5/11/2013, Mike Whitney, Counterpunch
Traduzido
por João Aroldo
[*] Paul Craig Roberts acha que o Fed está em uma sinuca de bico.
Uma alta nas taxas de juros poderia fortalecer o dólar, dar uma nova vida ao
dólar como moeda de reserva internacional e parar o movimento para o ouro, mas
uma alta nos juros poderia derrubar os mercados de ações e títulos além de
reduzir o valor dos derivativos nos balanços dos bancos. Eu perguntei ao Dr.
Roberts se o Fed sacrificaria o dólar para salvar os bancos e que efeito
isso teria no poder de Washington em relação ao resto do mundo. Suas respostas
a estas três questões sugerem que os dias de hegemonia financeira e liderança
mundial de Washington estão contados.
Paul Craig Roberts |
A entrevista:
Mike Whitney: O dólar corre risco de perder sua
posição como moeda de reserva? Como esta perda afetaria a liderança dos EUA e
outros países?
Paul
Craig Roberts: De certa maneira o
dólar já perdeu seu status de moeda de reserva, mas este acontecimento ainda
não foi oficialmente percebido; tampouco atingiu os mercados cambiais.
Considere que os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)
anunciaram sua intenção de abandonar o uso do dólar americano para o acerto de
desequilíbrios comerciais entre eles e, em vez disso, acertarem suas contas em
suas próprias moedas. (Há agora um website,
o BRICSPOST, que informa sobre as relações em desenvolvimento
entre os cinco grandes países).
Também
há relatos de que Austrália e China e Japão e China vão acertar suas contas
comerciais sem recorrer ao dólar.
Explicações
diferentes são dadas. Os BRICS dão a entender que eles estão cansados da
hegemonia financeira dos EUA e têm preocupações sobre a estabilidade do dólar
em vista da excessiva emissão de nova dívida e novo dinheiro para financiá-la.
China,
Austrália e Japão citaram a anulação das taxas de transação associadas à
conversão de suas moedas, primeiro para o dólar e depois para outras moedas.
Eles dizem que é um passo de redução de custos para reduzir os custos de
transação. Isto pode ser um disfarce diplomático para descartar o dólar.
O shutdown parcial do governo norte-americano de outubro de 2013 e a ameaça (exagerada) de calote da dívida resultaram nos acordos de swap cambiais sem precedentes entre o banco central chinês e o banco central europeu e entre o banco central chinês e o Banco da Inglaterra. A razão dada para estes swaps foi precaução necessária contra perturbações do dólar. Em outras palavras, a instabilidade norte-americana foi vista como uma ameaça ao sistema de pagamento internacional.
O
papel de moeda de reserva do dólar não é compatível com a visão de que devem
ser tomadas precauções contra o possível colapso ou queda do dólar.
O
pedido
chinês de um “mundo
des-Americanizado” é um sinal claro da crescente impaciência com a
irresponsabilidade de Washington.
Resumindo,
houve uma mudança de atitude em relação ao dólar e à aceitação da hegemonia
financeira norte-americana.
Como
a crise do déficit e do teto da dívida de outubro não foi resolvida,
simplesmente transferida para janeiro/fevereiro de 2014, uma repetição do
impasse de outubro vai corroer ainda mais a confiança no dólar.
Independente
disso, muitos países chegaram à conclusão de que não só os EUA abusaram do seu
papel de moeda de reserva, mas também de que o poder de Washington impor sua
vontade e de agir fora da lei provem de sua hegemonia financeira e de que é
mais difícil de resistir a esse poder financeiro do que ao poderio militar de
Washington.
Enquanto
o mundo, incluindo aliados norte-americanos, deixava claro enfrentando
Washington e bloqueando o ataque militar de Washington à Síria, os dias de
hegemonia incontestável de Washington acabaram.
Na
China, Rússia, Europa e América do Sul estão se erguendo vozes contra a
ilegalidade e irresponsabilidade de Washington. Esta mudança de atitude em
relação aos EUA vai quebrar o sistema de imperialismo do dólar.
Mike Whitney: Como o afrouxo monetário (orig.: Quantitative
Easing) do Federal Reserve está impactando o dólar e os instrumentos
financeiros?
Paul
Craig Roberts: A política do Federal
Reserve de criar grandes quantias de novo dinheiro para ajudar os balanços
de bancos grandes demais para falir (orig.: banks too big to fail) e
para financiar orçamentos continuamente deficitários é outro fator minando o
papel de moeda de reserva do dólar. A liquidez que o Federal Reserve
injetou no sistema financeiro criou bolhas enormes nos mercados de títulos e
ações. Os preços de títulos do Tesouro Americano estão tão altos que são incompatíveis
com o balanço do Federal Reserve e a criação em massa de novos dólares.
Além disso, os bancos centrais e alguns investidores perceberam que o Federal Reserve está preso na política de apoio aos preços dos títulos.
Se
o Federal Reserve parar apoiar os preços dos títulos, as taxas de juros
vão subir, os preços de derivativos ligados a dívidas nos balanços dos bancos
vão cair e os mercados de ações e de títulos entrariam em colapso. Portanto,
uma redução gradual (orig.: tapering off) do afrouxo quantitativo (QE)
arrisca um pânico financeiro.
Por
outro lado, continuar a política de apoiar os preços de títulos corrói ainda
mais a confiança no dólar.
Grandes
quantias de dólares e instrumentos financeiros denominados em dólares são
mantidos por todo o mundo. Os detentores de dólares estão vendo o Federal
Reserve diluir seus haveres ao criar um trilhão de dólares novos por ano. O
resultado natural dessa experiência é aliviar as reservas em dólar e procurar
outras maneiras de manter reservas.
O
Federal Reserve pode imprimir dinheiro para comprar os títulos, mas não
pode imprimir moedas estrangeiras para comprar dólares. Como as preocupações
quanto ao dólar aumentam, o valor cambial do dólar cai, já que mais dólares são
vendidos nos mercados de câmbio. Como os EUA são dependentes de importações,
isso se traduz em preços internos mais altos. A inflação em alta vai assustar
mais ainda os detentores de dólares.
De
acordo com relatos recentes, a China e o Japão reduziram suas reservas de
Títulos do Tesouro Americano em 40 bilhões de dólares. Isto não é uma grande
quantia comparada ao tamanho do mercado, mas é uma mudança do acúmulo
constante.
No
passado, Washington foi capaz de contar com a China e o Japão reciclando seus
superávits comerciais com os EUA em títulos do Tesouro Americano. Se a
disposição estrangeira para adquirir a dívida do Tesouro diminuir, mas o
déficit do orçamento federal não, o Federal Reserve vai ter que aumentar o
afrouxo monetário (QE), colocando, assim, mais pressão sobre o dólar.
Em
outras palavras, para evitar uma crise imediata, o Federal Reserve tem
que continuar com uma política que vai produzir uma crise em algum momento. Ou
uma crise financeira agora ou uma crise do dólar mais tarde.
Eventualmente,
o Federal Reserve vai forçar a mão. Como o valor cambial está caindo,
também vai cair o valor de instrumentos financeiros denominados em dólar, independentemente de
quantos títulos o Federal Reserve compre.
Mike Whitney: Como a China vai responder à mudança da posição
econômica Americana?
Paul
Craig Roberts: Quando me encontrei
com legisladores chineses em 2006, eu os aconselhei de que havia um limite de
tempo em que eles poderiam contar com o mercado consumidor dos EUA, já que o offshoring
de empregos o estava destruindo. Eu apontei que a grande população da China
proporcionava potencial para uma enorme economia aos legisladores. Eles
responderam que a política de um filho, que foi necessária há alguns anos para
evitar que a população ultrapassasse a infraestrutura social, estava impedindo
o desenvolvimento de uma economia de consumo interna.
Como
os camponeses não podiam mais contar com vários filhos para garantir o sustento
na velhice, eles economizaram seus ganhos. Os legisladores chineses disseram
que eles queriam desenvolver um sistema de previdência social que daria
confiança à população para gastar mais seu rendimento. Eu não sei até onde a
China foi nessa direção.
Desde
2006 o governo chinês deixou o Yuan
se valorizar em 25% ou 33%, dependendo da escolha de base. O aumento no valor
cambial da moeda não prejudicou as exportações ou a economia. Além disso, os
EUA não produziram mais muitos dos itens dos quais depende da China; e outros
países em desenvolvimento não têm a combinação de tecnologia que as empresas
americanas têm para darem à China e seu grande excesso de mão de obra. Então, é
improvável que a China enfrente qualquer ameaça a seu desenvolvimento, exceto
por políticas norte-americanas com o intuito de impedir o acesso da China a
recursos, como o novo foco das forças militares dos EUA no Pacífico anunciada
pelo regime Obama.
As
grandes reservas de dólares da China são consequência da proeza tecnológica que
a China adquiriu do offshoring de empregos das corporações ocidentais. O
que é importante para a China é a tecnologia e o know-how comercial, que
eles adquiriram agora.
A
riqueza de papel representada pelas reservas em dólar não é o fator importante.
A
China poderia desestabilizar o dólar Americano convertendo suas reservas em
dólar e despejando o dólar nos mercados de câmbio. O Federal Reserve não
seria capaz de manter swaps cambiais com países grandes o suficiente para
comprar os dólares despejados e o valor cambial do dólar cairia. Tal ação
poderia ser uma resposta chinesa a um cerco militar de Washington.
Na
falta de um confronto, o governo chinês deve provavelmente converter seus
dólares em ouro, em outras moedas e ativos reais, como petróleo, minérios e
alimento.
O
afrouxo monetário está rapidamente aumentando o fornecimento de dólares, mas
como outros países mudam para outros arranjos para acertar seus desequilíbrios
comerciais, a demanda por dólares não está aumentando com a oferta. Portanto, o
valor do dólar deve cair. Se essa queda é lenta ou abrupta, devido a um evento
do Cisne Negro [1],
resta saber.
Nota dos tradutores
[1] “Cisne Negro”
é um evento ou ocorrência fora do comum que é extremamente difícil de prever. O
termo foi popularizado por Nassim Nicholas Taleb, um economista e investidor de
Wall Street.
_________________
[*] Paul Craig
Roberts (nascido em 03 de
abril de 1939) é um economista norte-americano,
colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do
Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e
colunista do Wall Street Journal, Business Week e Scripps Howard News Service. Testemunhou perante comissões do Congresso em 30
ocasiões em questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem
frequentemente publicado em Counterpunch,
escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde
Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a
proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado
posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as
drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel
contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.