quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Os “Documentos da PALESTINA” 2 [Palestine Papers]

Minuta de reunião: “Sobre fronteiras”
Al-Jazeera, Qatar, “Transparency Unit”[1], em:
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu


No Inpal Hotel (Larome), em Jerusalém, 8/4/2008, das 11h30 às 13h30

PARTICIPARAM:

-- Pela Autoridade Palestina: Ahmad Qurei (Abu Ala); Dr. Saeb Erekat; Dr. Samih Al-Abed; Salah Ilayan e Zeinah Salahi

-- Por Israel: Tzipi Livni; Udi Dekel; Tal Becker e Dani Terza
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Livni: Queria dizer uma coisa, antes de examinarmos os mapas. Sei que o que vocês verão vai fazê-los sentir como se nós estivéssemos roubando terras de vocês. Vão dizer que estamos cortando as pernas e os braços de vocês, mas espero que considerem também o outro lado. Precisamos fazer o que fazemos, não porque queiramos terras de vocês, mas porque não queremos expulsar gente das casas onde vivem. Estamos falando de 250 mil colonos que vivem na Cisjordânia e queremos que continuem a viver numa pequena área. Entendo que cada polegada de terra ofende vocês.

E ainda não falamos do coração dos dois lados [Jerusalém].

Antes de começar, gostaria de esclarecer uma coisa. Abu Ala’ fala de trocar 1,5% da terra e Abu Mazen [M. Abbas] falou de 2%.

Abu Ala’: Abu Mazen não fala mais em números. Não quer incluir qualquer porcentagem na discussão.

Livni: Esses números têm alguma base, ou é só uma doação, que vocês fazem generosamente?

Abu Ala’: Ainda que não reconheçamos a realidade em campo imposta por Israel, as concessões feitas em Camp David foram espontâneas, para troca recíproca, também nos valores. Não se falou sobre blocos construídos de moradias. Só se fala de construções em Israel. Jamais reconhecemos esses blocos de moradias e, portanto, pensamos em uma porcentagem razoável para a troca e não alguma espécie de barganha, desde que discutamos como e onde ocorrerão as trocas. Se a conversa acontecesse hoje, não concordaríamos com nenhum tipo de troca.

Livni: Quero falar sobre suas necessidades e traduzi-las numa porcentagem. Tentarei explicar que é necessidade, não cobiça. Se não anexarmos aquelas áreas e depois houver um banho de sangue, vocês serão forçados a enfrentar nossos soldados. É algo que não queremos. Tentamos dar uma resposta, reduzindo o atrito entre os dois lados.

Apresentaremos nossas necessidades, uma vez que ainda estamos em fase de negociações; depois os especialistas trabalharão para minimizá-las em algumas áreas.

Abu Ala’: Não posso aceitar esses princípios. É como tirar todo o dinheiro de alguém e depois negociar quanto será devolvido. A barganha é metade do objetivo.

A base é a fronteira de 1967. Vocês e todo o mundo, inclusive as resoluções n. 242 e 338 da ONU reconhecem isso. Então, podemos falar de modificações. Considerarei a porcentagem, se é 1% ou 2%, mas acima disso não considerarei nenhuma porcentagem.

Livni: Então vocês já estão discordando.

Udi: O primeiro encontro sobre economia foi bom. Não o desperdicem.

Samih: O primeiro depende do que se conseguir aqui sobre a terra.

Saeb: Vocês apresentaram sua posição. Ouviremos, mas lembrem que a nossa posição é a que foi apresentada por Abu Ala’. As fronteiras de 1967 são a base para a solução de dois Estados; e podemos discutir as trocas.

Nenhum plano de negociação jamais será bem sucedido se essa trilha falhar. O objetivo é servir aos interesses dos dois lados e alcançar uma situação de ganha-ganha. Quanto mais realistas formos às nossas propostas, mais progressos obteremos.

Livni: Não quero apresentar a vocês propostas que lhes causem sofrimento e dor.

Abu Ala’: Você disse ontem à imprensa que vocês têm limites fixados. Foi sua resposta, quando lhe perguntaram se nós também temos ‘linhas vermelhas’ que não podemos ceder.

Na próxima reunião eles podem continuar a discutir muitas coisas, inclusive meios para remover os colonos e outros.

Vocês vieram com o que querem e nós viemos com o que é realista. Esperamos que continuemos a nos reunir.

Terza: Claro. Haverá a passagem segura entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Não é preciso falar disso agora.

Livni: Vejam, essa é a resposta para ligar a Cisjordânia e Ma’ale Adumim. A distância entre Ma’ale Adumim e o vale do Jordão é de 17 km, e a distância entre Tulkarem e a Linha Verde é de 14 km.

As instruções que dei para traçar os mapas são:

– incluir o maior número possível de israelenses:
– excluir palestinos;
– incluir áreas construídas ou áreas em construção;
– excluir áreas já organizadas;
– considerar necessidades de segurança;
– ligações entre elas e Israel.

Terza: Essa é a linha dos termos de referência.

Livni: Que vocês chamam de linha 1967.

Abu Ala’: Ela não consegue nem pronunciar a palavra [fronteira]!

Terza: Essa é a área de Gosh Etzyon e inclui as colônias de Kfar Etzyon, Bitar ‘Illit, Ephrat, Daniel, Alon Shafot, Teqoa.

Inclui todas as áreas construídas, além dos planos que já estão em construção.

Abu Ala’: Isso significa que qualquer área onde não há palestinos tem de ser dada a Israel?

Terza: A área de Gosh Etzyon tem cerca de 544 quilômetros quadrados.

Saeb: E sobre a área verde no mapa?

Livni: Também me fiz essa pergunta, e concluí que é para conexão, para criar uma zona vital. O problema aqui é a topografia.

Terza: Essa área tem 3,5 quilômetros quadrados e a população no bloco de Etzyon é de 50.000 pessoas.

Livni: Há várias pequenas colônias para as quais temos de achar uma resposta no acordo.

A população em Gosh Etzyon é de 50.000 pessoas, menos de 1% da área da Cisjordânia.

Vamos ver Ma’ale Adumim.

Terza: Inclui Ma’ale Adumim, Kfar Adumim, Almon, Mitzape Yeriho, Alon, Kidar, e a colônia industrial de Mishor Adumim, com área de 85 quilômetros quadrados. A população é de 40 mil pessoas e representa 1% da área da Cisjordânia.

Livni: Hoje há estradas para palestinos e estradas para israelenses e todas as estradas são controladas por Israel. Estamos falando sobre o dia seguinte, não sobre a situação hoje, porque estamos vivendo na mesma área. No futuro haverá estradas na Palestina e cada lado terá soberania sobre as próprias estradas.

Saeb: E quanto às áreas em volta de Jerusalém?

Livni: Discutiremos isso quando discutirmos a questão de Jerusalém.

Terza: Modi’in’Illit tem 11 quilômetros quadrados e população de 45.000 pessoas.

28.000 pessoas vivem só em Ariel e a população que vive em torno das colônias (bloco de Ariel bloc) que são como dedos (os dedos de Ariel e Kadumim) é de 70 mil pessoas, com área de 131 quilômetros quadrados.

Livni: Já sei o que vocês vão dizer: esses dedos vão arrancar os olhos de vocês. Há algumas pequenas colônias que excluí, como as próximas de Nablus, por exemplo.

Nenhum líder israelense assinará acordo que não inclua Ariel.

Abu Ala’: E nenhum líder palestino assinará acordo que inclua Ariel.

Livni: Sejamos justos. Vocês falam da linha de 1967. Ainda não falamos sobre Jerusalém. E há algumas vilas palestinas dos dois lados da linha de 1967, para as quais temos de ter resposta, como Beit Safafa, Barta’a, Baqa al-Sharqiyeh e Baqa al-Gharbiyyeh. Também há colônias que foram construídas por trás da linha de 1967, mas cresceram ilegalmente para dentro da linha, como a colônia de Uranit ao sul de Hebron.

Abu Ala’: Primeiro, não podemos aceitar essa proposta e lamento ter de ouvi-la. Essa solução não é a solução dos Dois Estados. É uma solução de cinco estados: um estado em Gaza, um estado em Jerusalém, um estado para os colonos judeus, um estado palestino e um estado israelense. Não me parece que se possa tomar essa ideia como base de alguma discussão.

Shlomo Ben Ami quis propor-me essa ideia. Disse-lhe que não. Vejam o quando Ma’ale cresceu, desde que vocês propuseram a troca. Se quiserem ser realistas e zelar pela preservação desse canal de discussão, tragam propostas realistas.

Não posso considerar as necessidades de vocês, mas posso considerar um troca, numa porcentagem realista.

Se querem acabar com a Autoridade Palestina com essa proposta, deixamos essa reunião, e caberá às futuras gerações exigir os direitos dos palestinos.

Terza: Ma’ale Adumim ficava a 64 quilômetros em Taba.

Livni: Seja como for, Taba não é termo de referência.

Saeb: Eu disse, antes, que estabelecer o estado palestino é a resposta para a questão dos 5 milhões de refugiados palestinos, mas isso não significa que aceitemos reduzir ainda mais esse estado.

O que vocês querem pode ser trocado?

Livni: Não criamos um estado para cada refugiado, mas criamos um conceito. Foi o que aconteceu em Israel quando o estado foi criado. Os judeus vieram para o estado, não para a terra. Há fatos consumados que vocês odeiam, mas que estão aí.

Há boa chance de reduzir as necessidades que vocês apresentaram.

Saeb: Israel nos compensará pelo que tirará de nós?

Livni: Conversaremos sobre o tipo de compensação.

Sei que a posição de vocês é por uma troca 1:1. Já disse que não podemos aceitar essa porcentagem, mas negociaremos.

Sei que Abu Mazen [Mohammad Abbas] apresentou essa proposta a Olmert, mas Olmert recusou-a. Sei que vocês têm suas ideias e sugiro que as apresentem na próxima reunião.

Abu Ala’: Aceitei ouvir suas propostas, porque esperava que trouxessem propostas realistas.

À luz dessas circunstâncias e das propostas inaceitáveis que trouxeram, vejo que a única solução é um estado binacional, no qual muçulmanos, cristãos e judeus vivam juntos.

Em Israel, nossas necessidades não serão atendidas.

A exigência que fazemos, de respeitar as fronteiras de 1967 seria demais para nós?

Livni: Eu não disse que seria demais para vocês.

Abu Ala’: A causa seria que os colonos apareceram e ocuparam terra palestina? Muitos países ocuparam países e estabeleceram colônias mas, na independência, as colônias foram deixadas para trás. A União Soviética é o melhor exemplo. Colonizaram vários países islâmicos na Ásia Central e, ao partir, deixaram lá tudo que haviam construído. Há muitos outros exemplos em todo o mundo. [No sentido de “não há caso no mundo de ocupação que se justifique ‘porque’ há colonos ocupantes”; em todos os casos de ocupação os ocupantes partiram. Por que, no caso de Israel, a situação dos ocupantes, que não teriam para onde ir, seria motivo que justificaria a ocupação? (NTs)]

Livni: Você está dizendo que os palestinos não aceitaram viver ao lado de nenhuma colônia de judeus?

Abu Ala’: Em nome de preservar o estado palestino, poderia considerar, no máximo, algumas pequenas trocas.

Livni: Não estou dizendo que seria ‘aceitar [a proposta] ou desistir de tudo’. Estou dizendo só que essas são as nossas necessidades.

Abu Ala’: Em Oslo, dissemos que tudo entraria gradualmente nos devidos lugares.

Livni: Não gosto de gradualismos.

Abu Ala’: Também não gosto, mas foi a única escolha possível para Israel.

Numa das reuniões com Abu Ammar e na minha presença, Rabin disse que construiria um muro à volta de cada colônia, posto a 50m da casa mais distante.

Eu disse: E isso significa organização? E ele disse: “Está decidido”.

Se as negociações prosseguirem e Olmert continuar a construção de colônias, inclusive em Jerusalém, 15% dos territórios terão sido separados das terras palestinas.

“Territórios” para nós significam a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, inclusive Jerusalém, o Mar Morto e a faixa de terra-de-ninguém. O acordo final deve tratar de tudo isso, e nesse sentido terão terminado todas as reivindicações dos palestinos sobre territórios.

Livni: Por que a terra-de-ninguém ficaria para vocês?

Abu Ala’: E não é de vocês. Temos de negociar.

Livni: A diferença não é grande. São cerca de 350-450 quilômetros quadrados. As futuras gerações nos culparão e nunca nos perdoarão se deixarmos passar essa oportunidade de acordo, por causa dessa diferença.

Abu Ala’: Por isso, como eu disse, a solução é um estado binacional do mar ao rio.

Livni: Sugiro que, na próxima reunião, vocês apresentem suas ideias sobre esse assunto.

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NOTAS

[1] A “Transparency Unit” [Unidade Transparência] da rede Al Jazeera [ing. Al Jazeera Transparency Unit (AJTU)] foi constituída para mobilizar o público leitor e telespectador – no mundo árabe e em todo o planeta – a enviar todos os tipos de conteúdos (documentos, e-mail, imagens, áudios e vídeos, além de sugestões de pauta), para que sejam analisados por nossa equipe editorial para possível divulgação.

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