1/11/2011,
Pepe Escobar, ATol
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Quem
tenha acreditado que a Primavera Árabe tomaria o Golfo Persa e aquelas terras
conhecidas antigamente como Arabia Felix [1] tem hoje muitos motivos para
afundar em tristeza.
A
contrarrevolução árabe está mais forte que nunca – comandada pela Casa de Saud e
suas monarquias aliadas do Clube Contrarrevolucionário do Golfo (CCG), conhecido
oficialmente como Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). E seu mais precioso
aliado é o Pentágono.
O New York Times oficializou a coisa, repetindo discurso dos
especialistas da Casa Branca/Pentágono. Considerando-se que o NYT
não é exatamente um ícone da credibilidade jornalística desde que, em
2002/2003, publicou como matéria de capa aquelas estrondosas mentiras sobre o
arsenal atômico e/ou armas de destruição em massa que haveria no Iraque e as
relações carnais que haveria entre o Iraque e a al-Qaeda, a fala dos
especialistas tem de ser traduzida.
A crescente militarização do Golfo Persa
contrarrevolucionário – que se dá, sobretudo, pelo aumento no número de coturnos
no solo do Kuwait, e mais navios de combate – está sendo vendida como “resposta
a um colapso da segurança no Iraque ou a um confronto militar com o
Irã”. [2] Observe-se
que as duas “respostas” são pura futurologia desejante. As fontes marciais
do NYT insistem: “a retirada [saída dos EUA, do
Iraque] pode deixar instabilidade”. O fato é que o governo de Nuri al-Maliki em
Bagdá efetivamente pôs os EUA para fora de lá (o Pentágono queria deixar pelo
menos 20 mil pares de coturnos no solo iraquiano, depois do fim de 2011).
Daí
a necessidade de rearranjar a novilíngua do Comando Central do Pentágono [ing.
Pentagon Central Command (Centcom)],
como se houvesse um Plano B, uma nova grande “arquitetura da segurança” para o
Golfo Persa, já engarrafado de aviões e navios de guerra e até de mísseis de
defesa, tudo vendido como se fosse mero “marcar presença na região,
pós-Iraque”.
Quanto
à “ameaça de um Irã beligerante”, interesses bem precisos – partes do complexo
industrial-militar, todo o Partido Republicano, o lobby pró-Israel, a maior parte das corporações de
mídia – pedem, há anos, um ataque ao Irã.
O
major-general Karl R Horst, chefe do estado-maior do Centcom, é grande fã do
“empenho em construir capacidades parceiras e parceiros capazes” (traduzindo:
“ou vai, ou racha”). Horst vendeu ao
NYT o aumento de poder de
fogo no Golfo Persa como se fosse doce estratégia hollywwodiana, tipo “de volta
para o futuro”, focada em “deslocamentos menores, mas de melhores capacidades, e
treinamento de parcerias com militares regionais”.
Traduzindo:
muitas forças especiais, muitos aviões-robôs comandados à distância, os drones armados, e uma inflação das tais “parcerias”
de que o Pentágono e a Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, tanto
gostam. Isso é vendido como “modos mais eficientes para deslocar tropas e
maximizar a cooperação com parceiros regionais”; ou como o melhor modo para
“expandir relações de segurança”, sobretudo quando haverá “acentuado decréscimo
no número de analistas de segurança designados para a região” (traduzindo: os do
lençol na cabeça que façam o trabalho pesado).
Também
ajuda, que o Qatar e os Emirados Árabes Unidos (EAU) provaram seu ilimitado amor
pela OTAN na guerra da Líbia (enquanto o Bahrain e os EAU garantem os coturnos
no solo, no Afeganistão). Essa prontidão árabe para satisfazer os patrões vai um
passo além do mantra padrão (“os EUA não abandonarão seus compromissos no Golfo
Persa”).
Resumo
da ópera: pensem nisso tudo com o Clube Contrarrevolucionário do Golfo (CCG),
também conhecido como Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), lá implantado como
um anexo de fato, da OTAN.
Por
trás da “arquitetura da segurança”
Lá, longe, no Tadjiquistão – por onde andou examinando a
não-proliferação da Primavera Árabe na Ásia Central – a secretária de Estado dos
EUA Hillary Clinton encorajou o que imediatamente foi vazado para o NYT
como “robusta presença continuada” numa região que “deve ser liberta de
qualquer interferência externa para que persevere num caminho para a
democracia”. [3]
Quer
dizer que... maior militarização do Golfo Persa é resposta contra a
interferência externa de EUA/Arábia Saudita que atrapalham o curso para a
democracia? Não, não pode ser. Alguém aí terá de reescrever o script.
Todo esse cenário já era previsível desde quando
Washington fechou negócio com Riad para consolidar a contrarrevolução árabe:
você nos dá o voto da Liga Árabe para derrubarmos Muammar Gaddafi; e nós
deixamos você em paz para fazer o que quiser no Golfo Persa (ver “Exposed: The
US-Saudi”, Asia Times
Online, 2/4/2011.
Em
seguida, a Casa de Saud invadiu o Bahrain; o Qatar pôs-se a treinar os
“rebeldes” líbios da OTAN em seu próprio território, ao mesmo tempo em que
enviava forças especiais qataris para a Líbia. E, agora, aí está: uma “aliança
de segurança multilateral, mais forte” entre o Clube Contrarrevolucionário do
Golfo (ou Conselho de Cooperação do Golfo), CCG, e o Pentágono.
Senadores norte-americanos perdidos no espaço, a repetir
que a retirada dos EUA do Iraque será interpretada “como vitória estratégica dos
nossos inimigos no Oriente Médio” [4], é
business, como sempre.
Mas
coisa muito diferente é ver o
NYT fazendo papel de bobo
– ou, de fato, tratando os leitores como idiotas – e engolindo a ideia, da
propaganda saudita, segundo a qual “o Irã é a mais grave ameaça” que
preocupa(ria) todos os países do CCG, “além do próprio Iraque”. É como se o
jornal fosse editado em Riad.
Mas
a verdade é que toda a política externa do governo Barack Obama para o Oriente
Médio parece mesmo editada em Riad. Basta ver as grandes empresas de mídia
curvadas até o chão para beijar a barra da túnica do novo príncipe coroado (o
primeiro, na linha sucessória) da Casa de Saud, príncipe Nayef bin Abdul
Aziz.
Nayef,
78 anos, sempre apoiado pelo nec
plus ultra do medievalismo e da
contrarrevolução, maldita Primavera Árabe, é, em pessoa, o Inquisidor-mór da
Casa de Saud. Desde 1975 comanda o aparelho de segurança no Ministério do
Interior, o qual, com a Guarda Nacional treinada nos EUA, fiel ao frágil rei
Abdullah, 87 anos, são os dois corpos mais bem armados da Arábia Saudita.
Nayef
é o Darth Vader de uma força paramilitar de 130 mil homens, de toda a polícia
local e nacional, da alfândega, da imigração, da guarda costeira, da guarda de
fronteira e da temida polícia religiosa. A resposta de seu ministério à
Primavera Árabe foi pancadaria sem parar. Todos os suspeitos de algum dia ter
tentado iniciar uma manifestação política, para nem falar em movimento político,
estão presos. O que inclui a rapaziada que distribuiu vídeos por YouTube.
Há
pelo menos 20 mil presos políticos em prisões sauditas. Desde abril, é crime
“ameaçar a segurança nacional” ou “insultar o Islã”. Nayef foi responsável pela
imprecisão do texto da lei e tudo que isso implica. Quem se meter a tentar
“Occupy Riad” ou “Occupy Jeddah” será decapitado.
E, para seus incontáveis fãs em Washington, que se
emocionam com seus 36 anos de currículo “no contraterrorismo”, Nayef é um
“conservador pragmático”. Virou título honorífico, desde que se leu a expressão
em telegrama secreto, de 2009, ao Departamento de Estado dos EUA, revelado por
WikiLeaks [5].
Não
surpreende que Nayef seja amado em Washington. Santíssima Trindade, para ele, é
Washington e Riad unidos pela pélvis: odeia o Irã e todos os xiitas (inclusive
os xiitas sauditas); e é uma vida dedicada a combater a al-Qaeda.
Ninguém
fala do ódio visceral que nutre por todos os direitos da mulher e por todos os
direitos democráticos. É onde entra, utilíssimo, o rótulo de “conservador nas
questões sociais”. No início da Primavera Árabe, Nayef declarou que os
tunisianos eram “franceses, basicamente”. Dos habitantes da cidade do Cairo,
disse que não passavam, todos, de “urbanos desavergonhados” [orig. “louche urbanites”]. Os únicos
verdadeiros árabes eram os sauditas: democracia, para os sauditas (ou é o que a
Casa de Saud pensa, por todos) é coisa para maricas.
Na
política interna da Casa de Saud, aquele reino de intrigas palacianas, de
machões solitários dos desertos que amam pintar os bigodes de
negro-cor-da-asa-da-graúna, a principal oposição a Nayef não vem de seus irmãos,
os poderosos “sete Sudayri”, que já são cinco (depois da morte do rei Fahd e,
recentemente, do príncipe Sultan), batizados com o nome da tribo da mãe, Hassa,
esposa favorita de Ibn Saud.
Gerontocracia
é o nome do jogo: as condições de saúde dos irmãos Bandar, Musaid e Mishaal são
precaríssimas. Quanto ao irmão Salman, governador de Riad, gosta de posar de
jornalista: é dono do jornal Asharq
al-Awsat.
Os
principais opositores de Nayef são os sobrinhos de Ibn Saud, começando pelo
matreiro ex-embaixador em Washington, Bandar bin Sultan, também conhecido como
“Bandar Bush”; o príncipe Talal, pai do bilionário príncipe al-Waleed; o
vice-ministro da Defesa Khaled bin Sultan; e o príncipe Turki al-Faisal,
ex-chefe da inteligência nos anos 1980s e ex-amigão de Osama bin Laden.
Mas
nenhum desses ameaçará Nayef; o que interessa à Casa de Saud é que a dinastia
sobreviva. Com o rei Abdullah já às vésperas de reunir-se ao Criador, o
Pentágono não poderia encontrar parceiro regional mais confiável: Nayef, o
Inquisidor-mór.
Em
breve, a OTAN reinará sobre todo o Mediterrâneo, lago da OTAN. O Africom está
implantando-se cada vez mais fundo, e fundo, na África. O Centcom reina no Golfo
Persa, com todo o CCG em fila. Democracia é coisa para maricas. Não há business como o
business da “arquitetura
da segurança”.
Notas
dos tradutores
[1]
Ptolomeu referiu-se à região como
Eudaimon Arábia (gr.), em
latim Arabia Felix, “feliz
Arábia”.
[2] NYT, 29/10/2011, Thom Shanker e Steven Lee Myers, “U.S. Planning Troop Buildup in Gulf After Exit
From Iraq ”.
[4]
Senador John McCain, 21/10/2011, em Político.
[5]
“...
mas, mais acuradamente, se pode descrevê-lo como um conservador pragmático,
convencido de que segurança e estabilidade são imperativos para preservar o
reino saudita e garantir prosperidade aos cidadãos sauditas” (trecho do
telegrama 09RIYADH1402,
23/10/2009)
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