4/8/2014, [*] Robert Fisk, The Independent, Londres
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Fronteira Líbano-Síria atacada pelo ISIS (clique na imagem para aumentar) |
Depois de
todos os alertas e todos os clichês sobre uma guerra que “respingaria” através
da fronteira síria, os selvagens do “califado” muçulmano sunita de Abu Bakr
al-Baghdadi afinal chegaram ao Líbano.
Até aqui, o
exército libanês já perdeu 13 soldados, em dura batalha com os rebeldes para
retomar a cidade sunita de Arsal no nordeste do país – junto à fronteira síria
e até agora uma base para reabastecimento dos islamistas que tentam derrubar o
presidente Bashar al-Assad – com o conflito já tendo gerado os mesmos eventos
horrendos que se viram em vitórias dos islamistas no Iraque e na Síria: relatos
de execuções de civis, soldados do exército oficial tomados como reféns, pelo
menos 12 mortes de civis já confirmadas, inclusive cinco crianças, e a perspectiva
de luta longa e sangrenta pela frente.
A atenção do
mundo, é claro, está concentrada no massacre em Gaza. No Oriente Médio,
tragédia deve vir uma por dia; então, a guerra civil síria e a tomada pelo ISIS
do oeste do Iraque continuaram à sombra do conflito palestinos-Israel. Mas a
chegada dos islamistas ao Líbano e a prospectiva de uma mini guerra civil na
disputa por Arsal – que talvez chegue até Trípoli – podem ter repercussões
muitas vezes mais graves que a guerra de Gaza. Com os islamistas controlando o
lago Mosul e outros distritos dos curdos no norte do Iraque e pressionando com
mais força contra os soldados do governo sírio, a entrada deles em território
do Líbano marca os progressos que estão fazendo, do rio Tigre na direção do
Mediterrâneo.
Em Arsal, os
combatentes – oficialmente, da Frente al-Nusra, cujos membros já se uniram ao
califato de Abu Bakr al-Baghdadi – adotaram sua prática usual de tomar grandes
prédios no centro da cidade (nesse caso, a escola técnica, um hospital e uma
mesquita) e agarrar-se a eles, na esperança de que seus oponentes
desintegrem-se.
O exército
libanês, que já por duas vezes derrotou rebeliões islamistas dentro do Líbano
nos últimos 15 anos, declarou ter retomado a escola, mas as declarações de
ambos, do comandante libanês e do primeiro-ministro devem ser levadas muito a
sério: que a tomada de Arsal foi planejada com grande antecedência e é parte de
estratégia muito mais ampla dos rebeldes.
Reforços do Exército libanês chegam a Arsal, fronteira com a Síria, em 4/8/2014 |
O exército
libanês disse que já matou até aqui 50 combatentes – balanço que se parece
muito às prematuras declarações de vitória, do exército sírio, do outro lado da
fronteira – mas as forças do governo libanês não dão sinais de pensar em
desistir. A maior parte das forças libanesas são constituídas de muçulmanos
sunitas, cujas unidades estão entre as mais bem integradas dentre todos os
exércitos do Oriente Médio – e isso jamais impediu que atacassem e contivesses
rebeldes muçulmanos sunitas no passado, primeiro em Sir el-Diniyeh nas
montanhas do norte em 2000, e depois dentro do campo palestino de Nahr el-Bared
em 2007, ao custo de quase 500 soldados, combatentes e civis mortos.
Por mais de
um ano o exército libanês tentou, em vão, fechar a fronteira leste de Arsal, e
uma vitória do exército sírio sobre os rebeldes em Yabroud, do outro lado da
fronteira, no início desse ano, sugeria que os insurgentes sunitas pudessem
deixar Arsal para não ficarem isolados. Mas o ressurgimento deles mostra que os
sírios absolutamente não estão controlando, como têm dito que estariam, as
áreas da fronteira. De fato, os homens da Frente al-Nusra não tiveram
dificuldade alguma para capturar 15 soldados e quase outros tantos agentes da
Força Interna de Segurança, logo no primeiro assalto a Arsal.
Uma batalha
entre aquelas forças sunitas que se opõem ao regime de Assad em Damasco – que
são também responsáveis pelo bombardeio contra alvos xiitas no Líbano – e
soldados libaneses já era quase inevitável. Há menos de duas semanas, forças
especiais libanesas em Trípoli mataram Mounzer el-Hassan, sunita “jihadista” e
oficial de logística, acusado de ter dado coletes explosivos aos suicidas-bomba
que atacaram os subúrbios xiitas no sul de Beirute e a embaixada iraniana na
capital. Os que assistiram à batalha disseram que el-Hassan, ao morrer, ouvia
música islâmica num gravador; e uma granada de mão – que possivelmente estava
com ele – explodiu junto ao seu rosto.
Houssam Sabbagh clérico salafista libanês-australiano |
Essa morte
acontece pouco depois da captura de Houssam Sabbagh, militante salafista que
liderou milícias sunitas em batalhas recentes contra xiitas alawitas em
Trípoli. Sabbagh, que combateu contra forças dos EUA no Afeganistão, na
Chechênia e no Iraque, foi um dos raros líderes em Trípoli que se recusaram a
participar de um plano governamental de “segurança” para a cidade.
Mas as
batalhas na Síria são mais complexas. Enquanto o ISIS – que ainda usa a
sigla do Estado [ou Exército] Islâmico no Iraque e Levante [ou Síria], apesar
de ter sido incorporado ao que al-Baghdadi chama de “Estado Islâmico” ou califado
– fortaleceu suas posições em Deir el-Zour e vilas vizinhas (sempre com as
execuções ferozes e cabeças espetadas em postes), os militares sírios parecem
preferir atacar rebeldes nas periferias dos subúrbios de Damasco, especialmente
em Douma, distrito localizado bem próximo da principal rodovia ao norte da
capital. Se os homens de al-Baghdadi estão lutando pelo controle do leste do
país, Assad não os quer tomando o lugar de rebeldes menos espiritualizados em
torno de Damasco.
Notícias de
grupos de resistência independentes, que se opõem a Assad e ao ISIS – e
que, ao que se diz, se autodenominam “Mortalhas Brancas” [orig. “White
Shrouds”] – têm de ser vistos com a cautela síria de sempre. Muitos grupos
de milicianos, de fé sunita e outras, já subiram ao palco da guerra civil ao
longo dos dois últimos anos, para em seguida desaparecerem ou fundirem-se em
grupos rebeldes maiores ou nas forças governamentais.
Mas, assim
como têm de se reger por regras tribais no Iraque, os islamistas descobriram
que é perigoso atacar tribos sírias individuais na bancada “Jazeera” [1] ao norte de Deir ez-Zour. Podem
não amar Assad, mas nem por isso permitirão que milicianos vindos da Argélia ou
da Chechênia governem suas terras tribais.
Situação atual do ISIS na Síria e Iraque e a infraestrutura de petróleo & gás (clique na imagem para aumentar) |
Mais
preocupantes, contudo, são notícias de que pistoleiros do califado podem ter
tomado a maior represa do Iraque, Mosul, que até agora estivera sob controle da
guerrilha peshmerga curda.
Os curdos
ampliaram seu território em cerca de talvez 40%, quando o exército iraquiano
desertou daquela região no norte do Iraque, mas a reputação de seu exército
peshmerga supostamente invencível está sofrendo duro revés, agora que já
admitiram ter perdido o controle de algumas cidades próximas à represa.
Se os
islamistas podem capturar todo o complexo da barragem, podem, tecnicamente,
impedir o fornecimento de água para Bagdá – ou inundar a capital, cujo governo
xiita já demonstrou ser incapaz de governar, ou de recapturar, território
sunita no Iraque.
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Nota dos tradutores
[1] Supomos que a
metáfora remeta ao que aconteceu num programa
de entrevista da rede Al-Jazeera, em que dois deputados
discutiram, com o desfecho que se vê (18/6/2014) a seguir:
Mas a palavra “Jazeera” em árabe
significa “a ilha” e, por extensão, também “península árabe”. Comentários e
correções são bem-vindos.
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[*] Robert Fisk é filho de um
ex-soldado britânico da Primeira Guerra Mundial. Estudou jornalismo na
Inglaterra e Irlanda. Trabalhou como correspondente internacional na Irlanda -
cobrindo os acontecimentos no Ulster - e Portugal. Em 1976, foi convidado por
seu editor no The Times onde trabalhou até 1988 substituindo o
correspondente do jornal no Oriente Médio. Mudou para o The Independent em 1989- após uma discussão com seus
editores sobre modificações feitas em seus artigos, sem seu consentimento.
Cobriu a guerra civil
do Líbano, iniciada em 1975; a invasão soviética do Afeganistão, em 1979; a
guerra Irã-Iraque (1980-1988), a invasão israelense do Líbano, em 1982; a
guerra civil na Argélia, as guerras dos Balcãs e a Primeira (1990-1991) e a
Segunda Guerra do Golfo Pérsico, iniciada em 2003. Fisk notabiliza-se também
pela cobertura ao conflito israelo-palestino. Ele é um defensor da causa
palestina e do diálogo entre os países árabes, o Irã e Israel.
Considerado como um dos
maiores especialistas nos conflitos do Oriente Médio, Fisk contribuiu para
divulgar internacionalmente os massacres na guerra civil argelina e nos campos
de refugiados de Sabra e Chatila, no Líbano; os assassinatos promovidos por
Saddam Hussein, as represálias israelenses durante a Intifada palestina e as
atividades ilegais do governo dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque.
Fisk também entrevistou Osama bin Laden, líder da rede terrorista Al-Qaeda
em 1993, no Sudão, em 1996 e em 1997, no Afeganistão.
Robert Fisk é o
correspondente estrangeiro mais premiado do planeta. Recebeu o Prêmio
Correspondente Internacional Britânico do Ano sete vezes (as últimas em 1995 e
1996). Também ganhou o Prêmio Imprensa da Anistia Internacional no Reino Unido
em 1998 e 2000.
Impressionante a determinação sanguinária sionista no avançar sobre os territórios há décadas considerado sua terra prometida. O triângulo começou a fechar a partir do Rio Eufrates , pelos EUA destruindo o Iraque e daí desarticulando o Oriente ...que horrores ainda estão para acontecer até fincarem bandeira na posse do Rio Nilo?
ResponderExcluirQue vergonha sinto desta geração, onde o silêncio dos melhores promove,estimula animalidade...