O projeto da candidata do PT é manter o eixo central da diplomacia lulista, lutando por um espaço nos grandes conflitos
Em uma eventual vitória do PT nas eleições presidenciais, a candidata Dilma Rousseff vai manter as incursões da política externa brasileira em assuntos polêmicos - ela pretende, inclusive, continuar tentando ter uma voz em conflitos como o do Oriente Médio e da questão nuclear iraniana, a exemplo do que fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Estilo à parte, o Brasil alcançou um espaço internacional que é absolutamente compatível com as ideias da Dilma e com sua própria personalidade", disse ao Estado Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais e principal formulador do programa de governo da candidata. "Quem não entra em questões espinhosas não pode ser presidente nem do Corinthians." Marco Aurélio é a alma da política externa da petista. O mais cotado para chanceler em um eventual governo Dilma é o atual secretário-geral do Itamaraty, Antonio Patriota.
Dilma encara a diversificação de mercados do governo Lula e aproximação com emergentes como um grande trunfo e pretende mantê-las, se chegar ao Planalto. Segundo Marco Aurélio, a "opção sul-americana" iria se aprofundar - ele vê países como a Venezuela e Colômbia fabricando equipamentos para o pré-sal brasileiro. Rebate as acusações de que o posicionamento do Brasil de não condenar o desrespeito a direitos humanos em países como o Irã e Cuba prejudique a reputação do País: "O Brasil não é uma ONG, que faz denúncias, o Brasil opera em episódios de direitos humanos de forma prática". E mantém vivas as críticas aos EUA: "Se os EUA insistem que temos de nos ocupar da América do Sul e eles se ocupam do mundo, isso não vai acontecer."
Boa parte da visibilidade do Brasil no cenário internacional está ligada ao presidente Lula. Como seria isso em um governo Dilma?
A Dilma é diferente e não pretende ser o Lula de saias. Ela vai ter seu estilo. Lula tem uma prodigiosa intuição, já a Dilma é uma pessoa de formação acadêmica, muito assertiva, firme em suas posições.
O Brasil manterá, se ela for eleita, o high profile de política externa?
Estilo à parte, o Brasil alcançou um espaço e responsabilidades internacionais absolutamente compatíveis com as ideias de Dilma e com a própria personalidade de Dilma.
Dá para ver a Dilma tentando mediar o conflito do Oriente Médio?
Por que não?
O que dá para fazer para melhorar o relacionamento com os EUA? Há ruídos, criados pelas divergências em Honduras, no Irã...
Não fomos nós que criamos ruídos. Se os EUA insistem que nós temos de nos ocupar da América do Sul e eles se ocupam do mundo, evidentemente, isso não vai acontecer. Precisamos ter paciência, vamos ver o que ocorre nas eleições nos EUA. Tivemos relações tão boas com os republicanos...
A química era melhor com o Bush?
Lula não apenas se declarou contra a guerra do Iraque, como começou a fazer uma articulação internacional. Em um tema tão crucial para o Bush, o Brasil soube se diferenciar e mesmo assim manter as relações com eles. O Bush veio aqui duas vezes, qual presidente americano veio duas vezes ao Brasil?
E o Obama não veio, e provavelmente não virá neste ano.
Durante um período não veio porque estava sem embaixador. Nós somos sensíveis às dificuldades que Obama enfrenta.
O presidente Lula ainda está chateado com Obama por causa do episódio do Irã?
O presidente Lula está um pouco decepcionado, porque tem muita estima pelo Obama. E uma grande expectativa.
Houve mudança na política dos EUA para a região?
Pouca. Os EUA deveriam ter sido mais peremptórios em Honduras. Não foram, sofreram pressão forte de conservadores.
Digamos que até o fim do ano, ou daqui a dois, o Ahmadinejad apareça com uma bomba nuclear. Com que cara o Brasil vai ficar?
O Brasil condenará duramente. Mas o Irã não vai aparecer com uma bomba.
Como é que vocês têm certeza?
Os americanos dizem que eles não têm. Nós estamos tentando impedir que eles tenham, e a melhor maneira é falando com eles.
Foi uma vitória para a diplomacia brasileira, apesar de o acordo não ter sido aceito?
Nós propusemos um caminho, que foi desconsiderado pelos EUA de forma brusca, ríspida e inamistosa.
No caso da Dilma, ela entraria também nessas questões espinhosas?
É claro, quem não está disposto a entrar em questões espinhosas não pode ser presidente nem do Corinthians.
Uma crítica da oposição: porque não vamos mediar as papeleiras no Uruguai em vez de um problema no Oriente Médio?
Quisemos mediar o caso das papeleiras, não foi aceita nossa mediação. Mediamos Equador e Colômbia, Venezuela e Equador. Recebemos aqui o Shimon Peres, o Mahmoud Abbas, o Ahmadinejad, o Bashar Al Assad, da Síria, e todos pediam que interviéssemos...
Talvez porque o Brasil evite fazer julgamentos sobre respeito aos direitos humanos?
Não é verdade, temos uma posição objetiva, temos votos no Conselho a ONU...
Mas o Brasil se abstém em votos de condenação ao desrespeito dos direitos humanos.
Essa posição de abstenção é histórica do Itamaraty, vem lá de trás.
E por quê?
Porque não queremos ser seletivos e politizar circunstâncias. As pessoas sabem de muitos países que têm gravíssimos problemas de direitos humanos, mas com os quais os EUA se dão muito bem, como a Colômbia. Os americanos têm complacência com países onde há apedrejamento a mulheres. O Brasil não é uma ONG, que faz denúncias . Ele opera em episódios de direitos humanos de forma prática. Quando há violações, nós agimos.
E na eleição do Irã?
Não sei qual é o problema da eleição do Irã.
Mataram manifestantes e prenderam oposicionistas. Isso não é um problema?
Sim, mas não é problema da eleição.
Mas prenderam membros da oposição...
Fizemos várias "démarches" junto ao Irã.
Lula comparou presos cubanos a presos comuns. Não é hora de ser mais assertivo em relação a direitos humanos em Cuba?
Eu conheço Cuba suficientemente para saber que qualquer declaração assertiva produz efeitos opostos.
E no Conselho de Segurança da ONU, continuamos buscando assento permanente?
Entramos em um período de transição que vai em direção a um mundo multipolar. Temos indícios econômicos e políticos da preeminência do sul sobre o norte. Ibas, BRICs, diálogo Sul-Sul, e episódios como Irã mostram isso. O episódio do Irã foi a entrada na cena internacional de dois personagens que não tinham sido convidados, que entraram com uma proposta importante.
O Brasil deveria fazer isso sempre?
Os países vão fazer normalmente, porque não podemos viver hoje sob a tutela de um sistema mundial que foi criado em 1945 e que hoje não tem mais impacto.
O que o sr. acha de flexibilizar o Mercosul e liberar o Brasil para acordos bilaterais?
Bobagem, porque não são os nossos parceiros que estão nos criando dificuldades. No caso da União Europeia foi a Argentina... Os problemas com a Argentina podem ser completamente resolvidos.
Não é necessário o Brasil se mostrar mais ativo em acordos bilaterais sozinho?
Podemos fazer isso com o Mercosul. O Mercosul não é, ao contrário do que o (candidato do PSDB, José) Serra tem dito, um estorvo. Nessas propostas de o Brasil fazer carreira solo em negociações bilaterais há, no fundo, uma tremenda nostalgia da Alca.
O fato de o Brasil não ter fechado nenhum acordo bilateral, a não ser com Israel, nos últimos anos, não indica problemas?
Capitaneamos um esforço coletivo que seria muito mais abrangente e levamos isso às últimas consequências (a Rodada Doha). Quem barrou? EUA e Índia. Agora a Índia está de acordo, mas os americanos não querem.
Doha continuaria como a grande aposta num próximo governo?
Eu estou cético. Vamos fortalecer uma negociação com a União Europeia.
Quais seriam os ajustes na política externa em um governo Dilma?
Temos de aprofundar a opção pela América do Sul, avançar nos projetos de substituição de importação com presença de capitais brasileiros, na Venezuela, na Bolívia.
Haverá proteção de contratos, para não repetir o problema da Odebrecht no Equador?
O problema da Odebrecht no Equador foi absolutamente isolado e já foi resolvido.
Quais outras maneiras haveria para investir na opção sul-americana?
Com o pré-sal teremos de criar uma gigantesca infraestrutura, que a indústria brasileira sozinha não terá condições de absorver. Será que não podemos ter produção desses componentes em outros países? Tem projetos agora na Venezuela, na Colômbia.
E para essa maior integração funcionar, não teria de ser resolvido o problema do protecionismo argentino?
O protecionismo argentino tem incidência marginal. Essas questões são marginais ante os grandes desafios como: a Venezuela vai se industrializar? E a Bolívia? Vamos nos transformar em um mercado de consumo regional, mais de 300 milhões de consumidores. Cada vez mais empresas investem aqui.
Sim, mas no Brasil. Para a Venezuela, onde há insegurança jurídica, ninguém vai.
O problema da Venezuela é menos de insegurança jurídica. O problema é que o modelo ainda não está plenamente configurado. A Venezuela ainda não rompeu com seu modelo petroleiro.
extraído do Blog do Favre