Washington “pivoteia-se” para a Ásia. China faz apirouette eurasiana
16/12/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online – The RovingEye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Agora, combinem a estratégia da Rota da Seda com alta cooperação super estimulada entre os países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), com a cooperação acelerada entre os membros da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), com o papel de mais peso que a China passará a ter sobre os 120 países do Movimento dos Não Alinhados (MNA) ‒ e que ninguém estranhe que haja ‒ em todo o sul global, bem clara, a percepção de que, enquanto os EUA mais e mais se afundam em suas infindáveis guerras, o mundo está desertando os EUA e tomando o rumo do oriente.
18/11/2014: eis um dia que viverá para sempre na história. Nesse dia, na cidade de Yiwu na província de Zhejiang, na China, 300 km ao sul de Xangai, o primeiro trem carregando 82 contêineres de produtos exportados, pesando mais de 1.000 toneladas, deixou um gigantesco armazém-complexo, destino: Madrid. Chegou no dia 9/12/2014.
Bem-vindos ao novo tchu-tchu-trem trans-Eurasiano.Ao longo de mais de 13 mil quilômetros, cumprirá regularmente a mais longa rota de ferrovia comercial do planeta, 40% mais longa que a lendária Estrada de Ferro Trans-Siberiana. Os vagões atravessarão a China de leste a oeste, depois Cazaquistão, Rússia, Bielorrússia, Polônia, Alemanha, França e, por fim, Espanha.
Você pode não ter nem ideia de onde fique Yiwu, mas empresários que querem estender suas vendas por toda a Eurásia, sobretudo a partir do mundo árabe, já estão apaixonados pelacidade “onde o melhor acontece!” Estamos falando do maior centro atacadista para consumidores de pequeno porte – de roupas a brinquedos – possivelmente de todo a Terra.
A rota Yiwu-Madrid que atravessa a Eurásia marca o início de um conjunto de desenvolvimentos do tipo que muda a natureza do jogo. Será eficiente canal logístico, de extensão quase inacreditável. Marcará a geopolítica com toque humano, tecendo juntos num mesmo tecido pequenos lojistas e mercados gigantescos de um lado ao outro de vastíssimas extensões de terra, transcontinentais. Já é exemplo inescapável da integração eurasiana em pleno movimento. E, mais que tudo, é a primeira pedra fundamental da “Nova Rota da Seda” da China, pode-se dizer, o projeto do novo século e sem dúvida a maior história de comércio no planeta, para a próxima década.
Para Oeste, Jovem Han. Um dia, se tudo acontecer conforme o planejado (e conforme os sonhos dos líderes chineses), tudo isso será seu – e entregue por trem de alta velocidade, nada mais, nada menos. Viajar por terra da China à Europa passará a ser coisa de dois dias, não dos 21 de hoje. De fato, no mesmo momento em que esse trem de carga deixava Yiwu, o trem-bala D8602 deixava Urumqi na Província Xinjiang, destino Hami, no oeste remoto da China. É o primeiro trem de alta velocidade construído em Xinjiang, e há outros a caminho, cruzando a China a velocidades estonteantes.
Hoje, 90% do comércio global de contêineres ainda viaja por oceano – e é isso que Pequim planeja modificar. Ainda em embrião, ainda relativamente lenta, a Nova Rota da Seda é o primeiro passo decisivo numa prevista revolução no comércio transcontinental, por terra, de contêineres.
E com ela vai uma cesta de futuros negócios “ganha-ganha”, inclusive redução nos custos dos transportes; expansão das empresas chinesas de construção na direção dos “-stões” da Ásia Central, e também para a Europa, meio mais fácil e mais rápido para mover urânio e metais raros da Ásia Central para outros pontos, e a abertura de miríade de novos mercados para acolher centenas de milhões de pessoas.
Assim, se Washington tem planos para “pivotear-se para a Ásia”, a China tem planos próprios. Pode-se dizer que se trata de um salto pirouette para a Europa, cruzando a Eurásia.
Mundo está desertando dos EUA e tomando o rumo do oriente?
A velocidade em que tudo isso acontece é de estarrecer. O presidente chinês Xi Jinping lançou o Cinturão Econômico da Nova Rota da Seda [ing. New Silk Road Economic Belt] em Astana, Cazaquistão, em setembro de 2013. Um mês depois, em Jacarta, capital da Indonésia, anunciou uma Rota da Seda Marítima para o século XXI. Pequim define o conceito geral por trás desse planejamento como “uma rota e um cinturão”, quando o que está realmente considerando é um emaranhando alucinante de respectivas ferrovias, autovias, rotas marítimas e cinturões.
Estamos falando de uma estratégia nacional concebida para se alimentar da aura histórica da antiga Rota da Seda, que aproximou e uniu civilizações, oriente e ocidente, ao mesmo tempo em que criava a base para vasto conjunto de zonas pan-eurasianas de cooperação econômica conectadas. A liderança chinesa já deu luz verde para um fundo de US$ 40 bilhões para a infraestrutura, supervisionado pelo Banco de Desenvolvimento da China, para construir estradas, ferrovias de alta velocidade, oleodutos e gasodutos em várias províncias chinesas. O fundo será expandido, mais cedo ou mais tarde, para cobrir projetos no Sul e Sudeste da Ásia, no Oriente Médio e em partes da Europa. Mas a Ásia Central é o alvo chave imediato. Empresas chinesas estarão investindo, disputando contratos em dúzias de países ao logo dessas planejadas rotas da seda. Depois de três décadas de desenvolvimento, sugando investimentos estrangeiros em velocidade alucinante, a estratégia chinesa, agora, é deixar que seu próprio capital flua para os arredores. Já estão assinados US$ 30 bilhões em contratos com o Cazaquistão e US$ 15 bilhões com o Uzbequistão. A China já forneceu US$ 8 bilhões em empréstimos ao Turcomenistão, e mais um bilhão tomou o rumo do Tadjiquistão.
Em 2013, as relações com o Quirguistão foram elevadas ao que os chineses chamam de “nível estratégico”. A China já é a maior parceira comercial de todos esses países, exceto o Uzbequistão e, embora as repúblicas centro-asiáticas que formaram a URSS ainda permaneçam conectadas à rede russa de óleogasodutos, a China também está em ação nessas áreas, criando sua versão própria do Oleogasodutostão, incluindo um novo gasoduto.
A competição entre as províncias chinesas por grande parte desses negócios e da infraestrutura que os acompanha será feroz. Xinjiang já está sendo reconfigurada por Pequim para ser um grande centro de distribuição nessa nova rede eurasiana. No início de novembro de 2014, Guangdong – a “fábrica do mundo” – acolheu a primeira exposição internacional para a Rota da Seda Marítima do país e compareceram à festa representantes de, nada menos,42 países.
O próprio presidente Xi anda entusiasmadíssimo, vendendo sua província natal, Shaanxi, que no passado foi ponto de partida da Rota da Seda histórica em Xian, como centro de distribuição de transportes no século XXI. Fez de sua Nova Rota da Seda ponto de partida para, dentre outros destinos, o Tadjiquistão, as Maldivas, Sri Lanka, Índia e Afeganistão.
Como a Rota da Seda histórica, a nova tem de ser pensada sempre no plural. Imagine-a como um conjunto complexíssimo de ferrovias, rodovias e óleo-gasodutos. Um dos braços chaves tomará o rumo da Ásia Central, Irã e Turquia, com Istambul no ponto de entroncamento das vias. Irã e Ásia Central já estão promovendo ativamente as suas conexões. Outro trecho chave acompanhará a Ferrovia Trans-siberiana, com Moscou como principal entroncamento. Tão logo essa trans-Siberiana remix de alta velocidade estiver completada, a duração da viagem entre Pequim e Moscou cairá, dos atuais seis dias e meio, para apenas 33 horas. No final, Roterdam, Duisburgo e Berlim podem vir a ser, todas elas, estações dessa futura “alta via” e os empresários alemães estão entusiasmadíssimos com a ideia.
A Rota da Seda Marítima começará na província Guangdong a caminho para o Estreito de Malaca, Oceano Índico, Chifre da África, Mar Vermelho e o Mediterrâneo, terminando, de fato, em Veneza – justiça poética muito merecida. Pode-se dizer que é Marco Polo, por engenharia reversa.
Tudo isso está previsto para entrar em operação em 2025, o que garantirá à China o tipo de “soft power” futuro que hoje já não lhe falta. Quando o presidente Xi promove o impulso para “quebrar o gargalo da conectividade” através da Ásia, está também prometendo crédito chinês para vasta gama de países.
Agora, combinem a estratégia da Rota da Seda com alta cooperação super estimulada entre os países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), com a cooperação acelerada entre os membros da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), com o papel de mais peso que a China passará a ter sobre os 120 países do Movimentos dos Não Alinhados (MNA) –, e que ninguém estranhe que haja , em todo o sul global, bem clara, a percepção de que, enquanto os EUA mais e mais se afundam em suas infindáveis guerras, o mundo está desertando dos EUA e tomando o rumo do oriente.
Novos Bancos e Novos Sonhos
A recente reunião de cúpula da organização de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico [Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC)] em Pequim foi, com certeza, história de sucesso dos chineses, mas a maior história dessa reunião da APEC escapou praticamente sem ser noticiada nos EUA. 22 países asiáticos aprovaram a criação de um Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura [orig. Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB)], apenas um ano depois de Xi ter apresentado a ideia. Será mais um banco, como o Banco de Desenvolvimento dos BRICS [orig. BRICS Development Bank], que ajudará a financiar projetos em energia, telecomunicações e transportes. O capital inicial, US$ 50 bilhões, e China e Índia serão os principais acionistas.
Considerem o evento como resposta sino-indiana ao Banco de Desenvolvimento Asiático [orig. Asian Development Bank (ADB)], fundado em 1966 sob a égide do Banco Mundial e considerado pela maior parte do mundo como o “coelho” que puxa a velocidade das apostas do consenso de Washington. Quando China e Índia insistem que os empréstimos do novo banco serão feitos sob princípios de “justiça, equidade e transparência”, estão dizendo que serão em tudo diferentes do que se vê no ADB (que nunca deixou de ser banco de negócios norte-americanos e japoneses com esses países cobrindo 31% do capital do banco e com 25% das ações que votam) – e é sinal de que se inaugura uma nova ordem na Ásia. Além disso, num plano puramente prático, o ADB jamais financiará as reais necessidades do crescimento da infraestrutura asiática com que a liderança chinesa sonha, razão pela qual o AIIB aparece exatamente em boa hora.
Tenham todos em mente que a China já é principal parceiro comercial de Índia, Paquistão e Bangladesh. Aparece em segundo, na relação com Sri Lanka e Nepal. Volta a ser parceiro número um de virtualmente todas as nações-membro da Associação de Nações do Sudeste Asiático [orig. Association of Southeast Asian Nations (ASEAN)], apesar dos muito divulgados recentes conflitos da China sobre quem controla as águas ricas em depósitos de energia naquela região. Estamos falando aqui sobre o fascinante sonho de ver convergirem 600 milhões de pessoas no sudeste da Ásia, 1,3 bilhão na China e 1,5 bilhão no subcontinente indiano.
Só três países membros da APEC – além dos EUA – não aprovaram a criação do novo banco: Japão, Coreia do Sul e Austrália, todos sob pressão gigante pelo governo Obama. (A Indonésia assinou com alguns dias de atraso.) E a Austrália encontra cada dia mais dificuldades para resistir à sedução do que está sendo chamado de “diplomacia do yuan”.
Na verdade, pense o que pensar a grande maioria das nações asiáticas sobre o “crescimento pacífico”, como a China autodescreve a própria ascensão, muitas nações já estão dando as costas a um mundo comercial e dos negócios dominado por Washington & OTAN e aos seus respectivos “pactos” – da Parceria de Comércio e Investimentos Transatlântica [orig.Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP)] para a Europa, à Parceria Trans-Pacífico [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)] para a Ásia fora da Asia.
Quando o dragão abraça o urso
Para o presidente Vladimir Putin da Rússia, a reunião APEC foi fabulosa. Depois que seu país e a China fecharam negócio-monstro de US$ 400 bilhões de gás natural em maio – para o gasoduto Poder da Sibéria, cuja construção começou em 2014 – a Rússia ainda assinou um segundo acordo, no valor de US$ 325 bilhões, para o gasoduto de Altai, que parte da Sibéria ocidental.
Esses dois mega negócios de energia não significam que Pequim se tenha tornado dependente de Moscou, para sua energia, embora se estime que os russos estarão fornecendo 17% do gás natural de que a China estará precisando em 2020. (O gás só cobre 10% do mixdas carências de energia chinesas). Mas esses negócios indicam a direção em que sopram os ventos no coração da Eurásia.
Embora os bancos chineses não possam substituir os bancos afetados pelas sanções que Washington e a União Europeia aplicaram à Rússia, eles estão garantindo a Moscou, sufocada pela violenta derrubada dos preços do petróleo, um importante alívio, sob a forma de acesso ao crédito chinês.
No front militar, Rússia e China estão agora envolvidas em manobras militares conjuntas em grande escala, e o sistema avançado S-400 de mísseis de defesa dos russos logo estará instalado em Pequim. Além disso, Putin falou recentemente, pela primeira vez no pós-guerra, da velha teoria soviética da “segurança coletiva da Ásia”, como pilar possível para construir uma nova parceria estratégica sino-russa.
O presidente chinês Xi chamou tudo isso de “a árvore sempre verde da amizade China-Rússia” –, ou se pode falar de um “pivô” estratégico, de Putin, na direção da China. Em qualquer caso, Washington não está exatamente muito contente de ver Rússia e China em processo de somar forças: a excelência russa no aeroespaço, na tecnologia de defesa e na fabricação de equipamento pesado, somada à excelência chinesa na agricultura, na indústria leve e na tecnologia da informação.
Também já está claro há anos que, por toda a Eurásia, os oleogasodutos que prevalecerão serão muito mais provavelmente, os russos, não os ocidentais. A mais recente ópera do Oleogasodutostão – o cancelamento, pela russa Gazprom, do gasoduto “Ramo Sul”, previsto para levar ainda mais gás natural russo para a Europa – só garantirá, no final, uma integração energética ainda maior entre Turquia e Rússia, na direção da nova Eurásia.
Adeus, momento unipolar
Todos esses desenvolvimentos interconectados sugerem mudança geopolítica de grandeza tectônica na Eurásia, que a imprensa-empresa nos EUA ainda nem começou a tentar enfrentar. Não significa que ninguém noticie coisa alguma. No establishment em Washington, sente-se no ar o cheio do pânico incipiente. O Conselho de Relações Exteriores já está publicando lamentos sobre a possibilidade de o momento da ex-superpotência excepcionalista estar-se aproximando do “desenlace”. A Comissão de Revisão Econômica e de Segurança EUA-China, só faz culpar a liderança chinesa, que seria “desleal”, “avessa a reformas” e inimiga da “abertura” da economia chinesa.
Os suspeitos de sempre esbravejam que a China estaria tumultuando a “ordem internacional”, que “levará ao fracasso da paz e da prosperidade” na Ásia até o Juízo Final, e que pode estar recriando uma “nova Guerra Fria” na região.
Claro que, da perspectiva de Washington, uma China em ascensão é, claro, gravíssima “ameaça” na Ásia, se não para o planeta, uma vez que o Pentágono fica forçado a consumir somas gigantes de recursos para manter intacto o império global crescente de bases militares. Essas produções jornalísticas cerebradas em Washington sobre a nova ameaça chinesa no Pacífico e no sudeste da Ásia, porém, jamais mencionam que a China continua cercada por bases militares norte-americanas, e que a China não tem nenhuma base militar fora do próprio território.
É claro que a China enfrenta, sim, problemas titânicos, incluindo as pressões lhe vêm da derradeira superpotência do globo. Dentre outras coisas, Pequim teme ameaças à segurança dos carregamentos de energia que lhe chegam do exterior, o que ajuda a explicar o investimento massivo para criar um bem-vindo Oleogasodutostão Eurasiano, da Ásia Central até a Sibéria. Temores por seu futuro energético também explicam a urgência com que os chineses querem “escapar do [estreito de] Malacca”, buscando fornecedores na África e na América do Sul, em sua muito discutida ofensiva para obter o controle sobre áreas ricas em recursos energéticos nos mares do Leste e do Sul da China, que Pequim está apostando que podem vir a ser um “segundo Golfo Persa”, com reservas de 130 bilhões de barris de petróleo.
No front interno, o presidente Xi expôs em detalhes sua visão de um caminho “orientado para resultados” para seu país, para a próxima década. Pelo que indicam os mapas do caminho, a lista de reformas “obrigatórias” na China é absolutamente impressionante. E preocupado com manter a economia chinesa, que já é a primeira economia do mundo em números absolutos, andando corretamente e velozmente sobre os trilhos, Xi também está turbinando o combate à corrupção, à ganância e ao desperdício, especialmente dentro do próprio Partido Comunista.
A eficiência econômica é outro problema crucial. As empresas estatais chinesas estão investindo espantosos US$ 2,3 trilhões por ano – 43% do investimento nacional total – em infraestrutura. Mesmo assim, estudos da Escola de Administração da Universidade Tsinghua mostraram um conjunto de investimentos, que vão de fábricas de aço a fábricas de cimento, que só fizeram aumentar ainda mais uma super oferta e, de fato, reduziram a produtividade na China.
Xiaolu Wang e Yixiao Zhou, autores do estudo [acadêmico] “Deepening Reform for China's Long-term Growth and Development” [Aprofundar reformas para o crescimento e o desenvolvimento de longo prazo na China] argumentam que será difícil para a China saltar do status de renda média, para alta renda – exigência crucial para converter-se em potência global efetiva. Para obter isso, outra avalanche de fundos governamentais teria de ser mobilizada para as áreas de segurança social/criação de empregos, benefícios sociais, assistência pública universal à saúde, que chegam a 9,8% e 15,1% do orçamento de 2014 – porcentagens altas para alguns países ocidentais, mas não suficientemente altas para suprir as necessidades chinesas.
Mesmo assim, qualquer um que tenha acompanhado de perto o que a China tem obtido ao longo das três últimas décadas sabe que, sejam quais forem os problemas, sejam quais forem as ameaças, a China não se acabará em pedaços. Como medida para aferir as ambições chinesas para operar a reconfiguração econômica dos mapas comerciais e de poder do mundo, vale lembrar que os líderes chineses também estão pensando sobre como, em futuro próximo, as relações com a Europa poderão também ser reconfiguradas – e esse é processo que fatalmente terá repercussões históricas.
E a tal “Comunidade Harmoniosa”?
Ao tempo em que a China propõe uma nova integração eurasiana, Washington fez a opção pelo “império do caos”, um sistema global disfuncional que agora semeia tempestades e colhe revides do Oriente Médio Expandido até a África e até as periferias da Europa.
Nesse contexto, cresce nos EUA, na Europa e na Rússia uma paranoia de “nova Guerra Fria”. O ex-líder soviético Mikhail Gorbachev, que conhece guerras frias (a uma das quais ele mesmo pôs fim), está mortalmente alarmado. A agenda de Washington, de “isolar” e supostamente tentar incapacitar a Rússia é absolutamente temerária, ainda que, no longo prazo, possa também estar condenada ao fracasso.
No atual momento, sejam quais sejam suas fraquezas, Moscou permanece como a única potência capaz de negociar um equilíbrio estratégico global com Washington e de impor limites ao império norte-americano do caos. As nações da OTAN ainda seguem servilmente o comando de Washington; e a China ainda não tem “pegada” estratégica.
A Rússia, como a China, está apostando na integração eurasiana. Ninguém, é claro, sabe como isso acabará. Há apenas quatro anos, Vladimir Putin estava propondo uma “comunidade econômica harmoniosa que se estenda de Lisboa a Vladivostok”, envolvendo um acordo trans-eurasiano de livre comércio. Mas hoje, com EUA, OTAN e Rússia engalfinhados numa batalha nas sombras, à maneira da Guerra Fria, disputando a Ucrânia; e com a União Europeia incapaz de desengajar-se da OTAN, o novo paradigma mais imediato parece ser menos alguma integração total e, muito cada vez mais histeria de guerra e medo do futuro, a se espalharem para outras partes da Eurásia.
Mas que ninguém descarte uma mudança nas dinâmicas da situação. No longo prazo, parece estar escrito nas cartas. Um dia, a Alemanha talvez lidere partes da Europa, para longe da “lógica” da OTAN, porque empresários e industriais alemães não perdem de vista o potencial de lucros futuros de uma nova Eurásia. Por estranho que pareça hoje, em plena guerra de palavras sobre a Ucrânia, o fim do impasse ainda pode envolver, quem sabe, uma aliança Berlim-Moscou-Pequim.
No momento, a escolha entre dois modelos que se veem no planeta parece realmente muito apertada: ou integração eurasiana, ou expansão do império do caos. China e Rússia sabem o que querem; Washington, parece, também. A questão é: o que as outras peças móveis da Eurásia escolherão fazer?
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
− Seu novo livro, Empire of Chaos, acaba de ser publicado pela Nimble Books.
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