3/8/2014, [*] Jonathan Cook (de Nazaré), Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Soldado Hadar Goldin - capturado em combate |
Um incidente
no fim de semana – a noticiada captura, pelo Hamás, de um soldado israelense na
6ª-feira (1/8/2014), servindo-se de um dos túneis – serviu para ilustrar de
modo notável as camadas de mentiras que Israel tem conseguido lançar sobre os
fatos do ataque contra Gaza.
No domingo,
com o exército dando sinais de que iniciaria retirada limitada, Israel declarou
que Hadar Goldin estava morto, possivelmente soterrado num dos túneis que teria
desabado sob bombardeio naquela área. A família do soldado disse que o exército
o abandonara.
Nem os
funcionários do governo de Israel nem a imprensa viram de modo objetivo a
operação do Hamás. Goldin não teria sido “capturado”, mas sequestrado – como se
estivesse passeando e tivesse sido atacado por ladrões de rua.
Como acontece
frequentemente, muitos jornalistas ocidentais acompanharam a versão dos
israelenses. O London Times gritava na primeira página: “Sequestrado em
Gaza”. O Boston Globe trazia matéria sobre “soldado israelense
apanhado”.
Pelas reações
ocidentais, era claro, também, que a captura do soldado era considerado notícia
mais importante que qualquer dos massacres de civis palestinos ao longo de
semanas.
O cálculo
cínico de Israel – um soldado valeria mais que grande número de civis
palestinos mortos – ecoou pelos corredores da diplomacia e das redações em
Washington, Londres e Paris.
Rafah, onde o soldado Goldin foi capturado em operação de guerra |
Foi posta em
circulação também a falsa “notícia” segundo a qual, ao atacar um grupo de
soldados em Rafah e capturar o soldado Goldin, o Hamás teria violado os
primeiros minutos de um cessar-fogo humanitário de 72 horas.
O Washington
Post noticiou as circunstâncias em que um suicida-bomba do Hamás teria
emergido de um túnel para explodir-se, o que teria matado dois soldados e
Goldin foi puxado para dentro do túnel:
Na manhã de 6ª-feira (1/8/2014), soldados
israelenses trabalhavam no sul da Faixa de Gaza, preparando-se para destruir um
túnel do Hamás, como informaram oficiais militares israelenses. De repente,
militantes palestinos emergiram de um buraco.
O repórter da
CBS, Charlie D’Agata papagueou o mesmo briefing distribuído aos
jornalistas pelos israelenses; e, como tampouco o WPost, não percebeu
que estava expondo a grande mentira geral.
O soldado
teria sido “sequestrado durante operação para limpar os túneis. E o sequestro
teria acontecido depois de o cessar-fogo ter sido declarado” – como os
israelenses e seus jornalistas de serviço não se cansavam de repetir. Mas... se
o cessar-fogo já estava vigente, o que faziam naquela área o soldado Goldin e
seus companheiros, explodindo túneis? Caberia talvez aos combatentes do Hamás
entrar nos túneis e esperar para serem explodidos durante o cessar-fogo? Ou
quem violava o cessar-fogo era, isso sim, Israel?
Túnel típico do Hamás em Gaza |
Então, veio a
explosão de fúria dos militares israelenses, quando perceberam que faltava um
soldado. Os correspondentes israelenses admitiram que foi invocado o
“procedimento Hannibal”: usar de todos os meios possíveis para impedir que
qualquer soldado seja capturado vivo; inclusive matá-lo. A ideia é impedir que
o inimigo tenha uma vantagem psicológica na negociação.
A furiosa
massa de fogo parece ter sido ordenada para garantir que nem Goldin nem seus
captores jamais saíssem vivos daquele túnel; mas, nesse processo, Israel matou
dúzias de palestinos.
Foi mais uma
ilustração de que Israel absolutamente não se preocupa com a segurança de
civis. Pelo menos ¾ dos mais de 1.700 palestinos assassinados até agora são
não-combatentes; e praticamente todas as baixas israelenses são soldados. Esse
tem sido o padrão em todos os recentes confrontos em que Israel esteve
envolvida.
Também as
justificativas dos israelenses para levar a luta para dentro de Gaza vieram
recheadas com camadas e camadas de mentiras.
O
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que Israel teria sido arrastada para
uma guerra de necessidade. Barack Obama imediatamente lhe fez eco: Israel teria
pleno direito de defender-se de uma barragem de foguetes lançados de Gaza. Na
sequência o pretexto passou a ser “destruir os túneis do terror”. A lógica, aí,
é profundamente viciada.
O Hamás luta pela liberdade de Gaza e dos TPO's |
Israel está
ocupando e sitiando Gaza, o que confere aos gazenses o direito, nos termos da
lei internacional, de lutar pela própria liberdade. Como seria admissível que o
violador das leis, o opressor, o ocupante, mantivesse algum direito de autodefesa?
Se Israel tem objeções a ser atacada e agredida, Israel que pare de fazer, da
vida de suas vítimas, um inferno sem fim.
O grau no
qual a narrativa da “autodefesa” de Israel passou a dominar toda a cobertura “jornalística”
e todas as declarações “diplomáticas” apareceu muito claramente numa entrevista
na CNN. A âncora Carol Costello perguntou com ar muito sério, a um
entrevistado com ar de susto ante a imbecilidade da pergunta: “Por que o Hamás
não mostra a Israel onde estão aqueles túneis?”.
Também significativamente,
Israel também ocultou a verdade de que se serviu de um acontecimento exterior,
para essa nova rodada de ataques contra o Hamás – e de que o fez
calculadamente.
Uma repórter
da BBC confirmou recentemente com um porta-voz da polícia israelense um
boato que circulava entre os correspondentes militares já há semanas. Já se
sabia que o grupo que sequestrou os três israelenses na Cisjordânia – evento
que teria motivado a campanha de Israel contra o Hamás – agira sozinho, por
conta própria.
Netanyahu
mentiu que teria provas abundantes de que o Hamás teria sido responsável; foi o
que bastou para que o exército se pusesse a prender centenas de membros do
Hamás e a bombardear as instituições do partido na Cisjordânia.
Nathan Thrall |
O ataque foi
a provocação necessária: o Hamás autorizou os seus grupos ativistas a lançar os
primeiros foguetes, ainda em número limitado. O analista
Nathan Thrall observou recentemente que o Hamás havia impressionado o
exército israelense até ali, porque havia feito valer o cessar-fogo acordado
com Israel 18 meses antes; e, isso apesar de Israel ter violado os termos do
mesmo acordo e mantido o cerco de Gaza.
Afinal, com
os foguetes, Netanyahu encontrou a desculpa de que precisava para atacar Gaza.
Mas qual foi
a razão real de Netanyahu para atacar Gaza dessa vez? Para que se serviu de
tantas mentiras e encenações? Para esconder o quê?
Parece que
Netanyahu quis pôr fim a uma ameaça estratégica: não os foguetes nem os túneis
do Hamás, mas o governo de unidade entre os dois partidos políticos e antigos
rivais, Hamás e Fatah. A unidade palestina criava o risco de aumentar a pressão
sobre Netanyahu para negociar; ou, talvez, de fazer ressurgir uma campanha mais
crível, dessa vez, pelo reconhecimento da soberania do estado palestino na ONU.
Mas o
impressionante aparelho de guerra do Hamás, surpreendente, de fato, dessa vez,
contra Israel – Israel perdeu dúzias de soldados; e os foguetes, agora, de
longo alcance contra Israel (o Hamás conseguiu manter fechado o único aeroporto
internacional de Israel por alguns poucos dias), e o tempo de resistência, que
causou perdas de mais de US$4 bilhões para a economia israelense – obrigaram
Netanyahu a retroceder e a mudar seus planos.
Por hora,
Netanyahu parece estar preferindo retirar os soldados israelenses, em vez de
ser empurrado, por pressão internacional, a negociar com o Hamás. Ele sabe que
a principal demanda será que Israel ponha fim ao cerco de Gaza.
Benyamin Netanyahu |
Mas, no longo
prazo, é possível que Netanyahu venha a precisar da unidade palestina, pelo
menos nos seus próprios termos, como meio para “controlar” o poder e os ganhos
do Hamás.
Quando Israel
estava começando seu ataque contra Gaza, Netanyahu virou-se na direção da
Cisjordânia. Alertou que “jamais poderá haver qualquer acordo pelo qual descuidemos
do controle da segurança” na Cisjordânia, de medo de que, dado o tamanho muito
maior da Cisjordânia, o Hamás venha a criar ali “outras 20 Gazas”.
Estava
dizendo que jamais haverá estado palestino. Alguma espécie de entidade
“desmilitarizada”, circunscrita e absolutamente dependente de Israel e dos EUA,
é o máximo que Israel jamais aceitará discutir.
Permitir que
Mahmoud Abbas e o Fatah passem a governar também Gaza, sim, justificaria
aliviar o cerco. Mas se, e somente se, Abbas assumir a tarefa de pôr fim à
infraestrutura militar do Hamás e concordar em exportar para Gaza o modelo que
estabeleceu na Cisjordânia – de acomodação incondicional e infindável com
Israel e EUA e com o que lhe ordenem.
[*] Jonathan Cook (nascido em 1965) é escritor e jornalista freelance baseado
em Nazaré, Israel, que escreve sobre o Oriente Médio e, mais
especificamente, sobre o conflito israelense-palestino. Cook nasceu e
cresceu em Buckinghamshire, Inglaterra. Recebeu o bacharelado em
Filosofia e Política na Southampton University, em 1987, diplomou-se já com pós-graduação em jornalismo na Cardiff University, em 1989 com mestrado em Oriente Médio com estudos na School of Oriental and African Studies,
em 2000. A carreira de foca no jornalismo começou em 1988 como repórter
e editor para jornais regionais de anúncios em Southampton no Southampton Evening Echo. Foi sub-editor freelance de vários jornais nacionais no período de 1994 até 1996 como jornalista da equipe do The Guardian e entre 1996 e 2001 do The Observer.
Desde setembro de 2001 Cook, como free lance, está baseado em Nazaré, Israel. Continuou a escrever colunas para o The Guardian até
2007, uma publicação ele abandonou em 2011 em represália ao
comportamento do Guardian sobre Gilad Atzmon, Julian Assange, Noam
Chomsky e outros escritores e jornalistas. Artigos de Cook também foram
publicados no The International Herald Tribune, Le Monde Diplomatique, Al-Ahram Weekly, Al Jazeera, The National (Abu Dhabi), antiwar.com , CounterPunch, Dissident Voice, The Electronic Intifada, Mondoweiss, AlterNet e Mídia Lens entre
outros. Em 2011, Cook recebeu um prêmio especial Martha Gellhorn de
jornalismo por seu trabalho sobre o Oriente Médio. Escreveu 3 livros
“solo” e vários outros em coparticipação
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