segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Oito calúnias sobre a WikiLeaks

Ataques mal intencionados à WikiLeaks procuram perpetuar falsos conceitos que se recusam a morrer por mais que entrem em conflito com a realidade.

Por Julianne Escobedo Shepherd e Tana Ganeva, AlterNet
ARTIGO | 9 JANEIRO, 2011 - 23:29

A tendência da comunicação social empresarial de difundir informações falsas e notícias fabricadas tem sido particularmente notória na cobertura da WikiLeaks. Como Glenn Greenwald tem defendido, as principais agências de notícias têm divulgado repetidas difamações e falsidades sobre o sítio de fugas de informação e o seu fundador Julian Assange, ajudando a perpetuar uma série de “mentiras imbecis” – falsos conceitos que se recusam a morrer por mais que entrem em conflito com a realidade conhecida, a lógica básica e informação bem divulgada.

Aqui estão as falsas narrativas que continuam a aparecer nos jornais e na rádio.

1. Fomentar campanhas de alarmismo afirmando que as revelações da WikiLeaks irão provocar mortes.
Até ao momento não há evidência de que as revelações da WikiLeaks tenham custado vidas. De fato, mesmo antes de os telegramas terem sido revelados, funcionários do Pentágono admitiram não haver casos documentados de mortes causadas pela informação exposta por divulgações anteriores de documentos da WikiLeaks (e ao contrário dos telegramas diplomáticos, os arquivos do Afeganistão não estavam editados).

Não quer dizer que a exposição dos ficheiros secretos do governo não possa de alguma forma levar a que alguém, em algum lugar, seja um dia magoado. Mas isto é ir longe de mais, especialmente por parte de um governo envolvido em múltiplas operações militares – muitas das quais secretas – que levam a um número incontável de vítimas civis.

2. Espalhar a mentira que a WikiLeaks divulgou todos os telegramas.
A WikiLeaks divulgou menos de 2.000 dos 251.287 telegramas na sua posse. Divulgou aqueles documentos em conjunto com as mais importantes agências de notícias, incluindo o Guardian, El País e Le Monde, e utilizou a maioria das redações desses jornais para proteger as identidades de pessoas cujas vidas poderiam ser ameaçadas pela exposição. A AP detalhou este processo num artigo em 3 de Dezembro, mas isto não impediu que funcionários e analistas afirmassem que a WikiLeaks tinha colocado todos os telegramas “indiscriminadamente” na Internet. Muita da comunicação social repetiu a afirmação sem pensar.

Greenwald e outros têm lutado para acabar com o mito de que o sítio de fugas de informação divulgou todos os telegramas sem tomar quaisquer precauções para proteger as pessoas, mas este mito continua. Ainda esta semana a NPR emitiu um pedido de desculpas por todas as vezes que os colaboradores e convidados sugeriram ou expressaram abertamente ser uma calúnia que a WikiLeaks tenha colocado cegamente todos os telegramas de uma só vez.

3. Afirmar falsamente que Assange cometeu um crime no que diz respeito à WikiLeaks.
O Departamento de Estado tem trabalhado arduamente para incriminar Julian Assange. O problema é que até agora não parece que ele tenha infringido qualquer lei. Assange não é um cidadão dos Estados Unidos, não trabalha para o governo dos Estados Unidos e os documentos da WikiLeaks divulgados foram obtidos por outra pessoa. Conforme Greenwald tem sublinhado repetidamente, não é proibido publicar informações secretas do governo dos Estados Unidos. Se assim fosse, centenas de jornalistas estariam agora na prisão.

Enquanto o governo tenta evocar uma justificação legal para processar Assange, a comunicação social está a ajudar, estimulando a afirmação que ele é uma mente criminosa. Importantes meios de comunicação continuam a acolher convidados que acusam Assange de comportamento criminoso sem especificar de que crime se trata. Num debate bastante ridicularizado na CNN entre o Conselheiro da Segurança Interna de Bush Fran Townsend e Glenn Greenwald, moderado por Jessica Yellin, Greenwald teve que repetidamente rebater a afirmação de que Assange “lucrou” com atos “criminosos”.

O esforço para classificar Assange como um criminoso – liderado pelos membros do governo e ajudado pela comunicação social – pode ter um efeito perturbador sobre futuros autores de fugas de informação.

4. Negar que a WikiLeaks é uma empresa jornalística.
Autoridades e especialistas continuam a afirmar que a WikiLeaks não é uma fonte jornalística, ainda que tenha conseguido o mais importante furo jornalístico de uma década. Mas muito do que a WikiLeaks faz é idêntico às atividades de outras fontes de notícias. A WikiLeaks recebe informações secretas de fontes anônimas, que depois revela ao público – as notícias não são mais do que um sistema de controlo e equilíbrio para o governo, um direito fundamental de liberdade de imprensa. A seguir, trata essas informações secretas antes de divulgá-las – um jornalista ao selecionar material relevante e adequado de um documento confidencial não é diferente da WikiLeaks, ao editar certos excertos dos telegramas.

Como as ações da WikiLeaks estão de acordo com a Primeira Emenda, todos os jornalistas deveriam ficar indignados com as tentativas de acusação do governo americano. Se a WikiLeaks for processada por gerir uma empresa jornalística, que direitos irão ser retirados aos jornalistas no futuro? A denúncia vem de uma das mais respeitadas instituições jornalísticas do mundo, a Columbia University Graduate School of Journalism. No início deste mês, 20 membros da faculdade elaboraram e assinaram uma carta ao Presidente Obama e ao Procurador-geral Eric Holder dizendo que ao processar a WikiLeaks o governo irá abrir “perigosos precedente aos repórteres de qualquer publicação ou meio de comunicação social, amedrontando potencialmente o jornalismo de investigação e outras atividades protegidas pela Primeira Emenda…

Processar o caso WikiLeaks irá prejudicar grandemente os americanos participantes em debates na imprensa livre em todo o mundo e desencorajar os jornalistas que procuram este país para inspiração.

A Fundação Walkley, uma instituição de jornalismo no país de Assange, a Austrália, coloca este assunto mais sucintamente na sua própria carta de apoio à WikiLeaks:

“Tentar fechar a WikiLeaks agressivamente, ameaçar processar aqueles que publicam fugas de informação oficiais, e pressionar empresas a deixarem de negociar com a WikiLeaks, é uma séria ameaça à democracia, que se baseia numa imprensa livre e sem medo”.

5. Negar uma ligação entre os Documentos do Pentágono de Ellsberg e a WikiLeaks, apesar do apoio de Ellsberg ao site.
Em 1969, Daniel Ellsberg fotocopiou secretamente documentos secretos que provavam que a administração Johnson tinha mentido ao povo americano sobre as hipóteses de ganhar a guerra do Vietnã, que sabia desde o início serem quase nulas.

Em 1970, Ellsberg ficou desiludido com a situação desesperada e começou a fazer circular os documentos, primeiro aos senadores dos Estados Unidos, depois ao New York Times, que divulgou o conteúdo numa inovadora série de artigos que pôs em marcha o fim à guerra… e à administração Nixon. Ao proceder desta forma, ajudou a acabar com uma guerra injusta realizada em nome do povo americano. As suas ações foram amplamente aplaudidas.

Num cenário paralelo, a WikiLeaks está a fazer a parte do Times e de outros meios de comunicação que relataram os Documentos do Pentágono – divulgando informações de ações secretas, e em muitos casos, injustas efetuadas em nome do povo americano sem o nosso conhecimento.

O alegado delator Bradley Manning é Ellsberg nesta situação; semelhantemente, se as conversas entre ele próprio e Adrian Lamo impressas na Wired forem verdadeiras, ele divulgou os telegramas com um esmagador sentido de justiça, dizendo, “eu quero que as pessoas, sejam elas quem forem, vejam a verdade, porque sem informação, como público, não se podem tomar decisões informadas.

No início deste mês, Ellsberg apareceu no Colbert Report e elogiou Manning. “Se Bradley Manning fez aquilo de que é acusado, então ele é o meu herói e eu acho que ele prestou um grande serviço a este país” disse Ellsberg. “Esta confusão em que nos encontramos, no mundo, não é por causa de demasiadas fugas de informação… embora diga que devem existir alguns segredos. Mas também digo que invadimos o Iraque ilegalmente porque nos faltou um Bradley Manning na altura.”

6. Acusar Assange de lucrar com a WikiLeaks.
Os jornais divulgaram a notícia que Assange assinou um contrato lucrativo de um livro, informação que inspirou as principais fontes de informação como a CNN a ridicularizar Assange por “lucrar” com os telegramas apesar da sua ideologia anti-empresarial. Na entrevista mencionada acima, Yessica Yellin perguntou a Glenn Greenwald se tinha “Alguns dúvidas sobre o fato de ele estar a lucrar essencialmente com a fuga de informação.” Greenwald assinalou que Assange quase não lucra com esse material, mas tenta cobrir os ganhos legais acrescidos, já que todos os governos do mundo estão atrás dele. Greenwald também assinalou que tentar ganhar dinheiro com o jornalismo é pura rotina na profissão. Bob Woodward, por exemplo, escreveu vários livros baseados em documentos secretos.

7. Chamar terrorista a Assange.
Joe Biden
A semana passada o Vice-presidente Joe Biden, que faz parte de uma administração que supervisiona a escalada da desastrosa guerra no Afeganistão, juntou-se a Mitch McConnel e a Sarah Pallin ao chamar “terrorista” a Assange.

Tanto quanto sabemos, as fugas de Assange não mataram ninguém. Nem sequer ele tentou perpetrar violência para promover uma agenda política, a definição de terrorismo. No entanto os membros do governo continuam a tentar vincular Assange ao terrorismo na consciência do público.

8 Minimizar a importância dos telegramas.
Embora só uma pequena fração dos telegramas tenha sido divulgada, muitos críticos promoveram a ideia de que eles não revelaram “nada de novo” e, portanto não têm qualquer valor. Mas mesmo os telegramas divulgados até ao momento continham revelações importantes sobre os Estados Unidos e seus aliados.

Aqui estão algumas das histórias divulgadas pelos documentos:

– Forças Especiais dos Estados Unidos trabalham dentro do Paquistão
– A Inglaterra concordou proteger interesses dos Estados Unidos nas provas do Iraque
– Bombardeamentos secretos do Iêmen
– O papel do Departamento de Estado no golpe de estado das Honduras
– Estados Unidos pressionaram a Espanha a ignorar as provas da tortura de Bush
– Os Estados Unidos procuraram retaliar contra a Europa por se recusar a permitir as culturas geneticamente modificadas da Monsanto.
– A Drug Enforcement Agency torna-se global, para além das drogas
– Aperto da Shell sobre o estado da Nigéria

A promessa de que a próxima divulgação irá atingir um banco dos Estados Unidos, e que irá ter um efeito semelhante às divulgações da Enron, segundo Assange, certamente prenuncia um tesouro de informações sem precedentes que poderá ser explosivo. E isso é incrivelmente valioso para o povo americano.


Julianne Escobedo Shepherd é editora associada da AlterNet e escritora e editora freelancer em Brooklyn. Anteriormente diretora executiva da The FADER, o seu trabalho tem aparecido na VIBE, SPIN, New York Times e em várias outras revistas e sítios da internet.
Tana Ganeva é editora da AlterNet. Podem acompanhá-la no Twitter ou enviar-lhe um mail para tanaalternet@gmail.com.
Tradução de Noêmia Oliveira para o Esquerda.net
Enviado pelo pessoal da Vila Vudu

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