1-3 Novembro 2013, [*] Paul Craig Roberts, Counterpunch
Traduzido por João
Aroldo
Paul Krugman e a poção vudu? |
Os
leitores me perguntam se Paul Krugman estaria
correto quando diz que os déficits não importam, assim como imprimir quantias
infinitas de dinheiro para comprar os instrumentos da dívida do Tesouro que
financiam os déficits.
Se
as pessoas nos EUA e em outros países que possuem dólares e instrumentos
financeiros denominados em dólares não se importam que trilhões de dólares
novos sejam criados para cobrir grandes buracos entre receitas e despesas nos
orçamentos anuais de Washington e para ajudar “bancos grandes demais para
falirem” (orig.: too big to fail),
isto é, se esses portadores de dólares não veem o valor de seus dólares diluído
pelos novos dólares, que aparecem em maior quantidade que novos produtos e
serviços, Krugman está certo.
O
problema para Krugman é que a probabilidade de tal indiferença vai contra a lei
de oferta e demanda. Os economistas, incluindo Krugman, acreditam que se a
oferta cresce mais rápido que a demanda, os preços caem. Então, se há algo
certo em economia, uma oferta excessiva de dólares deve causar uma queda no
valor do dólar.
Uma
queda no valor do dólar pode ocorrer de duas maneiras. A maneira em que a
maioria das pessoas pensa é através da inflação monetária. Um excesso de
dólares procurando produtos escassos leva a um aumento de preços, e cada dólar
compra menos e é, assim, desvalorizado. Contudo, na nossa situação atual, o
excesso de dólares está nos bancos. Como os bancos não estão emprestando, o
excesso de dólares não está chegando na oferta de moeda ou nos preços. Os
bancos estão mantendo grandes reservas para cobrir as demandas que podem surgir
de suas apostas não cobertas em derivativos, e os bancos estão usando uma parte
do dinheiro que o Federal Reserve
forneceu a eles para especularem na bolsa de futuros, levando, assim, os preços
das ações a níveis irreais.
Sede do FED (Federal Reserve) |
A
outra maneira em que o dólar pode perder valor é através da taxa de conversão
em relação a outras moedas.
Investidores
estrangeiros, observando cinco anos de criação de dólares para financiar
déficits do orçamento federal sem um fim à vista, podem chegar à conclusão de
que seus haveres em dólares estão sendo diluídos. Se eles tomarem esta
decisão, eles vão decidir se livrar dos dólares ou reduzir sua exposição ao
dólar americano.
Quando
eles decidirem vender dólares no mercado de câmbio, o valor do dólar em relação
a outras moedas vai cair. Como os EUA são agora um país dependente de
importações, os preços internos vão subir como resultado da desvalorização do
dólar no mercado de câmbio. O surgimento da inflação interna, além do valor de
troca em queda do dólar levaria, se a teoria econômica estiver correta, a uma
grande urgência dos investidores para se livrarem dos dólares.
Em
outras palavras, quando isso começar, é uma espiral descendente.
Aparentemente,
Krugman acredita que o dólar é tão único e maravilhoso, como os EUA, que seu
valor não pode ser prejudicado pelo abuso.
A
questão se déficits do orçamento federal importam ou não é outra questão. Isso
depende da causa do déficit. Alguns leitores zombaram de Krugman e de mim,
dizendo que Krugman parece um economista vudu do lado da oferta da era Reagan
ao dizer que “déficits não importam”. Em outras palavras, Krugman e eu somos
farinha do mesmo saco.
Estes
comentários ilustram o poder da mídia presstitute para incutir
desentendimento. Cá estamos três décadas após Reagan e um grande número de
norte-americanos educados não tem ideia do que foi a Reaganomics [1].
A
economia do economista do lado de oferta não trata de déficits. Sua
característica nova é a elucidação do impacto da política fiscal na oferta
agregada. Para economistas keynesianos do lado da procura, que dominaram a
política econômica norte-americana até a era Reagan, a política fiscal só pode
impactar a demanda agregada. Se o governo dá um corte de impostos às pessoas,
eles gastam mais dinheiro e aumentam a demanda agregada, aumentando, assim, o
emprego. Se as pessoas são atingidas com um aumento de impostos, elas têm menos
dinheiro para gastar, e a inflação cai.
O
que os economistas do lado da oferta disseram é que alguns tipos de política
fiscal, como mudanças nas taxas marginais de imposto (taxas de imposto sobre
lucro adicional), muda os incentivos e, portanto, aumentam ou diminuem a oferta
agregada. (Na economia keynesiana, a oferta é uma resposta passiva à demanda
agregada).
Taxas
marginais de imposto são taxas sobre renda adicional. Em um sistema de imposto de
renda progressivo, as taxas sobem a
renda. As taxas marginais de imposto determinam o preço do lazer em
termos de perda de rendimentos por não trabalhar. As taxas marginais também
determinam o preço do consumo atual em termos de perda de renda futura por não
poupar e investir o dinheiro.
Quanto maior o imposto sobre renda adicional, mais barato são o lazer e o
consumo atual em termos de perda de renda presente e futura. Quanto menor o
imposto sore renda adicional, mais caros são o lazer e o consumo atual. Em
outras palavras, altas taxas de imposto desencorajam a oferta de trabalho, a
oferta de poupança, e o crescimento do PIB.
Paul Samuelson |
A
economia do lado da oferta foi uma importante contribuição à economia. Na 12ª
edição de seu famoso livro, Paul Samuelson, o decano da economia antes de sua
morte, reconheceu o acerto do lado da oferta.
Os
déficits são importantes? Como eu disse, depende da sua causa. Os chamados
“déficits Reagan” eram na verdade déficits do presidente do Federal Reserve, Paul Volcker, porque
Volcker, atolado no pensamento keynesiano, não conseguia entender a política do
lado da oferta. O Tesouro se reunia frequentemente com Volcker. Nós tentamos
ajudar Volcker entender a nova política, masVolcker só podia pensar em cortes
de impostos como um estímulo à demanda, que era a maneira que sua equipe de
conselheiros econômicos também conseguia pensar sobre cortes de impostos.
Paul Volcker |
Consequentemente,
Volcker via a “Reaganomics” como violentamente inflacionária (a inflação
era da ordem de dois dígitos antes de Reagan). Ele pensou que seria culpado por
Reagan pela alta inflação que Volcker pensou que resultaria do que Volcker
achou que era uma política de estímulo keynesiana. Para proteger a si mesmo e
ao Federal Reserve da culpa, Volcker
dramaticamente reduziu o aumento da oferta de dinheiro antes que os cortes de
impostos tivessem efeito. Se o aumento da oferta de dinheiro fosse reduzido, a
política monetária não poderia ser culpada pela inflação que ele pensou que
seria causada pela política fiscal de Reagan.
A
redução do aumento da oferta de dinheiro causou uma recessão. Como a projeção
do orçamento da OMB (orig.: Office of
Management and Budget) não antecipou o súbito colapso da inflação, o PIB
nominal e, portanto, a receita tributária caíram abaixo da projeção. Esta foi a
principal causa dos “déficits de Reagan”.
Já
que os déficits de Reagan foram resultado do colapso não antecipado da inflação
e, portanto, da base tributária nominal, eles não eram problema. Déficits que
resultam do colapso da inflação não podem causar inflação ou desvalorização do
dólar no mercado de câmbio.
Nos
EUA do pós-guerra (pós Segunda Guerra), a maioria dos déficits do orçamento
federal ou piores resultaram do Federal
Reserve causar uma recessão para reduzir a inflação que a gestão da demanda
keynesiana produziu. As altas taxas de impostos da era pós-guerra
desencorajaram e reduziram a resposta da oferta para estimular a demanda
agregada.
Consequentemente,
no lugar de aumento de produção, os preços subiram. Este foi o problema que a
economia do lado da oferta tratou. O problema piorou com o tempo e ficou
conhecido como o agravamento da “curva de Phillips” [2] de trade-off entre
inflação e emprego. No anos Carter, o problema era chamado de “estagflação” e “malaise”
da economia norte-americana. Isso deu esperança ao governo soviético de que a
economia norte-americana também fosse afetada por problemas.
Seria
interessante saber qual seria a resposta de Krugman aos “déficits de Reagan”.
Como
Robert Parry agora em sua quarta década de Guerra contra Reagan, Krugman não
gosta de Reagan. Eu não ficaria surpreso se Krugman escrevesse que os “déficits
de Reagan” são o fim do mundo. Krugman é um democrata, não um republicano,
então os déficits de Reagan são ruins, mas os de Obama não? Outros economistas
parecem ter o mesmo problema.
Talvez
eu não esteja sendo justo com Krugman. O mais provável é que na verdade
Krugman, sendo um liberal à moda antiga, viu os aspectos de distribuição de
renda das altas taxas marginais de imposto como mais importantes que o preço
relativo, aspectos de incentivo que afetavam inflação, emprego e crescimento
econômico. Krugman provavelmente viu a economia do lado da oferta ameaçar o
arranjo da distribuição de renda sem se dar conta que a estagflação – o
problema que os economistas do lado da oferta trataram – era muito mais nociva
à classe trabalhadora que aos ricos.
Krugman
tem uma consciência social pela qual eu o respeito. Tenho confiança de que ele
concordaria comigo que economistas que não têm consciência social fazem mais
mal do que bem. Em minha opinião, Krugman não entende ou percebe a maneira em
que o offshoring de empregos mudou a economia dos EUA, a posição dos
trabalhadores e empregados norte-americanos e a eficácia da política econômica.
Como
eu já expliquei, quando as empresas americanas procuram lucros mais altos às
custas do trabalho Americano pelo offshoring dos empregos que produzem
os bens e serviços que eles vendem aos Americanos, eles separam a força de
trabalho norte-americana das rendas associadas à produção de bens e serviços
que eles consomem. Eventualmente, isso destrói o mercado consumidor. De acordo
com o Census Bureau, a renda media da família norte-americana é 9% menor
do que há doze anos atrás. Isto significa que o que antes era poder de compra
dos consumidores americanos agora é fortuna dos mega ricos.
Políticas
de estímulo keynesianas funcionam quando os empregos que as pessoas perderam
ainda existem. Ao aumentar a demanda agregada de bens e serviços, o estímulo
leva as pessoas de volta ao trabalho. Mas se os empregos foram terceirizados
para outros países, os empregos não existem mais. Nenhuma política de estímulos
pode colocar desempregados em empregos que não existem.
Krugman
não entendeu esse fato básico. Nem a maioria dos economistas. Os economistas
acham que novos e melhores empregos surgiriam no lugar dos que foram
exportados. Contudo, como estou sempre apontando, não há sinal desses empregos
nos dados de emprego.
A
maioria dos economistas acredita que o offshoring de empregos é livre comércio
e o que é livre comércio é benéfico, o que mostra simplesmente sua confusão. O offshoring
de empregos se baseia na vantagem absoluta, a antítese da vantagem comparativa
que é a base do livre comércio.
Como
eu disse antes, muitos economistas são vendidos. Eu não acho que Krugman é um
prostituto. Em minha opinião, Krugman, qualquer que seja sua contribuição à
Economia, simplesmente não entende como o trabalho do Primeiro Mundo foi
desfavorecido por Wall Street e corporações
transnacionais norte-americanas. A
redistribuição para cima da renda real não é só resultado de cortes de
impostos. O maior impacto vem da relocação offshore do trabalho para
países de baixos salários e pela desregulamentação do setor financeiro. A arbitragem trabalhista
converteu os salários americanos em lucros corporativos.
Em
minha opinião as taxas marginais de impostos dos EUA foram adequadas onde
Reagan as deixou. Sua subsequente redução por Bush/Cheney e Obama não são
necessariamente ajustes de política, mas prêmios para os mega ricos que
endossam carreiras políticas e fornecem verbas para departamentos econômicos e think
tanks.
Notas do tradutor
[1] Reaganomics
(um portmanteau de Reagan e economics
atribuido à Paul Harvey) se
refere à política econômica promovida pelo presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, durante a década de 80. Os
quatro pilares da política econômica de Reagen eram:
1. Reduzir gastos do governo,
2. Reduzir impostos sobre renda e
ganhos de capital,
3. Reduzir regulação da economia
pelo governo,
4. Controlar a oferta de dinheiro
para reduzir inflação.
Em sua intenção declarada de cortar os gastos domésticos
enquanto reduzia as taxas, a abordagem de Reagan divergiu de seus predecessores
imediatos. Embora seus registros ainda sejam debatidos, Reagan obteve sucesso
com alíquotas baixas em conjunto com impostos sobre renda simplificados, e
desregularização continuada. Entretanto, os gastos do governo e os déficits
subiram durante sua administração.
[2] Em macroeconomia, a curva de Phillips
representa uma relação de trade-off entre inflação e desemprego, que permite analisar a relação
entre ambos, no curto prazo. Segundo esta teoria, desenvolvida pelo economista
neozelandês Willian Phillips,
uma menor taxa de desemprego leva a um aumento da inflação, e uma maior taxa de
desemprego a uma menor inflação. Contudo, esta relação não é válida no longo
prazo, uma vez que a taxa de desemprego é basicamente independente da taxa de
inflação conforme outras variáveis vão se alterando.
_______________________________
[*] Paul Craig
Roberts
(nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como
secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado
como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e colunista do Wall
Street Journal, Business Week e Scripps Howard News Service. Testemunhou
perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política
econômica.
Durante o século
XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch,
escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde
Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a
proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como
habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes
de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra
contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os
palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia
e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley
e na
Faculdade de Merton, Oxford University.
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