“Privatizações e desregulação
jamais geraram ou gerarão qualquer crescimento”
20/10/2012, Paul Jay entrevista Costas Lapavitsas - TRNN
Vídeo traduzido da transcrição
pelo pessoal da Vila
Vudu
PAUL
JAY, editor sênior de TRNN:
Bem-vindos à The Real News Network. Sou Paul Jay, em Baltimore.
Na
Grécia, a recessão aprofunda-se e a sociedade está em colapso. Hoje, conosco,
temos Costas Lapavitsas, de Londres. Costas é professor de Economia da Escola de
Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres; membro do instituto de
Pesquisas sobre Dinheiro e Finanças; e colunista do Guardian. A partir de
agora, passa a trabalhar também como colaborador regular de TRNN. Seu
mais recente livro é Crisis in the Eurozone [Crise na Eurozona]. Obrigado
por nos receber mais uma vez, Costas.
COSTAS
LAPAVITSAS:
É um prazer.
JAY:
Você está indo à Grécia praticamente a cada 15 dias. O que está acontecendo?
Merkel visitou o país há poucos dias.
LAPAVITSAS:
A visita da chanceler Merkel esteve em todas as manchetes, obviamente. A visita, em minha opinião, significou três coisas. Para começar, foi repentina. De
repente, Merkel apareceu lá. Entendo que signifique três coisas.
Primeiro,
mostra que os países centrais da Eurozona, a Alemanha principalmente, não
expulsarão a Grécia. Digo isso, porque muito se discutiu, nos últimos tempos,
sobre expulsar a Grécia, como meio para resolver todos os problemas. OK, a
visita significa que não acontecerá. O núcleo duro da eurozona não expulsará a
Grécia, desde que a Grécia continue a obedecer os termos do acordo, embora a
Grécia esteja atrasada no processo, ande lentamente, etc. A Grécia terá ainda de
aceitar alguns detalhes menores, mas, não, a Alemanha não expulsará a Grécia.
E
a Alemanha não expulsará, porque o custo de expulsar a Grécia agora é,
potencialmente, gigantesco. O próprio euro sofrerá terrivelmente. Pode chegar ao
colapso. E o sistema financeiro global também sofrerá terrivelmente, se a Grécia
for expulsa. A Grécia não será expulsa da eurozona: esse, então, é o primeiro
significado da visita de Merkel.
A
segunda coisa que se pode ver na visita da chanceler Merkel é que a elite grega,
os que fazem as políticas – e falo não só dos partidos políticos, mas também dos
burocratas e outros que tomam decisões políticas na Grécia – absolutamente não
têm qualquer estratégia diferente, que não seja continuar na Eurozona. Não veem
qualquer outra alternativa, não produziram qualquer outra visão estratégica que
não seja permanecer na Eurozona. Farão o que tiverem de fazer para permanecer na
Eurozona, seja o que for, não importa o que seja.
A
terceira coisa que apareceu bem clara durante a visita de Merkel é que a
sociedade grega, nesse momento, está catatônica, de fato, paralisada. É horrível
de ver. As pessoas estão sem força, sem esperança. Não confiam em nada e
ninguém. Estão em fúria, sim, mas o sentimento dominante é o desejo de que
apareça alguém que os tire da situação em que estão. Em outras palavras,
a sociedade está ruindo. Está sendo destruída, diariamente, um pouco mais a cada
dia.
Ora...
A combinação dessas três coisas é absolutamente instável, é explosiva. E esse é
o sofrimento que aguarda os gregos no futuro imediato. Em outras palavras, os
gregos só têm a esperar mais instabilidade, econômica e política, no futuro
imediato, na Grécia.
JAY:
Eu... Em entrevista que fiz há alguns anos, com Noam Chomsky, ele disse algo que
me voltou à cabeça, agora... A sociedade alemã aceitou Hitler muito rapidamente,
se se pensa em como andaram rapidamente de uma Berlim progressista, de
vanguarda, para uma Berlim fascista. O que quero dizer é... Há perigo de
acontecer coisa semelhante na Grécia?
LAPAVITSAS:
Ah, o perigo é muito real. Muito real. Quero dizer... O centro da política, as
organizações políticas que dirigiram a Grécia por 40 anos foram esvaziadas.
É
que... As pessoas não entendem. Pensam que o estado grego sempre tenha sido
muito fraco, ineficiente, que os políticos gregos sejam incompetentes, a
conversa de sempre. Tudo isso é bobagem. O estado grego foi muito eficiente e
capaz de oferecer muita coisa à sociedade grega. A Grécia é um país de renda
média, o sistema político grego sempre foi dos mais estáveis, talvez o mais
estável, da Europa. Dois partidos alternavam-se no poder e nada mudou por 30, 40
anos.
Agora,
acabou. Aquela estabilidade acabou. Aqueles dois partidos estão completamente
desacreditados. O centro foi esvaziado, está vazio. E partidos da esquerda e da
extrema direita estão se fortalecendo.
Isso
é reflexo do que lhe disse antes, sobre a confusão, a desilusão e a ira
generalizada entre os cidadãos comuns. Já não procuram soluções nos espaços do
centro: estão procurando soluções nos pontos extremos do espectro político. No
momento, o lado predominante é a esquerda. Estão olhando para a esquerda,
esperando soluções da esquerda, da coalizão SYRIZA.
Mas,
sim, cada dia mais gente, gente habituada a seguir a direita, está hoje, também,
olhando para a extrema direita. É reação lógica. Se o centro-direita acabou
desacreditado, muita gente de centro olha para a extrema direita – que promete
“mãos limpas”, “transparência”, o “fim da corrupção”, mais negócios com
investidores estrangeiros (como eles entendem esses processos)... Esse processo,
sim, pode ser muito rápido. Pode andar muito depressa.
JAY:
Então... Em que pé estão as coisas, em termos de processo? Na última vez que
conversamos, você – sabe... a questão era quanto tempo esse governo duraria, as
pessoas completamente indignadas com aquelas medidas ‘de austeridade’, e que
havia reais possibilidades de, se houvesse eleições, SYRIZA vencer... SYRIZA,
essa aliança de forças de esquerda que se organizaram em partido eleitoral. Que
chances há de novas eleições e vitória de SYRIZA?
LAPAVITSAS:
Prefiro falar, antes, de economia e sociedade e, depois, falamos de política.
O
que está acontecendo na economia é continuação do mesmo desastre que já se via
há dois anos e sobre o qual conversamos, daquela vez. Todos os indicadores
econômicos pioraram e continuam piorando. O mais recente, sobre o qual acho que
não conversamos daquela vez, são as exportações.
Desde
o final de 2010, o único indicador que ainda parecia levemente positivo na
Grécia eram as exportações. O mercado interno grego ficou completamente sem
saídas, e as exportações apareceram como saída ainda possível e funcionou, por
algum tempo. Agora, isso também acabou. As exportações para a União Europeia já
vinham caindo há algum tempo. Agora, outras exportações, para outros mercados
fora da União Europeia também começaram a cair, provavelmente por falta de
crédito para empresas exportadoras.
O
que se vê, assim, é que todos os elementos da demanda encolhem. É situação
completamente sem precedentes. O desemprego, consequentemente, também já alcança
picos sem precedentes. O mais recente indicador de desemprego foi divulgado
ontem: 25,1% de desemprego agregado. Entre os jovens, o desemprego já chega a
55%, ou bem perto disso. A economia real já está em colapso. Basicamente, a
Grécia está recuando, está contraindo, passando de economia de renda média, para
economia de baixa renda. O que está acontecendo é isso.
Ora,
nesse contexto de declínio, a estabilização fiscal é inacreditavelmente difícil,
como se pode imaginar. Se o PIB está em contração, é cada dia mais difícil, mais
difícil, até ser absolutamente difícil, impossível, para o governo alcançar
algum equilíbrio entre entradas e saídas. E o governo continua cortando,
continua criando novos impostos... Acontece assim sempre, em economias em
declínio, em que a base de arrecadação é declinante: o que já está ruim, só pode
piorar. OK, o déficit diminui, mas sem nenhuma estabilização. Portanto, a
qualquer momento, as contas do governo podem facilmente explodir. A
estabilização fiscal é terrivelmente difícil, e cada dia mais difícil.
A
última coisa que está acontecendo (e conectada a essas todas) é, claro, a dívida
pública. A dívida grega está ficando completamente inadministrável. Em março,
houve cancelamento de dívidas gregas, dívidas de credores privados. Foi
terrível, o que aconteceu em março, porque aquele cancelamento foi organizado
pelos próprios bancos credores. Em outras palavras: os bancos estrangeiros
pularam fora, depois de obter para eles mesmos as melhores condições possíveis;
e a pressão total do cancelamento das dívidas caiu sobre os bancos gregos e
sobre os fundos de pensão gregos etc., que foram esmagados. E o impacto sobre o
total agregado da dívida foi mínimo. Os bancos intermediários, que administram
esse processo, tiveram lucros imensos. E, no final, a redução da dívida grega
foi, de fato, quase zero. Volta-se ao ciclo dos empréstimos tomados pelo Estado.
Some
a isso o PIB que só cai... e a pressão da dívida grega é hoje maior que antes. A
dívida está completamente fora de controle.
De diferente, hoje, que a Grécia de hoje deve grande parte de sua dívida a bancos oficiais. Quando essa crise começou, há três anos, a Grécia tinha uma grande dívida externa, mas devia a credores privados, e a dívida era regida pela legislação grega.
De diferente, hoje, que a Grécia de hoje deve grande parte de sua dívida a bancos oficiais. Quando essa crise começou, há três anos, a Grécia tinha uma grande dívida externa, mas devia a credores privados, e a dívida era regida pela legislação grega.
[Nota
da Vila Vudu: “Em momento semelhante, no Brasil, o governo Lula pagou o que
devia ao FMI e despachou daqui aquele “sub-do-sub-do-sub”, lembram? Grande
Presidente Lula! Grande Presidenta Dilma! #Haddad”]
Naquele
momento, a Grécia teria podido reestruturar bem facilmente aquela dívida. Claro,
reestruturar dívidas nunca é fácil, mas as condições, há três anos, eram
favoráveis à Grécia. Hoje, três anos depois de resgates e ajudas, a Grécia
padece sob dívida ainda maior. E agora deve a bancos oficiais e a dívida é
regida pela legislação britânica. A Grécia perdeu a possibilidade de
reestruturar unilateralmente a própria dívida. Claro que, hoje, a situação é
muito, muito mais difícil.
A
combinação de todos esses fatores – declínio da economia, finanças públicas cada
vez mais precárias e dívida fora de controle – demonstra fartamente que todo o
programa, até agora, já fracassou ou está fracassando dramaticamente.
JAY:
E as privatizações? Como está o processo de vender patrimônio público?
LAPAVITSAS:
Essa é o outra face do mesmo programa. Chamo de “lado desenvolvimento”... Todos
os programas do FMI sempre têm dois lados, um “lado estabilização” e um “lado
desenvolvimento”. Falei até aqui sobre o “lado estabilização”, já absolutamente
fracassado.
O
“lado desenvolvimento” parece ter sido pensado e implantado pela mesma filosofia
do FMI e da União Europeia, que envolve privatização, desregulação, baixos
salários e aumentar a eficiência do Estado, que seria “modernizado”.
As
privatizações, como se vê, não foram bem sucedidas, porque, obviamente, sem
considerar todos os outros fatores, o momento atual, na Grécia, é o pior
momento, em toda a história, para vender patrimônio público, porque os preços
desabaram. É venda de liquidação, para “fechar”. Nunca, antes, houve pior
momento para vender patrimônio público. As privatizações, portanto, na Grécia,
pelo menos até hoje, foram total fracasso.
JAY:
Sim, foram fracasso para o povo grego e para o estado grego, mas foram excelente
negócio para quem comprou.
LAPAVITSAS:
Sim. E as privatizações também são cada dia mais difíceis, porque, hoje, já é
difícil, até, encontrar compradores, porque a maioria dos bens à venda não têm
situação legal clara sobre quem são os atuais proprietários. Digo, difíceis para
o Estado que queira vender, porque a situação complicada dos bens públicos à
venda abre também a possibilidade de os compradores oferecerem preços cada vez
mais baixos. De fato, já nem há muitos compradores interessados, nem muitos bens
à venda. Há alguma coisa, e o Estado grego planeja vender o que resta, mas não é
muito e não gerará a quantidade prevista de dinheiro. As privatizações também
não deram resultados excepcionais... E há as desregulações etc., etc., etc..
Quanto
às desregulações, só se desregulou o mercado de trabalho, mais nada.
Estão
acontecendo coisas, na Grécia, difíceis, até, de acreditar. Os
salários foram esmagados, a negociação coletiva foi extinta, a situação do
mercado de trabalho, sobretudo no setor privado, na Grécia, é inacreditável.
Voltamos ao Velho Oeste. Verdade. O nível de exploração a que os trabalhadores
estão submetidos é inacreditável. Isso, na Grécia, é, hoje, o dia a dia. Isso já
está feito.
Pois
a verdade é que essa combinação de fórmulas – desregulação e privatização, que
foram aplicadas na Grécia - em doses gigantescas – não gerou crescimento, não
induziu o crescimento e, em minha opinião, jamais gerará ou induzirá crescimento
algum.
Não
há teoria que diga que algum crescimento possa ser gerado com medidas desse
tipo, para enfrentar pressões recessionárias. Tudo isso é uma fantasia, um
delírio nascido do cérebro dos neoliberais. Privatizações e desregulação são
medidas que absolutamente não asseguram qualquer crescimento, embora, sim, haja
quem discorde. Mas em todos os casos, ainda que essas medidas possam gerar algum
crescimento, o crescimento, se vier, demorará décadas.
Assim
sendo, além do fracasso das privatizações, já se vê aí também o fracasso da
desregulação. É o que se vê hoje no “lado crescimento” dos resgates e ajudas...
A
terceira coisa que está acontecendo, é o Estado. A “modernização” do Estado que,
nos termos em que foi proposta, só significa enfraquecer o Estado.
O
estado grego foi terrivelmente enfraquecido nos últimos três anos, em
praticamente todos os aspectos, da estrutura de impostos à prestação de serviços
de bem-estar básicos, à segurança, até o exército. Cortes profundos e repetidos
no setor público enfraqueceram o Estado como jamais se viu antes. O Estado
grego, excluído o curto período em que a Grécia viveu sob ocupação,
é hoje o mais fraco que a Grécia jamais conheceu, penso eu.
Ora...
O resultado de tudo isso é, é claro, que aumenta a influência de “paraestados” –
mecanismos marginais, laterais, que emergem para substituir o Estado que vai
sendo afastado de suas funções anteriores. Nenhum desses mecanismos é confiável.
Alguns, são ilegais. Falo de mecanismos nos quais já se implantaram genes de
diferentes máfias. Ainda não se vê alguma plena máfia emergindo no que resta do
governo grego, mas não falta muito para acontecer. Quanto mais rapidamente o
Estado for enfraquecido, mais rapidamente será ocupado por organizações não
governamentais nas quais já se implantaram genes de máfias.
JAY:
Obrigado. Na segunda parte dessa entrevista com Costas Lapavitsas, conversaremos
sobre a esquerda grega, sobre como a esquerda grega está respondendo a tudo
isso.
[Continua]
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