sábado, 7 de agosto de 2010

ZÉ BRASIL E O SEU ESPELHO

*José Flávio Abelha

No dia em que o Zé Brasil comprar um espelho bem grande, que mostre a pessoa de corpo inteiro e colocá-lo na sua sala principal, onde passam seus familiares, vai haver uma quebra das boas relações familiares, um tumulto interno e, sem dúvida, a família do Zé Brasil nunca mais será a mesma.

Aquele complexo de vira-latas de que nos dizia Nelson Rodrigues tem se dissipado pouco a pouco a partir da Copa de 58. Ele ainda é notado aqui e ali, mas com menor intensidade visto que o Brasil, a partir da Era Lula tem se desenvolvido tanto que o seu crescimento, em todos os setores da vida nacional, vai fazendo desaparecer o complexo de inferioridade que o saudoso jornalista identificou e adjetivou como vira-latas, pior que inferioridade, está bem claro.

Refiro-me ao espelho na residência do Zé Brasil. Seus filhos, alguns, vão passar diante da novidade e levar o maior susto, gritando a plenos pulmões: “mamãe eu já estou muito crescido, estou mais alto do que o vovô; sou homem feito e ainda estou usando calças-curtas. Pareço um moleque e ninguém me avisou. Já sou homem feito e andando com roupa de criança.

Sem dúvida, esses calças-curtas dos filhos do Zé Brasil representam hoje, no conjunto da população nacional, coisa aquém de 20% de gente que insiste em viver na meninice, não querendo crescer, não querendo enxergar a realidade com olhos adultos.

Essa pequena parcela de calças-curtas se nega a ver a realidade adulta do Brasil, do seu progresso milagroso em tão pouco tempo.

Esses meninos se negam a ouvir que as companhias aéreas vão vender passagens nos magazines, nas lotéricas e até nas bancas de jornal. Não querem saber que milhares, milhões de componentes das classes D e C desejam viajar de avião pela primeira vez, e que não há aparelhos suficientes para tamanha procura nem aeroportos preparados para a futura demanda. Quanto aos aeroportos, sejamos honestos, eles estão sabendo, discutindo e falando mal de uma administração que nem oito anos tem, contra quase 50 anos de descaso.

Eles desejam que o governo faça em oito, o que outros não fizeram em cinquenta.

Devagar com o andor, meninada, JK foi um só!

Compram remédios de uso contínuo a preços simbólicos e dizem que o governo nada faz para melhorar a saúde de povo. Universidades são criadas e, dizem, o ensino vai mal.

O Rio São Francisco, o velho Chico, despeja no mar uma quantidade imensa de água por segundo. Deseja-se retirar dessa água jogada fora menos de 5% para irrigar boa parte do nordeste e vem um religioso de sotaina mal cobrindo os joelhos, acompanhado de meninas de mini saias e esses homenzarrões de calças curtas protestar com o argumento mais infantil, se não partisse da infantilidade liderada pelo sacerdote: ninguém vai se aproveitar da água, o velho Chico vai secar e os agronegócios vão prosperar.

Essa meninada não quer ver que, para se plantar em escala industrial, há que se contratar gente, muita gente, muita mão de obra, e que essas pessoas precisam residir perto das plantações.

Desconhecem, ou não querem ficar sabendo que Lagoa Grande é uma cidade no interior de Pernambuco, sede de umas 10 vitiviniculturas, e que outras tantas, dezenas, estão espalhadas nas barrancas do rio que vai secar se dele retirarem uns litros de água. E fazem vista grossa aos inúmeros agronegócios que estão exportando para os EUA, Europa e a nossa América, produtos, os mais sofisticados, esses que os nossos velhos livros de Geografia dos tempos ginasiais diziam não vingarem neste Brasilzão, nem vinhos, nem petróleo (alô Lobato) nem nada!

Alguém ainda se lembra da “batata inglesa”? Só importada, pois!

Tenho a certeza da ausência dos calças-curtas nos estaleiros nacionais, até 2002 sucateados pelo sociólogo de pregou aos quatro ventos a pseudo-verdade de que o Brasil não tinha vocação para a indústria naval. Tome sucata, desemprego em massa, industriais quebrados e até saltando de prédios, diante do desastre generalizado. E essa meninada nega-se saber que hoje os estaleiros estão entupidos de navios brasileiros e de outros países, em construção ou reparos.

Disse sempre o Zé Trololó que não temos fábricas, temos montadoras de navios. Também, eu direi, não temos fábricas de carros, elas são chamadas de montadoras. Ainda bem que os operários, milhões, não sabem a diferença que existe entre fábrica e montadora, e estão empregados; suas famílias comprando bens duráveis e planejando um passeio de vapor até ali em Buenos Aires, tirante o carrinho financiado, filhos com perspectivas de uma vaga nas universidades.

Com a instalação do espelho na casa do Zé Brasil, essa minoria de perversos meninos vai ficar com vergonha dos que usam calças compridas e já assumiram os seus papéis no progresso do país.

Nada de palmadas nos meninos travessos e trapalhões, esses que, nas rodinhas com outros meninotes, ficam falando mal dos grandes, dos que andam de calças compridas, inventando boatos, dizendo que fulano é amigo de traficante colombiano, que fulana é antiga guerrilheira e não merece ser presidente e outras bobagens de meninos ainda de calças-curtas. Se bem reparando, ainda nos cueiros e fazendo xixi nas calças.

Nada de palmadas. Espelhos, sim! Verdades, sim! Progresso, mais!

Que falta faz um bom espelho na casa do Zé Brasil. Depois de outubro ele vai comprar um ou... Mais!

*Mineiro, autor de A MINEIRICE e outros livretes, reside na Restinga de Piratininga/Niterói, onde é Inspector of Ecology da empresa Soares Marinho Ltd. Quando o serviço permite o autor fica na janela vendo a banda passar.