Andrew J. Bacevic |
14/4/2011, Andrew J Bacevich, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
É lugar comum na política dos EUA: quando o caminhão de mudanças chega à Casa Branca no dia da posse, entrega, além das araras de ternos cinza-escuros e gravatas poderosas, caixas e caixas de expectativas.
O presidente, o homem mais poderoso do mundo, começa do zero uma nova história, ou, pelo menos, os americanos creem nisso, ou fingem crer. Adeus ao velho, ao sórdido, ao frustrante; tudo começa do zero, fresco, sem mácula e carregado de esperanças. Afinal, com uma penada, o novo presidente tem poder para ordenar o fechamento de uma prisão controversa que nos envergonha, em terra distante mas 100% norte-americana, para acusados de terrorismo que são mantidos presos, sem acusação nem processo, por anos! O presidente quer, o presidente faz.
Por todas as razões imagináveis, a chegada de Barack Obama ao Salão Oval gerou expectativas particularmente altas, e não só entre os norte-americanos. Como explicar, se não por excesso de expectativas, a decisão do Comitê Nobel o qual, para honrar o novo presidente, converteu o Prêmio Nobel em Prêmio da Paz Possível, Paz Desejada, Prêmio por Antecipar Alguma Paz – mais ou menos como alguém recebesse a Taça Heisman uma semana antes da decisão do campeonato anual de futebol universitário.
Se o clima emocional reinante imediatamente antes e imediatamente depois da posse de algum presidente chama a atenção para o que há aí de promessas e descobertas (a primeira-dama tem bíceps!), não demora, e a novidade começa a perder o gosto. Então a narrativa entra em queda livre: ele não fez o que prometeu, nos traiu, é mais do mesmo, como sempre.
Cabem aqui as palavras de H L Mencken. “Sempre que vejo alguém aplaudido pelas massas”, escreveu o Sábio de Baltimore, “sinto uma pontada de pena: se sobreviver por tempo suficiente, será vaiado.” Obama hoje já sobreviveu por tempo suficiente para atrair uma merecida quota de vaias, “buuuus” e apitaços.
Não bastasse ter prolongado e expandido uma guerra no Afeganistão, esse laureado pró-paz, Prêmio Nobel da Paz que o mundo desejava, teve papel destacado em iniciar outra guerra, dessa vez, na Líbia. Ainda obrando para diferençar o atual governo e o governo anterior, os defensores de Obama enfatizam a pureza de suas intenções e motivações.
Esquecidos de que George W Bush disse que os EUA invadiram o Iraque, rico em petróleo, para impedir que armas de destruição em massa caíssem em mãos de terroristas, os norte-americanos rapidamente aceitam que Obama ainda repita que os EUA invadiram a Líbia, rica em petróleo, para evitar um genocídio. Não bastasse, para comprovar a intenção virtuosa do presidente, lá estavam os franceses, dessa vez conosco, não contra nós.
Explicar é jogo de cena
A verdade é que atribuir a um único governo algum objetivo ou razões específicas, em qualquer iniciativa de política exterior em grande escala, sempre provoca distorções. Em todos os governos, as ações resultam de alguma espécie de consenso. O consenso entre assessores de qualquer presidente – no círculo íntimo de Lyndon B Johnson, em apoio à escalada da guerra no sul do Vietnã em 1965; de George W., para pressionar a favor de uma mudança de regime em Bagdá – não implica acordo perfeito, absoluto.
Os motivos sempre são esquivos, impalpáveis. Como observou o ex-secretário de Defesa Paul Wolfowitz sobre o Iraque, as armas de destruição em massa só serviram como ponto focal, aceito por todos, a ser oferecido às massas como explicação e justificativa para a guerra. De fato, foram vários os motivos que levaram à decisão de invadir o Iraque. Para alguns, dentro do governo, havia ali boa oportunidade para eliminar uma fonte de problemas futuros, ao mesmo tempo em que se criava caso exemplar, a ser exibido contra outros inimigos potenciais.
Para outros, foi a promessa de reafirmar a hegemonia dos EUA nos campos de reserva de energia do planeta. Para outros ainda (inclusive o próprio Wolfowitz), foi a visão delirante de um Oriente Médio transformado, democratizado e pacificado, eliminando-se assim as próprias fontes do terror islamista, de uma vez por todas.
No mínimo pelas beiradas, expandir os poderes da presidência à custa do Congresso, reforçar a segurança de Israel e acabar o servicinho que papai deixou pela metade também aparece na equação. Desse mix, cada político pode selecionar o que prefira.
Dadas as circunstâncias em mutação, todos reclamaram a prerrogativa de mudar de opinião. Quem duvida que Bush, ante os grandes “Epa!” – armas de destruição em massa que, afinal, nunca existiram – sinceramente se convenceu de que o sincero objetivo dos EUA, ao invadir o Iraque, foi libertar o povo iraquiano oprimido? Afinal, desde o início a coisa não levava o nome de “Operação Liberdade do Iraque”?
E assim, mesmo quando jornalistas e historiadores ocupam-se com tentar explicar por que aconteceu alguma coisa, todos fazem jogo de cena. Por mais criativos ou bem informados que sejam, com acesso às melhores fontes, suas respostas são necessariamente especulativas, parciais e ambíguas. Não há como ser diferente.
Em vez de “por quê?”, o que quase sempre recebe muito menos atenção do que recebe é “como?”. E aqui se vê que Obama e George W Bush (para nem falar em Bill Clinton, George H W Bush, Ronald Reagan e Jimmy Carter) são como irmãos xifópagos. No que tenha a ver com o mundo islâmico, já há mais de 30 anos as respostas de Washington são praticamente sempre as mesmas: aplica-se o poder “duro”, o mais duro que os EUA consigam mobilizar. Em termos simples, o “como”, do ponto de vista de Washington sempre tem a ver com mais, e cada vez maior, guerra.
Pode haver pequenas discordâncias entre os presidentes, se se pergunta o que tentam ganhar no Grande Oriente Médio (Obama não recitaria, por exemplo, versos da Agenda da Liberdade, de Bush), mas já há várias décadas todos concordam sobre os meios: seja o que for que os EUA queiram ver feito, a chave para fazê-lo é o poderio militar. E assim acontece que, hoje, assistimos ao extraordinário espetáculo de ver Obama abraçar a Guerra Global ao Terror de Bush em versão expandida, mesmo depois de ter banido para sempre qualquer elogio a Guantánamo, definido como politicamente incorreto.
O Grande “Como”: sempre pela força
Os esforços para santificar os objetivos do governo Obama na Líbia foram centrados na influência das Três Harpias: a secretária de Estado Hillary Clinton, a embaixadora dos EUA na ONU Susan Rice e a diretora de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Segurança Samantha Power, mulheres em posições de poder, ostensivamente soterradas ante a evidência de que os EUA voltaram às soluções de 1994 no genocídio em Ruanda, só que, agora, sem poder errar outra vez.
Mesmo isso pode não passar de especulação. A única coisa em torno da qual não há dúvida é a seguinte: ao ver o Grande Oriente Médio como região mal arrumada, com pregos soltos, que carecem de marteladas de correção, o atual comandante-em-chefe passa a ter de ser incluído como mais um, na galeria dos presidentes de guerra, dos EUA.
O xis da questão é: há alguma possibilidade de alguém, seja Obama sejam suas Três Harpias (ou seja quem for, em posição de influenciar decisões), avaliar se, de fato, a coisa se arranja a martelo, se o martelo é tão eficaz quanto se autoapregoa – apesar de haver tantas provas de que martelo e martelada não são soluções eficazes para dificuldades políticas?
A sequência de aventuras militares iniciadas em 1980, quando Carter divulgou sua “Doutrina Carter” dá história feia, mas esclarecedora. O esforço de Reagan para pacificar o Líbano terminou em 1983 num banho de sangue. A vitória nominal da “Operação Tempestade no Deserto” em 1991, que expulsou do Kuwait as forças de Saddam Hussein, pouco obteve além de terríveis complicações, que a obsessão de Clinton por bombas aladas e mísseis, ao longo dos anos 1990s, pouco fez para resolver ou esconder.
O revés que resultou da primeira intervenção dos EUA no Afeganistão contra os soviéticos ajudou a criar o problema que levou ao 11/9 e a outra guerra no Afeganistão, que já se aproxima do 11º aniversário, sem fim à vista. Quanto ao segundo ataque de George W Bush contra o Iraque, se se pudesse esquecer, seria melhor. E agora, a Líbia.
É preciso responder à pergunta: “Pelo menos, estamos vencendo alguma guerra?” Se não, por que insistir num esforço de guerra que custa tantas infinitas dores e tão pouco nos rende?
É possível que Obama veja sua alma gêmea em Samantha Power, que tanto luta contra o eixo do mal pelo mundo, e faça sua a determinação dela. Ou talvez Obama não passe, mesmo, de mais um político, que fala a língua dos altos ideais, ao mesmo tempo em que persegue objetivos bem menos altos. De um modo ou de outro, essa questão pouco interessa. O “como” sempre supera o “por quê”.
Sejam quais forem seus motivos, ao se conformar ao padrão preexistente de usar a força militar contra o Grande Oriente Médio, Obama escolheu a ferramenta errada. Errado nisso, condena-se e condena os EUA a persistir na via alucinada, de loucura, dos presidentes anteriores. É fracasso da imaginação, mas também é fracasso da coragem. Obama prometeu. Os EUA merecemos coisa melhor.
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