O primeiro ano e meio da presidência Barack Obama proporcionou não poucos desapontamentos para a América. Sobre questões que vão desde a protecção de direitos civis à reforma do seguro médico, desde a política ambiental à desigualdade económica, desde a reforma do sector financeiro à agressão militar e qualquer número de outras questões, a administração fracassou no cumprimento ou mesmo nos esforços por soluções que reflectissem os interesses da massa da população. Como argumentámos alhures, parte da culpa deve se imputada ao próprio presidente Obama. [1]Mas o fortalecimento de uma plutocracia militar-financeira explica muito mais acerca do fracasso do país para atender às ameaças à sua riqueza, à sua vitalidade económica, à sua saúde física e à sua posição moral no mundo. [2]
Estas ameaças eram bastante perturbadoras pois acumularam-se ao longo de décadas desde o presidente Reagan até o presidente George W. Bush. Elas agora são ainda mais alarmantes, dado o mandato com o qual o país elegeu o presidente Obama e a magreza dos resultados. Nas últimas semanas, além disso, um certo número de investigações não conectadas revelou desenvolvimentos que podem certamente serem caracterizados como novas dimensões da decadência do capitalismo estado-unidense. Como veremos, a deterioração está a avançar para novos territórios tanto no sector privado como no governo e as implicações não são favoráveis aos EUA ou ao resto do mundo.
Recuperação sem empregos? Uma mudança estrutural para desemprego mais elevado? Ou decrepitude dos negócios?
As recessões recentes nos EUA produziram altas cada vez mais duradouras do desemprego e a actual recessão está a estabelecer recordes de altura tanto quanto ao desemprego como à duração do desemprego (desde o fim de 2009 uma percentagem constante de 20% de homens em idade de primeiro emprego não tem trabalho a tempo inteiro; mais de 45% daqueles registados oficialmente como desempregados assim estiveram durante mais de um semestre, o que é incomparavelmente mais elevado do que em qualquer época desde a Grande Depressão). [3] A direita, naturalmente, tem muito poucas sugestões significativas para o desemprego. Ela aconselha paciência e roga ao governo reduções de impostos das corporações, as quais, insiste, estimulará a criação de empregos. Analistas mais sérios detectam uma mudança estrutural rumo a níveis de desemprego mais altos que perdurarão, pois a globalização e o livre movimento de capitais permite às corporações dos EUA relocalizarem cada vez mais empregos além-mar. Os empregos na verdade foram embora. Exemplo: a General Motors ficou com apenas 52 mil trabalhadores com salário horário nos EUA, abaixo dos 468 mil de 1970. E a tendência certamente não está agora a enfraquecer. A GM actualmente tem 32 mil trabalhadores com salário horário na China e está a investir US$250 milhões num centro de tecnologia avançada ali. A Ford cortou a sua força de trabalho pela metade apenas nos últimos dez anos. [4]
Enquanto forças objectivas como a competição global e tecnologias de poupança de trabalho contribuem muito para explicar a erosão do emprego de trabalhadores e da classe média nos EUA, forças muito mais sinistras estão também a actuar. Primeiro, comprado com um país como a Alemanha, para tomar um exemplo agudamente contrastante, os EUA não tem restrições significativas sobre a exportação de empregos, incluindo empregos qualificados. [5] Isto é uma opção política, a qual a administração Obama nada fez para desafiar. Segundo, corporações estado-unidenses em massa estabeleceram maneiras pelas quais compensarão executivos de modos que repercutem drasticamente contra o emprego. Nomeadamente, compensação em acções pois uma componente da compensação dos executivos ascendeu de cerca de 45% no princípio da década de 1990 para cerca de 70% no princípio da de 2000. [6] Com o seu pagamento ligado estreitamente ao desempenho das acções e portanto às perspectivas de lucros a curto prazo, os executivos exploraram conscientemente a actual recessão e a baixa de 2000-02 para cortar na força de trabalho. Estudos de lucro e níveis de emprego nos vários sectores económicos demonstraram a conexão muito claramente: onde os lucros estavam piores, as companhias cortavam mais trabalho. [7] Ainda mais interessante: estes mesmos sectores mostram os maiores aumentos na produtividade do trabalho. Não incluindo o sector financeiro, as corporações americanas estão agora entesourando aproximadamente dois milhões de milhões de dólares em cash, 27% mais do que em 2007. O nível de cash em relação a activos da companhia nunca foi tão alto em pelo menos 50 anos, mas não há sinais de contratação de mais empregados. [9]
E assim as ligações tradicinais entre lucratividade e produtividade da força de trabalho, por um lado, e criação de emprego, por outro lado, estão agora muito enfraquecidas. As consequências para o capital humano e a saúde social do país prometem ser bastante sérias, como explicámos> alhures. [10][11] A enorme abundância de cash agora nas mãos das corporações testemunha uma intensificação da tendência. A tendência está a vir à superfície, além disso, por todo o mundo capitalista avançado e também na China, o que pode anunciar uma perturbação significativa para o sistema capitalista como um todo.
Elites em marcha
Enquanto a América corporativa intensifica a sua hegemonia sobre a população trabalhadora, hordas de companhias têm estado a adquirir poder e riqueza sem precedentes no sector da segurança nacional. Como revelou o Washington Post no mês passado numa série de três artigos elaborados ao longo de mais de dois anos por uma equipe de mais de 20 jornalistas, a privatização e a fragmentação das operações de inteligência dos EUA atingiram proporções quase inconcebíveis. A série, "Top Secret America", revela uma enorme constelação de organizações disparadas e fora de controle, tanto em termos de despesas como de coordenação a partir de cima. [12] Alguém pode de modo justificável querer saber se esta constelação está a exercer influência sobre as políticas da administração Obama. Note-se, por exemplo, que a administração estendeu a instalação das forças de Operações Especiais a 75 países (eram 60), instruiu estas forças a "tornarem-se mais agressivas muito mais rapidamente" e aumentou o financiamento das Operações Especiais em quase 6 por cento. [13] O mundo deveria evidentemente preparar-se para a possibilidade de mais agressão dos EUA, especialmente depois de o secretário da Defesa Gates recentemente ter insistido em elevar as despesas relacionadas com combate em 3 por cento ao ano (corrigido da inflação). [14]
O resto do mundo certamente não deveria contar com qualquer reacção interna redireccionando a administração Obama ou o Congresso para trilhas políticas mais razoáveis. Os movimentos de protesto permanecem fracos e só agora começa a ligar as guerras no Iraque e no Afeganistão com a injustiça económica na própria casa. [15] E não haverá qualquer onda de denunciantes a inflamarem a oposição. Sempre atenta à sua crescente vulnerabilidade em muitas frentes, a administração estabeleceu uma linha rígida contra a revelação de malfeitorias no interior do executivo muito antes da fuga dos documentos da guerra afegã na semana passada. [16] Congressistas corruptos também desfrutam de novas medidas de protecção a revelações, graças a uma decisão de Junho do Supremo Tribunal que retira aos promotores federais importantes ferramentas de investigação de casos de corrupção e de fraude envolvendo políticos e homens de negócio. [17]
Entretanto, qualquer que possa ser a história ou o contexto moral do seu enriquecimento, os cidadãos mais ricos dos EUA agora estão ansiosos por perpetuar o seus status através dos chamados "trusts de dinastia" ("dynasty trusts"). Desde os meados da década de 1990 os lobbystas da indústria bancária persuadiram uma dúzia ou mais de estados a revogarem antigas e já consagradas restrições sobre a duração temporal de trusts. O limite costumava ser de 90 anos, mas a nova dinastia de trusts pode funcionar perpetuamente e, mais importante, pode evadir a quase toda tributação quando a riqueza é transferida de geração para geração, na forma de várias espécies de propriedade. [18] O desfecho disto será algo que os americanos supostamente combateram na Guerra Revolucionária: uma aristocracia da riqueza perene.
Notas
(1) Por exemplo, David Kerans, "Obama 2010: Where do you go from a dead end?", Strategic Culture Foundation, June 10th, 2010.
(2) Ver p.ex., David Kerans, "US Capitalism: on a One-Way road to Kleptocracy?", Strategic Culture Foundation, October 1st, 2009.
(3) Para números, ver Ezra Klein, "Abandoning the Long-Term Unemployed", Washington Post, July 17th, 2010
(4) Todos os números são Robert Reich, "The Great Decoupling of Corporate Profits from Jobs", RobertReich.org, .
(5) Para uma boa discussão, ver por exemplo William Greider, Come Home America, Rodale Books, 2009.
(6) Robert J. Gordon, "Revisiting and Rethinking the Business Cycle", American Economic Review: Papers & Proceedings 2010, 100:2, p. 4
(7) Steven Oliner et al., "Explaining a Productive Decade", Brookings Papers on Economic Activity, (1), 2007.
(8) Ibid.
(9) Ver, e.g., Bob Herbert, "A Sin and a Shame", NYTimes.com, July 30th, 2010.
(10) David Kerans, "The Great Recession, Human Capital, and Political Peril in the US", Strategic Culture Foundation, April 21st, 2010, and David Kerans, "Inequality and Social Dysfunction: a definitive verdict?", Strategic Culture Foundation, March 6th, 2010 ( ).
(11) Para alguns números e discussão inteligente de medidas que pudessem reverter a tendência, ver Yves Smith and Rob Parenteau, "Are Profits Hurting Capitalism?", New York Times, July 2nd, 2010.
(12) Top Secret America
(13) Francis Shor, "Imperial Overkill and the Death of U.S. Empire" (Washington, DC: Foreign Policy In Focus, July 27, 2010).
(14) Thom Shanker, "Pentagon Told to Save Billions for Use in War", New York Times, June 3rd, 2010.
(15) A useful overview is Robert Naiman, "Will House Dems Oppose a Jobless War Supplemental", Common Dreams.org, July 23rd, 2010.
(16) Ver, e.g., Glenn Greenwald, "The Motive Behind Whistleblower Prosecutions", Salon.com, July 14th, 2010. (17) Spencer S. Hsu, "Supreme Court Ruling Raises Bar for Corruption, Fraud Prosecutions", Washington Post, July 18-th, 2010.
(18) Para pormenor e discussão, ver Ray D. Madoff, "America Builds an Aristocracy", NYTimes.com, July 9th, 2010
O original encontra-se em: New Dimensions of Decay in US Capitalism
Este artigo encontra-se em: Resistir.info