sábado, 15 de janeiro de 2011

Líbano: O Partido da Resistência [Hezbollah] e o governo Hariri

15/1/2011, Sami Moubayed, Asia Times Online
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Sami Moubayed Asié editor-chefe da revista Forward, em Damasco.

DAMASCO. Na 4ª-feira, dez ministros do governo libanês do primeiro-ministro Saad al-Hariri renunciaram, todos eles membros da oposição liderada pelo Partido da Resistência [Hezbollah]. Foram acompanhados imediatamente por um ministro xiita indicado pelo presidente Michel Suleiman – o que totalizou a renúncia de 11 ministros.

Saad  al-Hariri
Nessa situação, caiu o gabinete, porque é o que determina a Constituição no caso de renúncia de um terço dos ministros mais um. A renúncia coletiva dos ministros que compunham o Gabinete de Hariri, que governou por 14 meses, não foi surpresa para muitos.

Quando aceitou compor o Gabinete Hariri, em novembro de 2009, a oposição impôs, dentre outras, a exigência de que teria ministros em número suficiente para ser “o terço com poder de bloqueio”. O movimento Aliança 14 de Março, pró-EUA, que participaria também do governo Hariri não aceitou a exigência, sob o argumento de que, se não era maioria no Parlamento, nada justificava que a oposição tivesse poder de veto no governo.

A oposição insistiu e Hariri cedeu, mas acrescentou uma novidade criativa. A Aliança 14 de Março recebeu 15 lugares, a oposição recebeu 10 ministérios, e Suleiman teria o direito de indicar cinco nomes de diferentes seitas, um deles necessariamente xiita.

Adnan Sayyed Hussein
Dia 12 de janeiro, o 11º ministro, Adnan al-Sayyed Hussein, fez pender a balança contra Hariri, e o governo caiu. O primeiro-ministro estava em Washington, reunido com o presidente Barack Obama. As renúncias aconteceram durante a reunião com Obama: Hariri entrou primeiro-ministro do Líbano e saiu ex-primeiro ministro.

A principal causa da queda do governo Hariri foi a falta de avanços na discussão sobre o Tribunal Especial para o Líbano, que deve anunciar essa semana, a qualquer momento, os acusados pelo assassinato, em 2005, do ex-primeiro ministro Rafik al-Hariri.

Desde o verão passado, há boatos de que aparecerão, entre os acusados, nomes da alta hierarquia do Hezbollah  A oposição diz que o Tribunal Especial foi politizado, que é manipulado por EUA e Israel, para desarmar e minar a reputação do Hezbollah.

Hassan Nasrallah
O que Israel não conseguiu na guerra de 2006 – quebrar ou reduzir a influência do Hezbollah no Líbano –, estaria tentando conseguir indiretamente, com a ajuda do Tribunal Especial. A evidência de que Israel não foi convocada a depor no inquérito do assassinato de Hariri e de que o Tribunal recusou-se a punir testemunhas já confirmadas como falsas, cria sérias dúvidas sobre a isenção do Tribunal que, para o secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah não passa de “projeto dos israelenses”.

Mas Hariri defendeu o tribunal que ajudou a criar, aliado aos pesos-pesados do Movimento 14 de março. Segundo os termos do intenso diálogo entre sírios e sauditas (conhecido como “Iniciativa S-S”), seria possível encontrar saída para o impasse, se Hariri fizesse uma declaração, na qual se afastasse politicamente, financeiramente e legalmente do Tribunal Especial.

A oposição sabe que, por mais que deseje, não conseguirá eliminar o Tribunal Especial sem uma Resolução da ONU. Só lhe resta a via de desacreditá-lo, distanciando o Líbano do que quer que o Tribunal tenha a dizer sobre acusados e um eventual veredito.

Fator que fortalece a posição do Hezbollah é o fato de que a Arábia Saudita tampouco manifesta qualquer entusiasmo em relação ao Tribunal da ONU e tentou resolver internamente o impasse com Hariri, há dois anos, em vez de internacionalizar a questão, quando dois juízes da ONU tentaram – sem sucesso – acusar o governo da Síria, pelo assassinato.

Em documentos recentemente publicados por WikiLeaks, o principal juiz do Tribunal Especial Daniel Bellemare diz em conversa com diplomatas dos EUA, que “não há meio legal para acusarmos a Síria”. Fracassado o argumento “os culpados são os sírios”, apareceu o argumento “os culpados são do Hezbollah”.

Dentre as sugestões ventiladas na Iniciativa Síria-Sauditas (“S-S”), estavam:

  • – Hariri mudaria completamente sua posição favorável ao Tribunal da ONU, e em troca manteria o lugar de primeiro-ministro.

  • – O Hezbollah deixaria de lado a questão das “testemunhas falsas”, que punha no alvo altos conselheiros de segurança, políticos e jornalistas aliados de Hariri. Para o Movimento 14 de Março, essa questão teria de ser deixada de lado “porque sim”, em troca de nada.

  • – O Hezbollah aceitaria o compromisso de que suas armas jamais seriam usadas contra inimigo interno.

  • – Hariri se comprometeria a por fim à discussão sobre as armas do Hezbollah – como prometeu fazer no discurso de posse. Tomaria providências para que a questão não voltasse à mídia e não reaparecesse no diálogo nacional então em curso no Palácio Baabda, comandado por Suleiman.

  • – Hariri consideraria a possibilidade de afastar-se de figuras pró-Israel como o ex-líder combatente do grupo Forças Libanesas Samir Geagea e o ex-presidente Amin Gemayel. A evidência de que esses dois homens ainda têm ascendência sobre o primeiro-ministro enfurece o Hezbollah, porque, além de ambos quererem que os sírios se afastassem do Líbano em 2005, nenhum dos dois tem qualquer outro ponto político em comum com Hariri. Um deles, Geagea, é criminoso condenado, que esteve preso por ligação, dentre outras coisas, com o assassinato do antecessor de Hariri (pai) Rashid Karameh, nos anos 1980s. O primeiro-ministro pai de Rafik tomou providências para que Gagea permanecesse preso durante todo seu mandato nos anos 1990; em 2005, por motivos políticos, o filho mandou libertá-lo. Hariri, como a oposição já disse repetidas vezes, teria de afastar-se dessas figuras, se quisesse construir qualquer relacionamento com Nasrallah. Em entrevista ao jornal al-Hayat do Líbano, semana passada, Hariri disse, com todas as letras, que não se afastará de seus aliados.

  • – Hariri dissolveria o próprio governo e construiria outro governo, sem maioria e minoria, com postos igualmente distribuídos pelos representantes das várias linhas confessionais [como determina a Constituição do Líbano]. Os xiitas ficariam com o ministério das Finanças; os sunitas, com o ministério do Interior; os gregos ortodoxos, com o ministério da Defesa; e os maronitas, com o ministério de Relações Exteriores. Na mesma entrevista ao jornal al-Hayat, Hariri disse claramente que a hipótese de formar novo governo “está fora de questão”.

Em vez de sair por decisão sua, com direito a voltar assegurado por todos os grupos da oposição, Hariri optou pelo enfrentamento, o que forçou a oposição a renunciar e, assim, derrubar o governo. Uma das possíveis razões para escolher essa via pode ter sido informação que teria recebido nos EUA, de que as conclusões do Tribunal serão anunciadas nas 48-72 horas seguintes, e que o livrariam de ter de fazer qualquer acordo com a oposição.

Rei Abdullah da Arábia Saudita
Afinal, Hariri permaneceu em New York por uma semana, e lá, além de encontrar-se com o rei Abdullah da Arábia Saudita, também se reuniu com Nicolas Sarkozy, com o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon e com a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton.

Não há como prever o que o futuro reserva ao Líbano. Hariri fará o possível para permanecer no poder, porque se considera o legítimo primeiro-ministro.

Há duas semanas, o presidente do Parlamento e peso-pesado da oposição Nabih Berri, dizia, confidencialmente que, no seu grupo, “a primeira, a segunda e a terceira opções para o posto de primeiro-ministro é Saad al-Hariri". Agora, a oposição diz que em nenhum caso aceitará que Hariri seja autorizado a formar outro governo, porque se provou incompetente para o posto e “incapaz de assumir responsabilidades”

É possível que a oposição indique outro primeiro-ministro, ou Omar Karameh ou Najib Mikati, dois nomes que antecederam Hariri naquele posto, e ambos bem próximos da Síria. Se isso acontecer, o Líbano estará de volta à situação de haver dois governos, como no final dos anos 1980s durante a guerra civil.

A oposição pode também tomar as ruas e ocupar o centro de Beirute, como em 2006-2008, para forçar a renúncia de Hariri ou para obrigá-lo a denunciar, por imparcialidade, o Tribunal da ONU. Se se consideram os encontros que teve em Washington e New York, a opção de Hariri denunciar o Tribunal da ONU está fora de questão.

Um comentário:

  1. Conheci Samir Jája (Geagea, em prosódia gráfica francesa) no auge da guerra intercristã (1989-90), ele contra as tropas do general Áun. Fui visitá-lo em seu bunker, atrás da primeira série de montanhas face a Bíblos, para onde havíamos transferido provisoriamente a Embaixada do Brasil. Eu sabia que estava me encontrando com um assassino católico (maronita), queridinho do Cardeal Sfeir, o qual - junto com Elie Hobêika, anos mais tarde, despedaçado por explosão no carro que utilizava (2002), por ter-se unido aos sírios - foi um dos responsáveis pela matança de Sabra e Chatilla, sob supervisão israelense.

    Disse-me que a família de sua mulher e familiares dele próprio tinham propriedades imobiliárias no Brasil, para inciar conversa, mas nunca tivera oportunidade de visitar-nos. Suas tropas adquiriam drogas (haxixe, maconha e cocaína) de xiitas da Bekaa e as traficavam na zona portuária de Beirute e Tráblus (Trípoli), inclusive exportando-as. Não se interessava absolutamente pela paz, enquanto sua facção não se sagrasse vencedora: reservava ódio especial a todos que se aliassem a palestinos e sírios, contra eles mantendo um pacto de morte com os falangistas de Gemayel. Ambos mandaram matar Ráchide el-Karame, chefe do Governo.

    Confesso que, ao visitar o então vice-líder do Hizbóllah, Hassan Nasrálla - o líder era Abbás el-Mussáui, assassinado três anos depois, o qual não pudera receber-me por encontrar-se em visita ao Irã - senti-me bem mais à vontade que no encontro com Jája, apesar do ruidoso tiroteio na ZS de Beirute. O fato é que, num Líbano de novo em desordem, um Jája se torna protagonista.

    Abraços do
    ArnaC

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