sábado, 30 de novembro de 2013

Javad Zarif: “Nossos vizinhos são nossa prioridade”

21/11/2013, [*] Mohammad Javad Zarif, Asharq Al-Awsat, Londres
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Mohammad Javad Zarif, Ministro de Relações Exteriores do Irã
Nas últimas semanas, a República Islâmica do Irã e o P5+1 dedicaram-se a dar bom uso à rara janela de oportunidades gerada pelas eleições presidenciais no Irã, no verão passado, para resolver a questão nuclear, que lançou desnecessária sombra de insegurança e crise sobre a região. Enquanto a maioria da comunidade internacional saúda esse desenvolvimento positivo, alguns de nossos amigos cá na nossa vizinhança próxima manifestaram preocupações de que a atual oportunidade pudesse ser usada contra os interesses deles.

Lamentavelmente, há uma mentalidade de soma-zero [só há vitória, se um lado ganha tudo e o outro perde tudo (NTs)] ainda prevalente na nossa região e em todo o mundo, e há quem se tenha habituado a extrair vantagens da hostilidade contra o Irã, para promover interesses exclusivos. Ainda assim, quero reiterar que a República Islâmica do Irã não alimenta nenhuma dessas fantasias. Reconhecemos que não podemos promover interesses nossos, à custa de outros. É o caso, especialmente, na relação com vizinhos tão próximos que a segurança e a estabilidade deles estão entretecidas com as nossas.

Assim sendo, não obstante o foco em nossas interações com o Ocidente, a realidade é que a prioridade básica de nossa política externa é nossa região.

Raras coisas são constantes na política internacional, mas uma delas é a geografia. Um país não pode trocar de vizinhos. No nosso mundo interconectado, o destino de uma nação está atado aos destinos dos vizinhos. O corpo de água que nos separa de nossos vizinhos do sul não é apenas estrada d’água – é também nossa linha partilhada de sobrevivência. Todos dependemos dela, não só para sobreviver, mas para prosperar. Com nossos destinos tão apertadamente atados, a crença de que seria possível promover interesses de um, sem considerar os interesses dos outros, é delírio.

Como o evidencia o torvelinho em nossa região, nenhum país é uma ilha. Não se pode perseguir a prosperidade à custa da miséria dos outros, nem se pode alcançar segurança, à custa da segurança dos outros. Ou venceremos juntos, ou perderemos juntos. Somos capazes de trabalhar juntos, confiando uns nos outros, combinando nosso potencial e construindo região mais segura e mais próspera.

É triste, mas o modelo de segurança e estabilidade que até agora tem sido imposto à nossa região veio baseado na competição, na rivalidade, na formação de blocos concorrentes. O único resultado foi o surgimento de novos desequilíbrios e a emergência de ambições não realizadas ou jamais expostas com clareza, que repetidamente ameaçaram a região ao longo das passadas três décadas.

Assim sendo, como podemos andar adiante?

Temos de demarcar áreas de interesses comuns e objetivos partilhados. Em seguida, temos de descobrir métodos cooperativos para alcançar e manter aqueles objetivos.

Há muito mais a nos unir, que a nos separar. Temos de avaliar sobriamente o fato de que temos interesses comuns e vivemos sob ameaças que nos ameaçam também todos, e que temos de lidar com desafios comuns e podemos fazer bom uso de oportunidades comuns. Numa palavra, temos um destino comum.

Irã, suas províncias e seus vizinhos de fronteira
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Temos todo o interesse em prevenir tensões na nossa região, em derrotar o extremismo e o terrorismo, em promover a harmonia em várias seitas islâmicas, em preservar nossa integridade territorial, em proteger nossa independência política, em assegurar o livre fluxo do petróleo, em proteger o meio ambiente que todos partilhamos. Esses são imperativos absolutos de nossa segurança comum e de nosso desenvolvimento comum.

Para reverter o ciclo vicioso da suspeita e da desconfiança e andar avante – para construir confiança e unir forças para construir um futuro melhor, mais seguro e mais próspero para nossos filhos – é imperativo que todos mantenhamos em mente três pontos.

Primeiro, é crucial que construamos um contexto inclusivo de confiança e cooperação, nessa região estratégica. Qualquer exclusão será a semente de desconfianças, tensões e crises futuras. Mas o núcleo de qualquer arranjo regional mais amplo que virá tem de começar pelos oito estados do litoral. A inclusão de outros estados trará outras questões muito complexas, que encobrirão os problemas imediatos dessa região e complicarão ainda mais a natureza já complexa da segurança e da cooperação entre nós.

Naturalmente, há preocupações legítimas sobre desequilíbrios e assimetrias potenciais que surgirão dentro de um novo sistema. Preocupações sobre a dominação ou a imposição de ideias de um único país ou grupo de países têm de ser levadas em consideração e receber atenção. Para conseguir um sistema inclusivo baseado em respeito mútuo e no princípio da não interferência, temos de conceber arranjos e acordos sob o manto da ONU. O indispensável contexto institucional já está dado, na Resolução n. 598 do Conselho de Segurança, que pôs fim à desgraçada guerra imposta por Saddam Hussein contra o Iraque, o Irã e toda a região.

Em segundo lugar, temos de ter claro que, por mais que nossa cooperação não se vá fazer à custa de qualquer outra parte e por mais que ela promova maior segurança para todos, sabemos muito bem da variedade de interesses envolvidos cá em nossa região.

A via d’água que nos divide é vital para o mundo, mas a fonte de sua importância não é idêntica para todos os atores.

Para nós, os estados litorais, ela é nossa linha de sobrevivência. Para os que dependem de nós como principais fornecedores da energia da qual carecem, aquela via d’água é elemento crucial para o bem-estar deles, econômico e industrial.

Diferente disso, para os que não dependem dos nossos recursos energéticos, nossa região não passa de importante palco para que estendam seu controle sobre a arena política internacional, e na competição econômica internacional.

Assim sendo, temos de ter em mente que há uma diferença qualitativa entre os interesses dos vários atores envolvidos. Com isso em mente, temos de agir adequadamente.

Em terceiro lugar, o elemento internacional da instabilidade em nossa região brota da divergência na natureza dos interesses das várias potências externas à região e da competição entre elas. A injeção, por elas, de questões alienadas de nós, só complica ainda mais uma situação de segurança já por si muito complexa.

Não podemos esquecer que o principal interesse desses atores externos pode não ser a estabilidade, mas, sim, pode depender de qualquer coisa que justifique a presença deles entre nós. A presença de forças externas tem resultado, historicamente, em instabilidade doméstica dentro dos países que as hospedem e tem exacerbado tensões existentes entre esses países e outros estados regionais.

Estou convencido de que há vontade genuína de discutir esses desafios comuns. São enormes os desafios e as oportunidades que temos pela frente. Vão da degradação ambiental, a tensões sectárias; do extremismo e do terrorismo, ao desarmamento e o controle sobre armas; e vão do turismo e da cooperação econômica e cultural, à construção de confiança e à implantação de medidas que aumentem a segurança. Temos de nos concentrar em iniciar diálogo que resulte em passos práticos, que se expandam gradualmente.

O Irã, conforme ao seu tamanho, à sua geografia e aos seus recursos humanos e naturais, e no usufruto de laços comuns de religião, história e cultura com seus vizinhos, jamais atacou alguém, em quase 300 anos. Estendemos nossa mão em amizade e solidariedade islâmica aos nossos vizinhos, assegurando que podem contar conosco como parceiro confiável.

Nas recentes eleições presidenciais no Irã, que foram manifestação justamente orgulhosa da capacidade do modelo islâmico de democracia para promover mudanças pelas urnas, o meu governo recebeu forte mandato popular para engajar-se em interação construtiva com o mundo, e particularmente com nossos vizinhos. Estamos dedicados a fazer uso desse mandato para instigar mudança para o melhor. Mas não podemos fazê-lo sozinhos. Agora, mais que nunca, é hora de unir as mãos e trabalhar juntos para garantir melhor destino para nós todos; um destino baseado nos nobres princípios do respeito mútuo e da não interferência. Estamos dando os primeiros passos rumo a esse objetivo. Esperamos que se unam a nós nesse caminho difícil, mas recompensador.
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[*] Mohammad Javad Zarif Khansari, atual Ministro de Relações Exteriores do Irã, nasceu em 7 de janeiro de 1960; é um diplomata iraniano e político. Ocupou vários cargos diplomáticos e de gabinete desde os anos 1990. Também é professor associado da University of International Relations de Teerã, ensinando diplomacia e o funcionamento das organizações internacionais. Foi representante permanente do Irã nas Nações Unidas de 2002 até 2007. Ocupou outros cargos nacionais e internacionais, tais como: conselheiro e assessor do ministro das Relações Exteriores, foi vice-ministro das Relações Exteriores em assuntos legais e internacionais, membro destacado do Dialogue Among Civilizations, Chefe do Comitê da ONU para o Desarmamento; é considerado personalidade proeminente da Governança Global e Professor Associado em Relações Internacionais da Universidade Islâmica Azad.


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