12/8/2012, MK Bhadrakumar*, Rediff Blogs, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O
artigo publicado essa semana no Washington Post e assinado pelo ministro
das Relações Exteriores do Irã Ali Akbar Salehi foi claramente dirigido às
potências ocidentais. Os processos de pensamento são complexos, mas diretos – um
mix de advertências e aberturas.
Lakhdar Brahimi |
O
timing da coluna no WaPo merece atenção: a missão de Kofi Annan
gorou e Lakhdar Brahimi está saindo das sombras. Brahimi é o especialista em
conflitos que envolvam forças islamistas — logo vêm à cabeça o Líbano, o
Afeganistão – preferido do ocidente. Tem currículo consistente na arte de criar
a ilusão de que haja negociações em curso onde nenhuma negociação exista, e a
real discussão prossiga, inalterada, no campo de batalha. Kofi é independente
demais; Brahimi obedece, em tempo integral. No
momento, o ocidente quer muitíssimo Brahimi.
Em
segundo lugar, a luta na Síria está trocando de marcha. A guerra civil começa a
pleno vapor. O suprimento de mísseis Stinger, da Turquia para os rebeldes
sírios, está pensado para mudar completamente o jogo. Contra esse pano de fundo,
a visita que a Secretária de Estado Hillary Clinton dos EUA fez nesse fim de
semana a Istambul também é altamente simbólica. Foi pensada para inflar a moral
murcha da liderança turca. Isso dito, Teerã avalia que também pode ser
inspirador avançar sobre o ocidente – Washington incluída – com vistas aos
movimentos futuros. No momento, Teerã já se habituou à retórica de Clinton,
nuvem para encobrir a angústia.
Kofi Annan |
Em
terceiro lugar, Rússia e China recolheram-se às coxias e estão cuidando, cada
uma, da própria vida rotineira. Assim, a arena da paz ficou deserta. Todos os spots estão acesos, mas o palco está
vazio. Então o Irã avança, com uma abertura letalmente atraente e super
excitante.
É
difícil dar simplesmente as costas à oferta iraniana, embora seja também oferta
intrigante de aproximação a uma porta que, sabe-se lá, talvez abra diretamente
para o jardim florido. Claro: é oferta que não serve aos EUA – e, provavelmente,
Salehi também sabe disso. Mas ninguém perde nada por tentar.
Salehi
alerta que o Irã não permitirá que EUA e Turquia marchem sobre a Síria como se
marchassem sobre grama fofa. A guerra civil será sangrenta, dura e longa e é
possível que faça os 15 anos de conflitos no Líbano parecerem piquenique. (Por
falar nisso, dos cacos do Líbano brotou o Hezbollah.) Obviamente, a aposta é
alta, para o Irã, porque vive na mesma região, e o Irã defenderá seus interesses
essenciais absolutamente a qualquer custo. Mas o ocidente ou a Turquia
suportarão uma guerra longa na Síria?
Salehi
destaca que usar o islamismo como instrumento de política tampouco funcionará.
Por quê? Porque o aliado natural dessas forças históricas é o Irã, não os EUA e
a Turquia. É o mesmo que dizer que, no longo prazo, só o Irã pode vencer na
Síria (ou no Egito), com ou sem mudança de regime. Além do mais, o Afeganistão
também é prova de que a volta do chicote no lombo do chicoteador é inevitável,
se o mundo cristão tenta manipular forças islâmicas.
Contudo,
o Irã está interessado em cooperar com o ocidente, dado que seus interesses
repousam, primariamente, na estabilidade regional e em campo de jogo limpo e
aplainado. Assim sendo, o Irã deseja jogar o mesmo jogo que jogou quando
auxiliou a invasão dos EUA ao Afeganistão para derrubar o regime dos Talibã e
quando se mostrou tão extraordinariamente comedido no Iraque (onde o Irã, se
quisesse, poderia ter tornado as coisas muito mais sanguinolentas para os EUA).
A
grande questão é a natureza da “cooperação” que Teerã tem em mente. Salehi deixa
bem claro que o Irã considera inaceitável que Bashar seja derrubado da noite
para o dia. É indispensável que haja alguma transparência e clareza no processo,
antes de Bashar deixar o governo. Bashar, afinal, também é parte da nação síria
e tem também seus direitos.
Assim
sendo, Salehi tenta o ocidente com uma proposta: a comunidade internacional deve
conseguir que Bashar candidate-se e concorra a uma eleição à presidência da
Síria, eleição livre e justa, sob supervisão internacional. Afinal, só a nação
síria tem direito e competência para rejeitá-lo.
Bashar al-Assad |
Agora...
A proposta de Salehi será aceita em Washington ou Ankara
(Istambul), Riad ou Doha? A resposta é rotundo “não”. O espectro que assombra o
ocidente é que, em eleições livres e justas, é perfeitamente possível que os
sírios escolham Bashar como âncora de estabilidade para seu país. Sem dúvida,
sim, o fator NHA (“Não Há Alternativa” a Bashar) tem seu peso, se se espera que
a frágil sociedade multicultural síria não rache em pedaços.
Para piorar,
eleição livre e justa na Síria (depois da que houve no Egito, com resultado
diferente do previsto) sempre será anátema para os xeiques árabes do Golfo. É
ideia perigosa, essa de o chefe de estado ser eleito. Se a perniciosa ideia
funciona para a Síria, o povo saudita bem pode começar a pensar que também
merece a mesma prerrogativa, afinal, já na segunda década do século 21. E muito
obviamente, tampouco os EUA quererão libertar o gênio da garrafa democrática.
Salehi jogou uma bela cartada. Abaixo, podem lê-lo, de viva voz, no artigo
publicado no Washington Post.
Assumir a
liderança, na solução para a Síria
Ali Akbar Salehi |
8/8/2012, Ali Akbar Salehi, Washington Post
“Taking the lead on Syria” (traduzido)
Os
humanos frequentemente erramos quando não aprendemos com a história, mesmo a
história recente. Guerra civil no Levante não é coisa do passado remoto. Com a
Síria mergulhando em violência sempre crescente, os 15 anos de guerra civil no
Líbano deveriam servir como assustadora lição sobre o que acontece quando se
rompe a tessitura de uma sociedade.
Quando
o Despertar Islâmico – também chamado Primavera Árabe – começou em dezembro de
2010, todos vimos as multidões em levante, clamando por seus direitos. Todos
testemunhamos a emergência de movimentos civis que exigiam liberdade,
democracia, dignidade e autodeterminação.
Em
Teerã, acompanhamos deslumbrados e felizes aqueles desenvolvimentos. Afinal, um
movimento de cidadãos a exigir as mesmas coisas que muitos árabes desejam hoje
foi o que levou à emergência de nossa República Islâmica, em 1979. Ao longo das
últimas três décadas, o Irã afirmou e reafirmou consistentemente que é dever de
todos os governos respeitar os desejos e clamores do próprio povo. Mantivemos
essa posição enquanto se desenrolava o Despertar Islâmico, sem mudanças
enviesadas que variassem conforme a localização do movimento civil. Sempre
estivemos a favor da mudança para atender aos clamores populares, fosse na
Síria, no Egito, ou em qualquer outro ponto.
Mas
o que querem para a Síria outros membros da comunidade internacional?
Infelizmente, tem havido respostas conflitantes aos movimentos civis que varrem
o mundo árabe. Exemplos gritantes dessas contradições veem-se no Bahrain e no
modo como alguns países responderam à brutalidade da repressão contra a
população naquele país.
A
resposta europeia à crise na Síria tem sido particularmente contraditória.
Pouco, praticamente nada, se diz sobre a presença de número sempre crescente de
extremistas armados na Síria. Apesar de sempre preocupados com o crescimento do
extremismo no Afeganistão, a milhares de quilômetros de distância, os líderes
europeus não dão sinal de preocupação ante o fato de que, muito rapidamente,
poderão ter um Afeganistão bem ali, à porta de casa.
Tomando emprestadas palavras de
meu respeitado amigo Kofi Annan, que há poucos dias renunciou ao posto de
enviado especial da ONU para o conflito sírio [1], depois de ver seus esforços para construir
a paz serem repetidamente boicotados, meus militares sozinhos não conseguirão
por fim à crise, e qualquer agenda política que não seja nem inclusiva nem
compreensiva também falhará.
O
Irã busca uma solução que interesse a todos. A sociedade síria é um belo mosaico
de etnias, fés e culturas, e será reduzida a cacos, se o presidente Bashar
al-Assad for deposto por meio violento. A ideia de que, depois da remoção
violenta do presidente sírio, seja possível algum tipo de transição ordeira não
passa de ilusão.
Embora
os esforços de Annan para por fim a crise estejam encerrados, seu plano de seis
pontos para mudança política mantém-se vivo e forte. Por que continuar a semear
a discórdia, quando a situação pode ser resolvida racionalmente, com sabedoria e
prudência? Os que apoiam a violência na Síria não veem que jamais conseguirão o
que querem, pelos meios que usam.
Mudança
política abrupta sem um mapa do caminho para uma transição política administrada
só levará a situação cada dia mais precária que desestabilizará uma das regiões
mais sensíveis do mundo. O Irã é parte da solução, não do problema. Como o mundo
testemunhou durante a última década, atuamos como força de estabilização no
Iraque e no Afeganistão, dois outros países muçulmanos jogados hoje em
torvelinho. A estabilidade de nossa região é essencial para a paz e a
tranquilidade mundiais.
Algumas
potências mundiais e certos estados na região têm de parar de usar a Síria como
campo de batalha para definir disputas por influência. A única saída para o
impasse é oferecer aos sírios uma chance de encontrarem, eles mesmos, a saída.
Tomando
em consideração o plano de seis pontos de Annan, o Irã espera conseguir reunir
países que pensem da mesma forma para implementar três pontos essenciais: obter
imediato cessar-fogo, para por fim à matança; enviar ajuda humanitária ao povo
sírio; e preparar o terreno para um diálogo que resolva a crise.
Anuncio
aqui a disposição do Irã para receber, como anfitrião, uma reunião de países
comprometidos a implementar imediatamente esses passos, com vistas a por fim à
violência. Como parte de nosso compromisso com resolver a crise, reitero nossa
disposição para facilitar conversações entre o governo sírio e a oposição e para
realizar no Irã, esse diálogo.
Além
disso, alinhado com o plano de seis pontos de Annan, declaro mais uma vez o
apoio do Irã a um processo de reforma política na Síria, que permita que o povo
sírio decida sobre o próprio destino. Aí se inclui assegurar que os sírios têm
pleno direito de votar em eleições livres e justas, a serem organizadas, sob
supervisão internacional.
Com o mês sagrado
do Ramadan aproximando-se do fim, rezo para que os sírios possam quebrar seu
jejum em paz e estabilidade, o mais rapidamente possível – em nome dos
interesses dos sírios e de todo o mundo.
Nota
de rodapé:
[1] 2/8/2012, Washington Post, em: “Kofi
Annan quitting as envoy to Syria, blasts nations’ inability to unite to stop
violence”
MK
Bhadrakumar*
foi
diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União
Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu, Asia Online e Indian
Punchline. É o filho mais velho
de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de
Kerala.
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