4/6/2009, tradução de
Sinto-me honrado, nessa milenar cidade do Cairo, recebido por duas importantes instituições. Há mais de mil anos, a Universidade de al-Azhar já era sentinela avançada dos estudos islâmicos, e por mais de um século a Universidade do Cairo é fonte de desenvolvimento do Egito. Juntas, essas instituições representam a harmonia entre a tradição e o progresso. Agradeço a hospitalidade dessas universidades e a hospitalidade do povo egípcio. Trago-lhes com orgulho a boa-vontade do povo americano, e um voto de paz das comunidades muçulmanas em meu país: assalaamu alaykum[1].
Nos reunimos num momento de tensão entre os EUA e muçulmanos em várias partes do mundo – tensão que brota de forças históricas e vão além do atual debate político. As relações entre o Islam e o ocidente incluem séculos de coexistência e cooperação, mas também conflitos e guerras religiosas. Mais recentemente, a tensão foi alimentada pelo colonialismo que nega direitos e oportunidades a muitos muçulmanos, e uma guerra fria na qual países de maioria muçulmana são muitas vezes tratados como fantoches [or. proxies], sem atenção às suas aspirações. Além disso, as rápidas mudanças trazidas pela modernidade e pela globalização levaram muitos muçulmanos a ver o ocidente como hostil às tradições do Islam.
Extremistas violentos exploraram essas tensões em minorias pequenas, mas potentes, de muçulmanos. Os ataques de 11/9/2001 e os continuados esforços daqueles extremistas em ações de violência contra civis, levaram alguns, no meu país, a ver o Islam como inevitavelmente hostil, não só aos EUA e aos países ocidentais, mas hostil também aos direitos humanos. O que alimentou mais medo e desconfiança.
Enquanto nossas relações forem definidas por nossas diferenças, mais força daremos aos que semeiam ódio, não paz; e aos que promovem conflitos, não a cooperação que pode ajudar nosso povo a alcançar justiça e prosperidade. Esse ciclo de suspeitas e discórdia tem de acabar.
Vim até aqui em busca de um recomeço, entre os EUA e os muçulmanos de todo o mundo; recomeço baseado em interesse mútuo e mútuo respeito; e baseado na verdade de que os EUA e o Islam não são exclusivos e não precisam viver em competição. Em vez disso, somam-se e partilham princípios comuns – princípios de justiça e progresso; de tolerância e de respeito à dignidade de todos os seres humanos.
Reconheço que a mudança não pode acontecer da noite para o dia. Nenhum discurso pode pôr fim a anos de desconfiança, nem posso, eu, com meu pouco tempo de governo, ter resposta para todas as complexas questões que nos trouxeram ao ponto
Parte dessa convicção tem raízes na minha própria experiência. Sou cristão, mas meu pai é família queniana com várias gerações de muçulmanos. Menino, vivi muitos anos na Indonésia e ouvia o chamamento do azaan [o canto que convoca os muçulmanos para as orações] ao nascer do dia e ao cair da noite. Jovem adulto, trabalhei em comunidades, em Chicago, nas quais muitos encontravam dignidade e paz em sua fé muçulmana.
Na universidade, aluno de história, também conheci civilizações que muito devem ao Islam. Foi o Islam – em lugares como a Universidade al-Azhar – que conduziu a luz do saber ao longo de muitos séculos, pavimentando o caminho para o Renascimento e o Iluminismo europeus. A inovação, em comunidades muçulmanas, desenvolveram a álgebra; a bússola e outros instrumentos de navegação; o manejo dos pincéis e penas e a imprensa; o que sabemos sobre como as doenças disseminam-se e como podem ser curadas. A cultura islâmica deu-nos seus arcos majestosos e as espirais; a poesia eterna e a música; a caligrafia mais elegante e locais de contemplação. E, ao longo da história, o Islam demonstrou por palavras e ações, as possibilidades da tolerância religiosa e da igualdade racial.
Sei, também, que o Islam sempre foi parte da história dos EUA. A primeira nação a reconhecer meu país foi o Marrocos. Ao assinar o Tratado de Trípoli, em 1796, nosso segundo presidente, John Adams, escreveu: “Os EUA não tem, em sim nenhum traço de inimizade contra as leis, a religião ou a tranquilidade dos muçulmanos.” E desde o nascimento dos EUA, os muçulmanos norte-americanos enriqueceram os EUA. Lutaram nossas guerras, serviram ao governo, lutaram pelos direitos civis, empreenderam, iniciaram negócios, ensinaram em nossas universidades, conquistaram medalhas em arenas esportivas, receberam Prêmios Nobel, construíram nossos mais altos arranha-céus e acenderam a tocha Olímpica. Quando o primeiro muçulmano norte-americano foi recentemente eleito para o Congresso, ele jurou defender nossa constituição, sobre o mesmo Santo Corão que um dos pais fundadores dos EUA –
Assim conheci o Islam em três continentes, antes de chegar à parte do mundo onde foi revelado. Essa experiência guia minha convicção de que a parceria entre EUA e o Islam tem de basear-se sobre o que é o Islam, não sobre o que ele não é. E entendo como parte de minha responsabilidade como presidente dos EUA lutar contra os estereótipos negativos do Islam, onde apareçam.
Mas esse mesmo princípio deve aplicar-se ao modo como os muçulmanos vêem os EUA. Assim como os muçulmanos não são um estereótipo, tampouco os EUA são estereótipo de império que só pensa
Muito se disse de um afro-americano, de nome Barack Hussein Obama, ter sido eleito presidente. Mas minha história pessoal não é assim tão rara. O sonho da oportunidade para todos os povos ainda não se concretizou nos EUA, mas a promessa persiste para todos que cheguem às nossas costas, incluídos os cerca de 7 milhões de muçulmanos norte-americanos que hoje, nos EUA, gozam de condições de vida e educação superiores à média.
Além disso, a liberdade na América é indivisível da liberdade de religião. Há uma mesquita em cada estado dos EUA, mais de 1.200 mesquitas em todo o país. Por isso o governo dos EUA foi aos tribunais para proteger o direito de mulheres e meninas usarem o hijab, e punir os que tentassem negar-lhes esse direito.
Que não reste nenhuma dúvida: o Islam é parte dos EUA. E eu acredito que os EUA guardam consigo a verdade segundo a qual, independente de raça, religião ou idade, todos partilhamos aspirações comuns – viver em paz e segurança; obter boa educação e trabalhar com dignidade; amar a família, a comunidade e nosso Deus. Tudo isso todos partilhamos. Essa é a esperança de toda a humanidade.
Claro, reconhecer nossa humanidade comum é apenas a primeira de nossas tarefas. Só palavras não bastam para atender às necessidades de nosso povo. Essas necessidades só serão satisfeitas se agirmos firmemente nos próximos anos; e se entendermos que os desafios à frente são partilhados e que se fracassarmos, todos sofreremos.
Já aprendemos, de nossa experiência recente, que quando um sistema financeiro enfraquece, num país, a prosperidade de todos sofre, em todos os lugares. Quando uma gripe faz adoecer um ser humano, todos ficamos ameaçados. Quando uma nação trabalha para construir uma arma nuclear, o risco de ataques nucleares aumenta para todos os povos. Quando um extremista violento opera num desfiladeiro nas montanhas, há pessoas ameaçadas do outro lado do oceano. E quando inocentes são massacrados na Bósnia e Darfur, a mancha se alastra por toda nossa consciência coletiva. Isso é o que significa partilhar o mundo, no século 21. Essa é a responsabilidade que todos temos, uns com os outros, como seres humanos.
É uma responsabilidade difícil de assumir. A história humana tem sido, muitas vezes, história de nações e tribos que subjugam umas as outras para atender interesses que não são de todos. Nos novos tempos que vivemos, essas atitudes são de auto-derrota. Dada nossa interdependência, qualquer ordem mundial que ponha uma nação ou um povo acima dos demais, fracassará inevitavelmente. Assim, pensemos o que pensarmos do passado, não podemos ficar prisioneiros do passado. Nossos problemas têm de ser equacionados em espírito de parceria; temos de partilhar o progresso.
Isso não implica que se devam ignorar as fontes de tensão. De fato, sugere o contrário disso: temos de encarar abertamente essas tensões. Assim, nesse espírito, permitam que eu fale clara e abertamente sobre algumas questões que creio que temos de enfrentar juntos.
A primeira dessas questões que temos de enfrentar é o extremismo violento, em todas as suas formas.
Em Ankara, deixei claro que os EUA não estão – e jamais estarão – em guerra contra o Islam. Mas enfrentaremos sem descanso todos os extremistas violentos que ameacem nossa segurança. Porque rejeitamos o que homens e mulheres de todas as fés rejeitam: a morte de inocentes, homens, mulheres e crianças. E meu primeiro dever como presidente é proteger os norte-americanos.
A situação no Afeganistão demonstra os objetivos dos EUA e a necessidade de que todos trabalhemos juntos. Há mais de sete anos os EUA lutam contra a al-Qaida e os Taliban com amplo apoio internacional. Lá não estamos por escolha nossa; fomos para lá por necessidade. Sei que há quem questione e quem justifique os eventos do 11/9. Mas sejamos claros: a al-Qaida matou cerca de 3.000 pessoas, naquele dia. As vítimas foram homens, mulheres e crianças norte-americanas e de outras nações, inocentes, que jamais haviam feito mal a alguém. Mesmo assim, a al-Qaida escolher assassinar aquelas pessoas, assumiu a autoria do ataque e ainda hoje afirma sua determinação de matar outra vez
Que ninguém se engane: não desejamos manter nossas tropas no Afeganistão. Não queremos instalar bases lá. É agonia, para os EUA ver morrer nossos jovens, homens e mulheres. Esse conflito custa-nos muito e é politicamente difícil continuar aquela luta. Nós retiraríamos os nossos soldados de lá e com alegria os traríamos para casa, se pudéssemos ter certeza de que não há extremistas violentos no Afeganistão e no Paquistão, determinados a matar o maior número possível de norte-americanos. A situação ainda não é essa.
Por isso continuamos lá, numa coalizão de 46 países. E, apesar dos custos envolvidos, a determinação dos EUA não enfraquecerá. De fato, nenhum de nós pode tolerar esses extremistas. Eles já mataram
Sabemos também que só o poder militar não resolverá os problemas no Afeganistão e no Paquistão. Por isso, planejamos investir 1,5 bilhões de dólares ao ano, nos próximos cinco anos, para ajudar os paquistaneses a construir escolas e hospitais, estradas e empresas, e centenas de milhões para ajudar os que perderam suas casas. Por isso estamos oferecendo mais de 2 bilhões para ajudar os afegãos a desenvolver sua economia e oferecer os serviços de que as pessoas necessitam.
Sobre a questão do Iraque. Ao contrário do Afeganistão, o Iraque foi guerra que os EUA escolheram e provocou fortes discussões em meu país e em todo o mundo. Embora eu acredite que os iraqueanos estão hoje melhor, sem a tirania de Saddam Hussein, também acredito que os eventos do Iraque ensinaram aos EUA a necessidade de usar a diplomacia e de construir consenso internacional para resolver nossos problemas, sempre que possível. De fato, lembro as palavras de
Hoje, os EUA têm dupla responsabilidade: ajudar o Iraque a forjar melhor futuro e entregar o Iraque aos iraqueanos. Deixei bem claro para os iraqueanos que não buscamos novas bases e nada queremos de seu território ou de seus recursos. A soberania do Iraque é do Iraque. Por isso ordenei a retirada de nossas brigadas de combate
Por fim, assim como os EUA jamais tolerarão a violência dos extremistas, jamais alteraremos nossos princípios. O 11/9 foi enorme trauma para nosso país. O medo e a ira que provocou foi compreensível, mas em alguns casos levou-nos a agir ao contrário de nossos ideais. Tomamos ações concretas para mudar de curso. Proibi inequivocamente o uso de tortura pelos EUA, e ordenei que a prisão da baía de Guantânamo seja fechada até o início do próximo ano.
Portanto, os EUA defender-se-ão, respeitando a soberania das nações e sob o império da lei. E o faremos em parceria com comunidades muçulmanas que também são ameaçadas. Quanto antes os extremistas sejam isolados e não se sintam bem-vindos nas comunidades muçulmanas, mais rapidamente todos teremos mais segurança.
A segunda melhor fonte de tensão que temos de discutir é a situação entre israelenses, palestinos e o mundo árabe.
Todos conhecem os fortes laços que unem Israel e os EUA. São laços inquebráveis. Baseiam-se em ligações culturais e históricas e no reconhecimento da legitimidade da aspiração do povo judeu a ter uma pátria, aspiração que se baseia na sua trágica história que não pode ser negada.
Em todo o mundo, o povo judeu foi perseguido, e o antissemitismo na Europa culminou num Holocausto sem precedentes. Amanhã visitarei Buchenwald, um dos campos da rede de campos nos quais os judeus foram escravizados, torturados, executados a tiros e em câmaras de gás pelo Terceiro Reich. Seis milhões de judeus foram mortos – mais do que toda a população de judeus de Israel, hoje. Negar esses fatos é pensamento sem fundamento, é ignorância e é manifestação de ódio. Ameaçar Israel de destruição – ou repetir estereótipos vis sobre os judeus – é erro grave e só serve para evocar, na mente dos israelenses suas memórias mais dolorosas, impedindo que haja a paz que o povo daquela região merece.
Por outro lado, é inegável o sofrimento dos palestinos – muçulmanos e cristãos –em busca de uma pátria. Há mais de 60 anos sofrem a dor da deslocação. Muitos esperam em campos de refugiados na Cisjordânia, em Gaza e em terras próximas, por uma vida de paz e segurança que jamais puderam ter. Sofrem humilhações diárias – maiores e menores – resultado da ocupação. Aí tampouco não cabem dúvidas: a situação do povo palestino é intolerável. Os EUA não darão as costas às legítimas aspirações dos palestinos, por dignidade, oportunidades e um Estado seu.
Ao longo de décadas, o impasse permaneceu: dois povos com aspirações legítimas, cada um deles com sua história dolorosa que tornou quase impossível qualquer acordo. É fácil denunciar; os palestinos denunciam os refugiados criados pela fundação de Israel; e os israelenses denunciam a constante hostilidade e os ataques ao longo de sua história, de fora e de dentro de suas fronteiras. Mas se se vê o conflito ou pelos olhos de um, ou pelos olhos de outro, não vemos a verdade: a única solução possível para atender às aspirações dos dois lados é criarem-se dois Estados, nos quais israelenses e palestinos possam viver em paz e em segurança.
Atende aos interesses de Israel e atende aos interesses dos palestinos; atende aos interesses dos EUA e atende aos interesses do mundo. Por isso me aplicarei pessoalmente para chegar a esse resultado, com a paciência que a tarefa exige. Os deveres acordados pelas duas partes no “Mapa do Caminho” são claros. Para que se faça a paz, é tempo de eles – e todos nós – fazermos o que é de nossa responsabilidade.
Os palestinos devem abandonar a violência. Resistência mediante violência e morte é errada e a nada leva. Durante séculos os negros nos EUA sofreram o castigo do chicote como escravos e a humilhação da segregação. E não venceram pela violência, nem foi a violência que lhes trouxe a igualdade de direitos. Foi a insistência pacífica e determinada conforme os ideais que são o centro da fundação dos EUA. O mesmo se pode dizer de outros povos, da África do Sul ao Sul da Ásia; da Europa oriental à Indonésia. É uma história e uma verdade simples: a violência e caminho sem saída. Não é sinal nem de coragem nem de poder, disparar foguetes em quartos onde dormem crianças, ou explodir idosas em ônibus. Assim, nenhuma autoridade moral pode impor-se; assim, de fato, a autoridade moral rende-se.
É tempo de os palestinos focarem-se no que realmente podem construir. A Autoridade Palestina deve desenvolver sua capacidade para governar, com instituições que atendam às necessidades do povo. O Hamás tem apoio de alguns palestinos, mas também tem responsabilidades. Para cumprir seu papel e atender às aspirações dos palestinos, e para unir o povo palestino, o Hamás tem de desistir da violência, reconhecer acordos passados e reconhecer o direito de existência de Israel.
Ao mesmo tempo, os israelenses têm de reconhecer que, assim como não se pode negar o direito à existência de Israel, tampouco se pode negar o direito dos palestinos. Os EUA não aceitam a legitimidade da continuada construção de colônias israelenses. Essas construções violam acordos existentes e minam quaisquer esforços que se faça com vistas à paz. A construção de colônias tem de parar.
Israel deve também cumprir sua obrigação de garantir que os palestinos possam viver, trabalhar e desenvolver sua sociedade. Assim como leva devastação às famílias palestinas, a continuada crise humanitária em Gaza não contribui para a segurança de Israel; nem a continuada falta de oportunidades na Cisjordânia. Permitir melhores condições de vida diária para o povo palestino tem de ser parte da via da paz. E Israel deve tomar medidas concretas para tornar possíveis aquelas condições.
Por fim, os Estados árabes devem reconhecer que a Iniciativa da Paz Árabe foi importante primeiro passo, mas não põe fim a todas as responsabilidades. O conflito árabes-Israel não deve continuar a ser usado para distrair a atenção dos povos de nações árabes, de outros problemas. Em vez disso, deve ser causa de ações para ajudar o povo palestino a desenvolver instituições que sustentem um Estado palestino; para reconhecer a legitimidade de Israel; e para escolher o progresso, em vez do foco de autoderrota, do passado.
Os EUA alinharemos nossas políticas ao lado dos que busquem a paz. Diremos em público o que dizemos privadamente aos israelenses, aos palestinos e aos árabes. Não podemos impor a paz. Privadamente, muitos muçulmanos reconhecem que Israel não sairá de lá. Assim também, muitos israelenses reconhecem que é preciso criar um Estado palestino. É tempo de os EUA agirem na direção do que todos sabem que é verdade.
Muitas lágrimas já correram. Muito sangue já foi derramado.. Todos temos a responsabilidade de agir para que chegue o dia em que mães israelenses e palestinas possam ver seus filhos crescer sem medo; quando a Terra Santa das três maiores religiões seja o lugar de paz que Deus quer que sejam; quando Jerusalém seja lar seguro e permanente para judeus, para cristãos e para muçulmanos, e lugar onde todas as crianças de Abraão vivam juntas e em paz, como na história de Isra, quando Moisés, Jesus e Maomé (que a paz esteja com eles) reuniram-se em oração.
A terceira fonte de tensão é o interesse que todos temos quanto aos direitos e responsabilidade das nações, quanto às armas nucleares.
Essa questão tem sido uma fonte de tensão entre os EUA e a República Islâmica do Iran. Por muitos anos, o Iran definiu-se em parte pela oposição ao meu país e há, sim, uma história tormentosa entre nós. No meio da Guerra Fria, os EUA desempenharam um papel na derrubada de um governo iraniano democraticamente eleito. Desde a revolução islâmica, o Iran desempenha um papel em atos de tomada de reféns e ataques violentos contra soldados e civis norte-americanos. Essa história é bem conhecida. Mais do que nos deixar prender no passado, tenho repetido claramente aos líderes e ao povo iranianos que meu país está preparado para avançar. A questão, hoje, não tem a ver com o que o Iran seja contra, mas tem a ver, sim, com o futuro que o Iran queira construir.
Será difícil superar décadas de desconfiança, mas agiremos com coragem, retidão e determinação. Haverá questões a discutir entre os dois países e estamos dispostos a avançar sem precondições, a partir de mútuo respeito. Mas é claro que, em tudo quanto tenha a ver com armas nucleares, alcançamos um ponto sem volta. Não se trata apenas de defender interesses dos EUA. Trata-se de evitar uma corrida nuclear armamentista no Oriente Médio, que poria essa região do mundo em rota de imenso perigo.
Entendo os que protestam, porque alguns países têm armas nucleares e outros não têm. Nenhuma nação pode escolher e decidir quais nações tenham armas nucleares. Por isso, reafirmei fortemente o compromisso dos EUA com buscar um mundo em que nenhuma nação tenha armas nucleares. E todas as nações – inclusive o Iran – devem ter direito de desenvolver capacidades nucleares para finalidades pacíficas, desde que assumam os direitos e os deveres garantidos pelo Tratado de Não-proliferação de Armas Nucleares. Esse compromisso é o núcleo do Tratado e deve ser obrigatório pra todos que firmem o Tratado. Tenho esperanças que todos os países na Região partilhem esse objetivo.
A quarta questão da qual tratarei é a democracia.
Sei que tem havido controvérsia sobre a promoção da democracia nos anos recentes e muito dessa controvérsia está ligada à guerra no Iraque. Permitam-me ser claro: nenhum sistema ou governo pode ou deve ser imposto por uma nação a outra.
Isso, contudo, não enfraquece o meu compromisso com governos que reflitam o desejo popular. Cada nação dá vida a esse princípio à sua maneira, enraizado nas tradições de seu povo. Os EUA não têm a pretensão de saber o que é melhor para todos, tanto quanto não têm a pretensão de alterar o resultado de eleições pacíficas. Mas eu creio profunda e inabalavelmente que todos os povos anseiam por algumas coisas: a capacidade de se manifestar e de ter voz sobre como cada um é governado; confiança na lei e na justa administração da justiça; governo transparente que não roube o povo; liberdade para viver como se escolha viver. Não são só ideias norte-americanos: esses são direitos humanos, e, por isso, os EUA os apoiarão sempre, em todos os lugares.
Não há caminho simples para cumprir essa promessa. Mas há, de claro, o seguinte: governos que protejam esses direitos acabam sempre por ser mais estáveis, mais bem-sucedidos e a oferecer melhor segurança. Suprimir ideias jamais conseguiu fazê-las desaparecer. Os EUA respeitam o direito de todas as vozes pacíficas e respeitadoras da lei que se façam ouvir em todo o mundo, ainda que discordem delas. E acolheremos todos os governos eleitos e pacíficos – sempre que governem com respeito a todo o povo.
Esse último ponto é importante porque há os que defendem a democracia só enquanto estejam longe do poder; uma vez chegados ao poder, tornam-se cruéis opressores dos direitos de outros. Não importa onde seja, o governo do povo e pelo povo é padrão simples para todos os que cheguem ao poder: é indispensável manter o poder pelo consenso, não pela coerção; é indispensável respeitar os direitos das minorias, e participar, com espírito de tolerância e respeito aos acordos; é indispensável pôr o interesse do povo e os resultados legítimos do processo político acima do partido de cada um. Sem esses ingredientes, só eleições não bastam para produzir verdadeira democracia.
A quinta questão de que devo falar também é a liberdade de religião.
O Islam tem honrada tradição de tolerância. Vemos na história da Andaluzia e de Córdoba, durante a Inquisição. Vi em primeira mão, criança na Indonésia, onde cristãos devotos gozam de liberdade de culta em país predominantemente muçulmano. Precisamos desse espírito, hoje. Todos, em todos os países, devem ser livres para escolher e viver a própria fé, por persuasão de mente, coração e alma. Essa tolerância é essencial para que as religiões floresçam, tanto quanto é ameaçada por muitos e diferentes modos.
Entre os muçulmanos, há uma perturbadora tendência a avaliar a própria fé pela rejeição de outras fés. A riqueza da diversidade religiosa deve ser defendida – seja para os maronitas no Líbano ou os coptas no Egito. Devem-se costurar as fraturas também entre os muçulmanos; as divisões entre sunitas e a Xia já levaram a muito trágica violência, sobretudo no Iraque.
A liberdade de religião é central para que os povos consigam viver juntos, Devemos sempre examinar os modos mediante os quais protegemos a liberdade de religião. Nos EUA, por exemplo, regras sobre doações para finalidades religiosas tornaram difícil, para muitos muçulmanos, cumprir algumas de suas obrigações. Por isso comprometi-me a trabalhar ao lado dos muçulmanos norte-americanos, para que possam cumprir o dever de pagar o zakat.
Assim também, é importante que os países ocidentais evitem impedimentos para que os cidadãos muçulmanos pratiquem a religião como decidam praticá-la – por exemplo, tentando determinar o tipo de roupa a ser usado pelas mulheres muçulmanas. Impossível não ver que há hostilidade disfarçada contra algumas religiões, por trás dessa máscara de liberalismo.
A religião deve, sempre, nos unir, todos. Por isso, estamos preparando projetos públicos para aproximar cristãos, muçulmanos e judeus. Por isso acolhemos com alegria os esforços do rei Abdullah da Arábia Saudita, de seu diálogo entre várias religiões e a liderança da Turquia na Aliança das Civilizações. Em todo o mundo, temos de converter os diálogos em ações de aproximação entre as várias religiões, para, assim construir pontes que levem os povos à ação conjunta – seja para combater a malária na África, seja nos momentos de catástrofes naturais.
A sexta questão sobre a qual quero falar são os direitos das mulheres.
Sei que há muito debate sobre essa questão. Rejeito o ponto de vista de alguns no ocidente, de que a mulher que escolha cobrir os cabelos seria de algum modo menos igual às demais mulheres, mas também creio que se se nega educação às mulheres se lhes sonega direitos de igualdade. Não por acaso, os países em que as mulheres têm acesso a plena educação têm mais probabilidades de alcançar a prosperidade.
Quero aqui ser bem claro: a igualdade para as mulheres não é questão e objeto de discussão, nem é problema, só para o Islam. Na Turquia, no Paquistão, em Bangladesh e na Indonésia, vimos países com maioria de muçulmanos elegerem mulheres para postos de liderança. Ao mesmo tempo, prossegue a luta por direitos iguais para as mulheres em muitos campos da vida nos EUA e em vários outros países do mundo.
Nossas filhas podem contribuiu tanto, para a sociedade, quanto nossos filhos, e nossa prosperidade comum só aumentará de houver condições para que todos – homens e mulheres – alcancem seu pleno potencial. Não acho que as mulheres devem fazer as mesmas escolhas que os homens para serem iguais, e respeito as mulheres que escolham viver suas vidas nos papeis tradicionais femininos. Mas tem de ser escolha das mulheres. Por isso, os EUA trabalharão como parceiros de qualquer país de maioria muçulmana para apoiar a expansão da alfabetização para meninas, para estimular que as jovens trabalhem mediante microfinanciamentos que ajudem as pessoas a realizar seus sonhos.
Por fim, quero discutir desenvolvimento econômico e oportunidade.
Sei que, para muitos, a face da globalização é contraditória. A internet e a televisão podem trazer conhecimento e informação, mas também sexualidade ofensiva e violência a mais absurda. O comércio pode trazer riqueza e oportunidades, mas também enormes rupturas e mudanças nas comunidades. Em todas as nação, também na minha, essa mudança pode provocar medo. Medo de que, por causa da modernidade, percamos o controle sobre nossas escolhas econômicas, nossas políticas e, mais importante, sobre nossa identidade – tudo o que mais prezamos nas nossas comunidades, nossas famílias, nossas tradições e nossa fé.
Mas também sei que não se pode negar o progresso humano. Não tem de haver contradição entre desenvolvimento e tradição. Países como o Japão e a Coreia do Sul viram suas economias crescerem, sem deixar de manter culturas distintas. O mesmo vale para o espantoso progresso de países de maioria muçulmana, de Kuala Lumpur a Dubai. Em tempos antigos e nos nossos tempos, sempre houve e há comunidades muçulmanas da linha de frente da inovação e da educação.
É importante, porque nenhuma estratégia de desenvolvimento pode ser baseada apenas no que vem da terra, nem será sustentável se os mais jovens não encontrarem empregos. Muitos Estados do Golfo gozaram de grande prosperidade por causa do petróleo, e alguns estão começando a focar-se em desenvolvimento mais amplo . Mas todos temos de reconhecer que educação e inovação serão a moeda de troca do século 21, e ainda há muitas comunidades muçulmanas nas quais o subdesenvolvimento ainda predomina nessas áreas. Estou reforçando esses investimentos nos EUA. E, se os EUA, no passado, visaram prioritariamente o petróleo e o gás nessa parte do mundo, agora buscamos engajamento mais amplo.
Na educação, expandiremos programas de intercâmbio, aumentaremos as bolsas de estudo, semelhantes às que levaram meu pai aos EUA, ao mesmo tempo em que estimularemos que mais norte-americanos estudem
Para o desenvolvimento econômico, criaremos um novo corpo, no mundo dos negócios, para os que queiram encontrar parceiros nos países de maioria muçulmana. Participarei de um encontro de cúpula sobre empreendedorismo, esse ano, para encontrarmos meios para aprofundar laços entre líderes empreendedores, fundações e empreendedores do campo social nos EUA e em comunidades muçulmanas em todo o mundo.
No campo da ciência e da tecnologia, lançaremos um novo fundo para apoiar o desenvolvimento tecnológico em países de maioria muçulmana, e para levar idéias ao mercado, porque assim se criam empregos. Abriremos novos centros de produção científica de excelência na África, no Oriente Médio e no sudeste da Ásia e indicaremos novos enviados especialistas em ciências para que colaborem em programas para desenvolver fontes alternativas de energia, criar empregos ‘verdes’, digitalizar dados e informações, reciclar resíduos e aumentar colheitas. E hoje estou anunciando um novo esforço global com a Organisation of the Islamic Conference para erradicar a pólio. Também estamos expandindo as parcerias com comunidades islâmicas para promover a atenção médica à saúde maternal e neonatal.
Todas essas iniciativas devem ser implementadas em parcerias. Os norte-americanos estão preparados para reunir-se aos demais cidadãos e demais governos; às organizações comunitárias, aos líderes religiosos, aos homens de negócio nas comunidades muçulmanas em todo o mundo, para ajudar nosso povo a alcançar uma vida melhor.
Nenhuma das questões que descrevi são fáceis de resolver. Mas é nossa responsabilidade nos reunirmos em nome do mundo que buscamos – um mundo no qual os extremistas não ameacem nosso povo; que os soldados norte-americanos estejam de volta à casa; um mundo no qual israelenses e palestinos, cada um vivam seguros
Sei que há muitos – muçulmanos e não-muçulmanos – que questionam se poderemos forjar esse novo começo. Uns anseiam por fazer subir as chamas da divisão e pôr-se como obstáculo no caminho do progresso. Outros sugerem que o esforço não vale a pena – que estamos condenados à dissensão, e as civilizações fatalmente entrarão em choque. Muitos mais são simplesmente céticos, não crêem que possa ocorrer qualquer mudança real. Há tanto medo, tanta desconfiança. Mas se escolhermos nos deixar prender no passado, jamais andaremos adiante. Quero dizer, sobretudo aos mais jovens de todas as fés, em todos os países – vocês, mais do que quaisquer outros, podem refazer esse mundo.
Todos partilhamos esse mundo, apenas por pequena fatia de tempo. A questão é se consumiremos esse tempo dedicados ao que nos mantém separados, ou se nos comprometeremos num esforço – um esforço sustentando – para encontrar base comum a todos, para nos focar no futuro que buscamos para nossos filhos, respeitando a dignidade de todos os seres humanos.
É mais fácil começar guerras do que pôr-lhes ponto final. Mais fácil culpar os outros, do que olhar para dentro; ver o que é diferente, em alguém, do que ver o que temos em comum. Mas temos de escolher o caminho certo, não apenas o caminho mais fácil. Há regra que rege, no coração de todas as religiões – que façamos aos outros, como queremos que nos façam a nós. Essa verdade transcende nações e povos – uma crença que não é nova; que não é nem branca nem negra nem mulata; que não é cristã, muçulmana ou judia. Uma crença que pulsava no berço da civilização, e que ainda pulsa no coração de bilhões. É uma fé em outro povo, e é o que me trouxe hoje aqui.
Temos o poder para fazer o mundo que buscamos, mas só se tivermos coragem para produzir um novo começo, sem perder de vista o que está escrito.
O Santo Corão nos diz: “O humanidade! Homem e mulher te criamos; e em nações e tribos, para que se conheçam uns os outros.”
O Talmud nos diz: “Toda a Torá promove a paz.”
A Bíblia Sagrada nos diz: “Abençoados os que fazem a paz, pois serão chamados filhos de Deus.”
Os povos do mundo podem viver juntos em paz. Essa é a visão de Deus. Agora, esse tem de ser nosso trabalho aqui na Terra. Obrigado. Que a paz de Deus esteja com vocês.
Nota de tradução:
[1] Em árabe, no orig.: “Que a paz esteja contigo”.
O discurso original, em inglês, pode ser encontrado em: Obama - Discurso do Cairo – 4/6/2009