nem falei deles, “direitos humanos no Iraque”.
Ninguém
esperaria que Obama declarasse
que os EUA bombardeariam agora “os
nossos” aliados da Casa de Saud, que apoiaram/financiaram/armaram o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. O mesmo ex-ISIL/ISIS que tanto se beneficiou das maravilhas
do treinamento militar pelos EUA numa base secreta na Jordânia.
Obama tampouco
poderia explicar por que os EUA sempre apoiaram o ISIS na Síria e agora, de repente,
resolvem bombardeá-los no Iraque. Ah, os riscos da
política exterior de “Não cometa mais estupidezes”!
Por tudo
isso, é preciso um pouco de tradução rápida.
Combatentes curdos Peshmerga observam coluna de fumaça em Makhmur, 280 km de Bagdá em 9/8/2014 |
Obama bombardear
agora os bandidos do Califa nada tem a ver com a doutrina da R2P (‘responsabilidade
de proteger’) que a embaixadora dos EUA na ONU, Samantha
Power tanto ama –
como no caso da responsabilidade de proteger os mais de 150 mil iazidis, para
nem falar dos curdos e cristãos remanescentes, contra um genocídio “potencial” cometido
pelos bandidos do Califa.
Todos os
jatos de combate + drones, em
ação que durará “meses”, só tem a ver
com a síndrome de Benghazi.
Os bandidos
do Califa estava mortalmente decididos a conquistar Arbil – capital do Curdistão
iraquiano. O Governo Regional do Curdistão
(GRC) é liderado pelo esperto Massoud Barzani – cliente/vassalo dos EUA há
muito tempo.
Os EUA
mantêm um consulado em Arbil. Superlotado
de tipos da CIA. Ou, nas simpáticas palavras do New York
Times, “milhares de norte-americanos”.
É onde entra Benghazi. É ano eleitoral. Obama está absolutamente em pânico
ante o risco de haver outra Benghazi – pela qual os
Republicanos tentam sem parar culpar a incompetência do governo Obama. A última
coisa de que Obama precisa é de bandidos do Califa a matar “diplomatas” em Arbil!
Qualquer
coisa assemelhada levantaria um tsunami de perguntas
sobre o serviço da CIA de contrabandear armas – armando “rebeldes”
sírios com armas vindas da Líbia – quando aconteceu Benghazi. E é claro que a então secretária
de Estado, Hillary Clinton também sabia
de tudo sobre a “operação”. Mas naquele momento, e muito
menos hoje, ninguém pode saber que a CIA armou o
núcleo do que logo se converteria em exército do Califa.
Mudança de
regime ou morte
Obama disse que
sua aventura de bombardeio humanitário poderia durar “meses”, mas de fato pode durar só dias.
O preço é
baratinho: mudança de regime, tipo o ex-primeiro-ministro iraquiano Nouri
al-Maliki ser impedido
de ter um terceiro mandato.
Isso explica
por que começou o inferno em Bagdá, quando os
parlamentares iraquianos viram claramente de que lado soprava o vento. Haider al-Abadifoi escolhido pelo novo presidente Fuad
Masoum, curdo, como
novo primeiro-ministro – horas depois de Maliki ter
posicionado as Forças Especiais em pontos estratégicos e em torno da Zona Verde
e pode (talvez não) ter tentado dar um golpe. Maliki insiste que Masoum
violou a Constituição do Iraque ao não escolhê-lo para formar novo
gabinete; afinal, seu bloco “Estado Legal”
obteve a maioria dos votos nas eleições parlamentares de abril passado.
Combates entre o ISIL e militantes curdos Peshmerga nos arredores de Sinjar, oeste de Mosul em 11/8/2014 |
Obama, como se
poderia prever, adorou. Mas não gostou nada-nada do que aconteceu na
sequência: Maliki recusou-se a
sair de cena em silêncio – para dizer o mínimo. A narrativa
predominante entre os sunitas, entre número considerável de curdos e até em
alguns blocos políticos xiitas é que Maliki perseguiu demais os sunitas; e isso é
que os levou a apoiar em massa o Califa (embora hoje alguns já estejam reformulando
aquela posição).
Quanto ao
GRC e Barzani, no esquema
de coisas do governo Obama, o que interessa é que não devem declarar-se independentes. Enquanto Barzani prometer a Obama que o Curdistão continua como
parte do Iraque, o GRC continuará a ser presenteado com bombas, drones e a operação
‘humanitária” prossegue e
será ampliada. Forças Especiais dos EUA já
estão localizadas sobre toda a vasta área onde o Califato faz fronteira com o
Curdistão iraquiano, nas posições chamadas de “para
futura operação no deserto”. E os EUA são, para todas as
finalidades práticas, a Força Aérea Iraquiana, contra o Califa.
Assistam à “Hillaryêitor’
Essa
operação do governo Obama batizada “R2P” – proteção para norte-americanos, primeiro; refugiados, segundo – nada
conseguirá, por uma razão chave: nenhum bombardeio – seja “humanitário” ou não – consegue exterminar movimento
político/religioso, nem que
seja tão completamente demente como o
Estado Islâmico. A verdade é que o Califato está prosperando, de certa forma, e
expande-se, porque, diferente daquele patético Exército Sírio Livre, o Califato
está ganhando território, desértico e urbano, tanto na Síria como no Iraque; já controla
área maior que a Grã-Bretanha, habitada por, no mínimo, 6
milhões de pessoas.
Quanto às
mentiras sempre repetidas em Washington de que
haveria jihadistas “bons” e jihadistas “maus”, o Califato também já acabou
com elas. Virtualmente, todos os jihadistas que
foram armados por Washington – e Riad – e
treinados na Jordânia e na fronteira turco-síria já estão hoje alistados entre
os bandidos do Califa, pagos com dinheiro do contrabando de petróleo, chantagem
e “doações” hardcore, e armados até os dentes, depois de terem saqueado os
armamentos de quatro divisões iraquianas e de uma brigada síria.
Quanto ao
maná da Guerra Global ao Terror, continuará a alimentar bang cada vez maior e maior, porque gerou e hoje
alimenta a narrativa dos sonhos de qualquer jihadista multinacional: estamos
defendendo nosso Califato contra nada menos que a Força Aérea do Cruzado-do-Mal.
Os EUA
perderam a guerra no Iraque, miseravelmente, só nove dias depois da queda de
Bagdá, em abril de 2003. Não há bombardeio “humanitário” que converta
aquela derrota em vitória. E nenhum bombardeio “humanitário” porá fim no
Califato.
Quanto à
provável candidata presidencial, Hillary Clinton, não
carrega prisioneiros. Insiste que os EUA deveriam ter bombardeado a Síria desde
o início; e não haveria Califato. Mas, agora, ela teme que o Califa ataque a
Europa e até os EUA (“Tenho
pensado muito sobre contenção, detenção-impedimento e derrota”).
Já se posicionando, como se podia
prever que faria, Clinton só poderia desqualificar completamente a política externa
de Obama, também conhecida como “Não façam
nenhuma merda estúpida”: “Não
façam nenhuma merda estúpida” “não é princípio de organização”. Assim sendo, o mundo terá de esperar até 2017, quando ela, afinal, terá meios para implementar o próprio
princípio: “Viemos, vimos, ele morreu”.
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em
São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém
coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista
de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House,
Red Voltaire, Counterpunch e outros; é correspondente/ articulista das
redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera.
Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan: How the
Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of
Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
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