25/5/2012, Étienne Balibar, Guardian, UK
(sugestão de Nicolás Varela)
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Étienne Balibar |
Num
único mês, vimos o primeiro-ministro grego George Papandreou anunciar o possível
calote de seu país; um vasto empréstimo-resgate europeu ser-lhe oferecido, sob a
condição de impor cortes devastadores no orçamento, seguida a oferta,
imediatamente, pelo rebaixamento da qualidade dos papéis das dívidas de Portugal
e Espanha; ameaças contra a própria sobrevivência do euro, criação (sob forte
pressão dos EUA) de um fundo europeu de seguro (das dívidas) no valor de €750
bilhões; a decisão, pelo Banco Central Europeu (contra o que determinam seus
próprios estatutos) de resgatar dívidas contra os fundos soberanos, e, afinal,
o anúncio de medidas de austeridade em vários estados-membros da União Europeia.
Bem
claramente, é só o começo da crise. O euro é o elo fraco da cadeia – como a
própria Europa. Cabem só poucas dúvidas de que estejam a caminho consequências
catastróficas.
Em
resposta, os protestos gregos foram plenamente justificados. Primeiro, porque
todos vimos que todo o povo grego denunciou a manobra. Segundo, porque mais uma
vez o governo traiu suas promessas eleitorais, sem qualquer forma de debate
democrático. Por último, a Europa não manifestou nenhuma real solidariedade a
nenhum dos seus estados membros, e ainda impôs as regras coercitivas do FMI, que
não protegem as nações, mas os bancos.
Nicolás Varela |
Os
gregos foram as primeiras vítimas, mas dificilmente serão os últimos, de uma
política de “resgatar a moeda europeia” – medidas que todos os cidadãos deveriam
poder debater, porque todos serão afetados pelo resultado. E a pouca discussão
que houve é fortemente enviesada, porque as determinações essenciais são
ocultadas ou desmascaradas.
Na
forma atual, sob a influência das forças sociais dominantes, a construção
europeia pode ter produzido algum grau de harmonização institucional, e
generalizou alguns direitos fundamentais, o que não é desprezível, mas, ao
contrário dos objetivos declarados, não produziu qualquer evolução convergente
das economias nacionais, ou zona de prosperidade partilhada. Alguns países são
dominantes, outros são dominados. Os povos da Europa podem não ter interesses
antagônicos, mas as nações sim têm, e cada vez mais antagônicos.
Em
segundo lugar, qualquer estratégia keynesiana para gerar “confiança”
pública na economia depende de três pilares interdependentes: moeda estável,
sistema racional de impostos, mas também política social que vise ao pleno
emprego. Esse terceiro aspecto é sistematicamente ignorado na maioria dos
comentários.
Além
disso, todo o debate sobre o sistema monetário do euro e o futuro da Europa
continuará absolutamente debate abstrato, se não for articulado às reais
tendências da globalização, que a crise financeira acelerará com muita força, a
menos que sejam politicamente dirigidas aos povos que elas afetam e seus
líderes.
Vivemos
hoje uma transição de uma modalidade de competição internacional, para outra:
não mais competição entre (principalmente) capitais produtivos, mas competição
entre territórios nacionais, que usam as isenções de impostos e pressão sobre os
salários do trabalho para atrair mais capital flutuante que os vizinhos.
Agora,
claramente, se a Europa opera como sistema efetivo de solidariedade entre os
membros para protegê-los de “riscos sistêmicos”, ou simplesmente delineia um
quadro jurídico para promover maior grau de competição entre eles, determinará o
futuro da Europa, politicamente, socialmente e culturalmente.
Mas
há uma segunda tendência: uma transformação da divisão internacional do
trabalho, que desestabilize radicalmente a distribuição do emprego no mundo. É
uma nova estrutura global na qual norte e sul, leste e oeste, estão, hoje,
trocando de lugar. A Europa, ou a maior parte dela, conhecerá aumento brutal das
desigualdades: colapso das classes médias, encolhimento dos postos de trabalho
qualificados, deslocamento de indústrias produtivas “voláteis”, regressão no
bem-estar e direitos sociais, e destruição das indústrias culturais e serviços
públicos em geral. Com isso, se precipitará o retorno dos conflitos étnicos que
a construção europeia desejava superar para sempre.
Só
resta, pois, propor a pergunta: estamos no começo do fim da União Europeia, cuja
construção começou há 50 anos, baseada numa utopia velha, que hoje se expõe como
incapaz de cumprir o que prometeu? A resposta, infelizmente, é sim: mais cedo ou
mais tarde, será inevitável e possivelmente não sem tumulto e violência. A menos
que encontre a capacidade para recomeçar em bases radicalmente novas, a Europa é
projeto político morto.
Mas
o fim da União Europeia abandonará inevitavelmente os povos aos azares da
globalização em grau ainda maior. Por outro lado, uma refundação da Europa não
garante qualquer sucesso, mas, pelo menos, dá-lhe uma chance de alguma
alavancagem geopolítica. Mas sob uma condição: que todos os desafios envolvidos
na ideia de uma forma nova de federação pós-nacional sejam enfrentados com
seriedade e coragem. Implica construir uma autoridade pública comum, que não é
nem estado nem simples “governança” por políticos e especialistas; garantir
equidade genuína entre as nações, o que implica combater contra todos os
nacionalismos reacionários; e, sobre tudo, implica reviver a democracia no
espaço europeu, que opere, portanto, contra os atuais processos de
“des-democratização” ou de “estatismo sem Estado” que o neoliberalismo inventou.
Já
se reconheceu pelo menos um óbvio: não haverá progresso rumo ao federalismo na
Europa (o mesmo que agora alguns pregam e pelo qual advogam, com razão), se a
própria democracia não evoluir para além das formas atualmente existentes, de
modo a permitir influência cada vez maior das populações nas instituições
supranacionais.
Pergunta:
Significará isso que, para reverter o curso da história recente, para sacudir a
letargia da construção política hoje em ruínas, carecemos de algo semelhante a
um populismo europeu, um movimento simultâneo ou insurreição pacífica das massas
populares, que gritarão sua ira como vítimas da crise contra os autores e
beneficiários da crise, exigindo um “controle pelos de baixo” sobre as
negociatas secretas e negócios escusos de que vivem mercados, bancos e estados?
Sim, sem dúvida alguma. Concordo que possa levar a outras catástrofes. Mas o
risco é maior, se prevalecer o nacionalismo, não importa sob que forma.
Nessa
parte do mundo, essas forças são tradicionalmente conhecidas como “a esquerda”.
Mas a esquerda europeia que sobrou também está falida. No espaço político mais
amplo, ultrapassando fronteiras, o que é hoje relevante, perdeu completamente a
capacidade para expressar as lutas sociais ou lançar movimentos emancipatórios.
“A esquerda” europeia rendeu-se aos dogmas e axiomas do neoliberalismo.
Consequentemente, desintegrou-se, como pensamento. Sem suporte popular forte, os
partidos da esquerda europeia, que a representam só nominalmente, são hoje
espectadores impotentes da crise, para a qual não oferecem qualquer resposta
específica ou coletiva.
Pode-se
bem perguntar, nessas condições, o que a acontecerá quando a crise entrar em
suas próximas fases? Haverá movimentos de protesto quase com certeza, mas se
perceberão isolados, sós, e possivelmente tomarão o desvio da violência, ou
serão capturados pelo racismo e pela xenofobia (que já brotam por toda parte, à
nossa volta).
Mas
a questão diz respeito também aos intelectuais: o quê, como, qual poderia ser um
plano de ação política elaborado democraticamente contra a crise no plano
europeu? Responder essa pergunta é tarefa dos intelectuais progressistas, sejam
reformistas ou revolucionários; discutir essa questão e correr os riscos. Nunca
serão perdoados se nem, pelo menos, tentarem.
*Versão editada do artigo “Final
Crisis? Some Theses” publicado, na íntegra, na edição de junho do
jornal online Theory and
Event (John Hopkins
University Press),
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.