sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Pepe Escobar: Os B-52s cantam “Pivô rumo à Ásia”

28/11/2013, [*] Pepe Escobar, Russia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Fortaleza voadora Boeing B-52, bombardeiro estratégico da Força Aérea dos EUA (Foto: Tim Chong)
Então, um par de bombardeiros norte-americanos B-52 fizeram uma excursão até o Mar do Leste da China, sobrevoando aquelas ilhas rochosas que a China chama de Diaoyu e o Japão, de Senkakus – cercadas por uma fabulosa riqueza de gás e petróleo ainda por explorar.

Os B-52s gêmeos decolaram de uma base dos EUA em Guam e invadiram a Zona Aérea de Identificação de Defesa (ZAID) da China [orig. Air Defense Identification Zone (ADIZ)], poucos dias depois de a Zona ter sido declarada.

Zona Aérea de Identificação de Defesa (ZAID) da China

Ocultado na bruma do “excepcionalismo” de rotina, ficou o fato de que ambos, EUA (em 1950) e o Japão (em 1969), para nem falar de Rússia, Indonésia e outros países, também demarcaram suas respectivas Zonas Aéreas de Identificação de Defesa (ZAIDs) – o que, na essência significa que os aviões em entrem naquele específico espaço aéreo têm de identificar-se.

Carolyn Kennedy
Previsivelmente, a reação de Washington/Wall Street ao show dos B-52 foram muitos vivas à “causa da segurança global” contra “ações militares chinesas crescentemente agressivas”, “temeridade de Pequim”, “graves violações da lei internacional”, “ameaça à liberdade de navegação” e evidente “tentativa de agressão”.

Até a embaixadora dos EUA no Japão, Carolyn Kennedy, saiu das sombras para acusar a China de “escalar as tensões”.

Bobagens. O Pentágono – pelo secretário de Defesa Chuck Hagel – e o Departamento de Estado – via o secretário John Kerry – entregaram o joguinho, quando ambos condenaram a Zona Aérea de Identificação de Defesa (ZAID) chinesa como tentativa de mudar “pela força” o “status quo” das Senkakus.

Pior: Washington insiste que Pequim estaria tentando “controlar” uma imensa área do Pacífico Ocidental, a qual, claro, são águas prometidas que Deus deu aos EUA. Assim sendo, Washington tinha de “mandar um recado”. Se não, o movimento de “pivô para a Ásia” do presidente Obama ficaria congelado, de vez, num oceano de incredibilidade.

Chuck Hagel
Quer dizer, pois, em resumo: mais uma vez ficou provado que a pivotagem “para a Ásia” é estratégia militar fundamental para “conter” a China, item da doutrina de Dominação de Pleno Espectro do Pentágono, que tem sido a Bíblia militar dos EUA desde 2002. E que ninguém esqueça: a tal pivotagem foi oficialmente anunciada por Obama, no Pentágono.

Vai ter volta

A Força Aérea dos EUA insiste que os B-52s estavam desarmados e que tudo foi feito “sem comunicação” com os chineses. Implica que os chineses teriam obrigação de adivinhar, só de olhar pela janela, que os B-52s não eram letais. O Ministério de Defesa da China confirmou, é claro, que “monitorou” todo o voo dos B-52s.

Zona Aérea de Identificação de Defesa (ZAID) é, na essência, uma área de presença notificada. Até Taiwan – que não é exatamente líder de torcida organizada de Pequim – já disse oficialmente que a ZAID da China é pacífica. E as ilhas, de fato, são mais próximas de Taiwan do que do Japão ou da China. De onde se tem de concluir, necessariamente, que a aventura dos B-52 foi planejada, completamente, como provocação.

John Kerry
Mas imagine que Pequim tivesse decidido interceptar os B-52s, depois do que os EUA despachariam seus jatos de combate das bases japonesas. A aventura dos B-52 poderia dar letalmente errado.

A provocação, além do mais, zomba da tal “lei internacional” que Washington tanto respeita e preza. Agora, já nada impede que China ou Rússia, por exemplo, mandem seus próprios bombardeiros nucleares invadir a ZAID do Japão.

A imprensa chinesa acusou os EUA e o Japão de exagero na reação, destacando que a China tem o mesmo direito que qualquer país de impor sua própria ZAID, e que a ZAID chinesa não visa “nenhum país específico”.

O que torna tudo ainda mais absurdo, é que China e Japão assinaram, em 2008, um acordo de cooperação para o desenvolvimento conjunto do Mar do Leste da China. Ainda não gerou nada de concreto.

Ilhas Diaoyu e Senkaku 
Há também um fator crucial, que Pequim não pode admitir publicamente. Baseados em textos antigos, os chineses afirmam que as ilhas foram território chinês desde “tempos imemoriais”, até serem capturadas pelos japoneses em 1895. Com isso, despertaram novamente aqueles tempos de ódio nacionalista mútuo, que o atual primeiro-ministro do Japão, Shinto Abe, está manipulando incansavelmente. Um das razões pelas quais Pequim impôs essa ZAID é impedir que japoneses nacionalistas pirados ejetem-se de paraquedas sobre as ilhas, para literalmente plantar ali bandeira do Japão.

Prof. Sun Zhe
O Saker, emérito blogueiro, pintou o retrato definitivo do comportamento cowboy dos EUA e suas implicações para a geopolítica do Pacífico Ocidental. No que tenha a ver com a doutrina da Dominação de Pleno Espectro do Pentágono, e sua doutrina-filhote de “pivô para a Ásia”, não há lugar para diplomacia e soft power, muito menos para alguma suposta “responsabilidade” da pressuposta superpotência. A esplêndida aventura dos B-52s é equivalente a da Agência de Segurança Nacional dos EUA viver a bisbilhotar os celulares de presidentes e governantes por todo o planeta.

E Pequim? Anotou o recado? Com certeza, sim. O professor Sun Zhe da Universidade Tsinghua em Pequim observa que a China não se deixará prender em posição de tigre de papel:

Se os EUA fizerem mais dois ou três voos semelhantes, a China terá de responder. E se responder só verbalmente, terá sido humilhada.

Haverá resposta não verbal. Esperem desenvolvimentos muito rápidos, abaixo dos radares, que terão a ver com submarinos nucleares chineses, mísseis com várias ogivas nucleares e todos os tipos de estratégias assimétricas.

Mas, principalmente, não esperem respostas espetaculosas. Por aqui, reina Sun Tzu. A resposta virá, certeira, fulminante. E onde o excepcionalismo norte-americano menos espera.



[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
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