6/10/2013,
Nikolai MALISHEVSKI, Strategic Culture
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Khalid bin Ahmed al-Khalifa |
Há poucos
dias, o Ministro de Relações Exteriores do Bahrain, Khalid bin Ahmed
al-Khalifa, exigiu o assassinato
do Secretário-Geral do Hezbollah, xeique Hassan Nasrallah, dizendo que
livrar o Líbano de Nasrallah seria “dever nacional e religioso”. [1] A causa da declaração é que o governo do
reino-ilha já perdeu completamente o controle sobre a maioria xiita de sua
população, que é simpática ao Hezbollah e tende na direção do Irã xiita. Na
primavera passada, o Bahrain tornou-se o primeiro país árabe cujo gabinete de
ministros incluiu o Hezbollah, que está dando amplo apoio ao governo de Bashar
al-Assad, em sua lista de organizações terroristas.
A agitação
entre os xiitas, nas quais muitos veem “a mão de Teerã”, não se tem limitado ao
Bahrain. O fator xiita é extremamente preocupante também para os sauditas, para
o governo
do Iraque e para o governo libanês.
Hassan Nasrallah |
Ao mesmo
tempo, o Bahrain e outros aliados dos EUA no Oriente Médio – Israel, Arábia
Saudita e os Emirados Árabes Unidos – têm manifestado grave preocupação com o
que veem como uma reaproximação
entre EUA e Irã.
Outra das
razões para essas preocupações tem a ver com algo que o rei Fahd saudita
anunciou ao mundo em meados dos anos 1980s: “A santa jihad é revolução sem limites, como o comunismo”.
Desde os anos 1970s e até recentemente, os sauditas, inflados pelo apoio de
Washington, acreditavam que estivessem, como sunitas devotos, do “lado mais
forte” dessa jihad e que lideravam os muçulmanos do mundo para
uma nova ordem mundial. Mas, depois da Revolução Iraniana de 1979, surgiu outro
aspirante ao papel de líder no mundo do Islã – e esse não era controlado pelos
EUA.
Exposição da Sociedade Hojjatieh em Mashhad, Irã |
O Irã tem
suas organizações globalistas unidas em organizações influentes, como a Sociedade
Hojjatieh – uma “mão invisível” na Revolução Iraniana na qual se
reuniam os clérigos conservadores, diplomatas, militares, altos funcionários do
governo, pessoal de inteligência, empresários, comerciantes e tecnocratas. Sua
esfera de influência é muito ampla, de bancos e alto comércio a venda de armas
e embarque de moderno equipamento eletrônico. Além disso, a Sociedade Hojjatieh
(um de seus representantes no governo foi o ex-presidente
Mahmud Ahmadinejad) apoia ativamente o lobby iraniano nos EUA.
Aiatolá Yazdi e Ahmadinejad, membros da Sociedade Hojjatieh |
Os líderes da Sociedade
fazem tudo que podem para que o Irã expanda suas conexões políticas também com
a Europa, sobretudo com a Grã-Bretanha, onde a Sociedade mantém laços estreitos
com organizações da elite britânica como a Astrum Argentum [2] e a Ordem do Golden Dawn in the Outer, as quais têm conexões de longo alcance
com círculos políticos e intelectuais ocidentais.
Aiatolá Khomeini |
O fato de
a Grã-Bretanha estar advogando o fim das limitações que os EUA impuseram a
contatos com o Irã prova o quanto são consideráveis os laços não oficiais entre
iranianos e europeus. Nas pegadas de Londres já vêm também Berlin e Paris, de
onde, uma vez, o Aiatolá Khomeini partiu triunfante, rumo a Teerã, para iniciar
sua revolução. Por isso, alguns membros de vários governos dos EUA há muito
tempo chamam Grã-Bretanha, França e Alemanha de “a troika de Teerã”.
Alguns
representantes do establishment da República Islâmica do Irã [ing. Islamic Republic of Iran, IRI]
jamais esconderam seus objetivos globalistas. Praticamente no mesmo momento em
que o rei saudita enunciava sua tese sobre a “santa jihad” e o comunismo, um candidato à
presidência do Irã, Jaleleddin Farsi, dizia que considerava como prioridade
converter a revolução islâmica iraniana em revolução islâmica mundial. O
primeiro passo nessa via seria uma revolução islâmica no Afeganistão sunita; o
segundo seria o início de uma “verdadeira revolução islâmica mundial”, que
seria “mais poderosa que a Revolução Francesa e todas as revoluções que a
precederam”. E, finalmente, o terceiro passo seria uma revolução islâmica na
Ásia Central.
Hoje já
praticamente ninguém lembra que houve tempo em que a ação militar contra a
Rússia no Afeganistão foi apoiada não só pelos EUA e pela Arábia Saudita, mas
também pela República Islâmica do Irã. Parte da elite iraniana desenvolveu uma
estratégia de longo prazo para preparar e exportar a revolução islâmica global.
O primeiro experimento bem-sucedido nessa área foi o Líbano, onde, em 1982, o
movimento do Hezbollah (Partido de Deus) foi criado pelos iranianos e
declarou-se em jihad contra
Israel e o ocidente.
Hoje, o
Hezbollah, que opera efetivamente no Bahrain e em todo o Oriente Médio, tem
milhares de apoiadores em vários países, inclusive em países da União Europeia
e nos EUA onde, conforme dados do FBI, mantém células em mais de dez cidades.
Além do Hezbollah, há inúmeras organizações revolucionárias islâmicas em
operação em regiões do Oriente Médio e da Ásia Central, que são intimamente
ligadas a seitas míticas do Islã xiita. Por exemplo, a Sociedade Roshaniya
(“Clarividentes”), surgida na Idade Média e que operou no território do Irã, do
Afeganistão, do Paquistão e da Caxemira indiana modernos (o seu mais recente
análogo europeu são os Illuminati, o braço revolucionário da Maçonaria). Um dos
principais dogmas dessa sociedade é a abolição dos governos nacionais e o
estabelecimento de uma supersociedade mundial.
Aga Khan IV |
Outra
sociedade secreta conectada à Roshaniya, inclusive no nível ideológico, é a
Ordem Xiita dos Hashishinos [de hashish (árabe), raiz etimológica das palavras
(port.) “assassino” e “haxixe” (NTs)], ou Nizari Ismailis, que se formou
no Irã e aterrorizou todo o Oriente. Sua principal arma eram agentes treinados
para o suicídio e o uso controlado de drogas. Atualmente, o imã dos Ismailitas
é Aga Khan IV, um dos
principais representantes oficiais na ONU dos interesses da Grã-Bretanha,
favorito da família real britânica e uma das maiores fortunas do planeta. [3] Ao
mesmo tempo, é imã de um ramo do Islã que, nos idiomas europeus, converteu-se
em sinônimo de assassinos de aluguel, além de ser figura chave de um dos
maiores casos da política contemporânea, o “caso Irã-Contras”; do financiamento
aos partidos de mujahideens no Afeganistão; do movimento
pró-independência da Caxemira, pró-Grã-Bretanha etc..
Dentre os
ensinamentos dessas organizações, há a crença de que o poder da irmandade
torna-se maior cada vez que incorpora o espírito de um dos irmãos mortos.
Quanto mais irrepreensivelmente crente fiel for o mártir, mais poder ele
transfere para sua irmandade. Hoje, os hashishinos medievais “reincarnaram” em shahids [ar. “testemunhas”] suicidas que, sob a
forma que têm hoje, apareceram num tempo relativamente recente no mundo
islâmico. Em escala massiva, surgiram durante a guerra Irã-Iraque, quando o Irã
usou soldados suicidas que se lançavam com explosivos sob tanques iraquianos;
em escala individual, apareceram em outubro de 1983, quando o Hezbollah assumiu
publicamente a responsabilidade por um ataque de suicida-bomba que matou mais
de 300 soldados e pessoal militar dos EUA e França.
Jihadistas da al-Qaeda |
Essas
organizações para-xiitas, ou quase-xiitas, formam uma rede transnacional. É
perfeitamente possível que ela se converta em alternativa à rede transnacional
terrorista de sociedades para-sunitas, ou quase-sunitas, como a Fraternidade
Muçulmana e a al-Qaeda – as duas criadas pela anglosfera [os
anglo-saxões; países de língua inglesa (NTs)]. Apesar de terem objetivos
semelhantes, a principal diferença entre as duas redes é que a base dos métodos
dos xiitas é a disposição ao autossacrifício pelo qual o mártir liberta-se do
poder de autoridades mundanas; e a base dos métodos dos sunitas é uma espécie
de impulso canibal para sacrificar qualquer um em nome da liberdade para
continuarem a fazer o que desejem fazer ao resto da humanidade.
Hoje, ante
a crescente atividade que se vê entre agentes do fator xiita no Oriente Médio;
consideradas a resistência
dos sírios e a próxima saída dos norte-americanos do Afeganistão; e
considerados os cada dia mais graves problemas
internos nos EUA e na Arábia Saudita, os monarcas do Golfo e os EUA
estão, sim, gravemente preocupados. Todos esses temem, hoje, sobretudo, duas
coisas:
a) que venham a perder o
controle sobre as organizações pan-islâmicas sunitas radicais que rejeitam
qualquer ideologia de estado nacional em países muçulmanos, em nome da unidade
global da Ummah [comunidade
mundial dos muçulmanos]; e
b) a promoção do Irã e dos
xiitas, como um todo, para os papéis chaves no segmento islâmico da
globalização; e o fim do controle de Washington sobre esse segmento, no caso de
os EUA não encontrarem meio para influenciar o processo.
Só isso
explica os recentes eventos no Bahrain e no Iraque; o apoio
aberto dos EUA à al-Qaeda na Síria; a
ameaça de ataque contra o Hezbollah no Líbano; e o diálogo entre Washington e
Teerã, que tanto alarmou aliados dos EUA no Oriente Médio.
Notas de rodapé
[1] Ver também 28/9/2013, Asia
Times Online - redecastorphoto (port.) em: Pepe
Escobar:“Como os EUA estão criando o Siriastão”. [NTs].
[2] “Estrela
de Prata”. Esta organização com esse nome
mantém página em português do Brasil.
[3] Sobre ele, ver New
York Times, 2/7/2007, “Islã
e negócios se misturam?” (ing.) [NTs].
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