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CONFERÊNCIA DOS MINISTROS DE DEFESA DAS AMÉRICAS
PUNTA
DEL ESTE, 8 DE OUTUBRO DE 2012
O Ministro da Defesa, Celso Amorim, defendeu hoje a adoção de novas premissas para a cooperação em defesa entre os países americanos. Leia a seguir: |
Senhor
ministro da Defesa da República Oriental do Uruguai, Eleuterio Fernandez
Huidobro,
Senhores
ministros da Defesa dos países do continente americano
Senhores
militares e civis integrantes dos militares da defesa
Senhoras
e senhores,
Agradeço ao governo do Uruguai por sua tradicional hospitalidade de nos reunir nesta bela cidade de Punta del Este, que mesmo sob a bruma revela seus encantos, e que nos transmite esse ambiente de paz essencial para os nossos trabalhos.
Estendo
meu reconhecimento às delegações nacionais, integradas por oficiais militares e
servidores civis, que prepararam este encontro ministerial com profissionalismo
e dedicação.
Mas
não podemos nos furtar à nossa responsabilidade de ministros de participar
desses debates. temos hoje a valiosa ocasião de entabular um diálogo entre
ministros de Defesa das Américas a respeito de nossa cooperação, com o objetivo
de orientar seus rumos nos próximos anos.
E
eu me permito aqui propor uma reflexão: de onde viemos e para onde vamos em
termos de cooperação em defesa nas
Américas ?
***
Nossa
reflexão é indissociável da conjuntura estratégica mundial, sobre a qual não
posso deixar de fazer algumas observações, por breves que sejam.
O
Oriente Médio é epicentro de uma instabilidade passível de deflagrar um conflito
de alcance global. Estamos assistindo a uma disputa – um novo “grande jogo” -
entre potências no Oriente Médio, como aquela que, no século 19, e, sobretudo,
após a queda do Império Otomano, redesenhou a região e lançou sobre ela as
sementes de uma instabilidade crônica.
A
disputa competitiva entre potências volta a pesar mais do que os desejos dos
povos daquela região.
A
Primavera Árabe corre o risco de se ver soterrada por uma tempestade de areia.
Estamos longe de um mundo em que a diplomacia prevaleceria sobre o uso da força;
em que os desejos legítimos dos povos prevaleceriam sobre os interesses
geopolíticos das potências; e em que a paz prevaleceria sobre a guerra.
A
incapacidade de atuação efetiva do Conselho de Segurança na crise síria, em
grande parte devido à sua composição anacrônica, é alarmante.
A
primeira lição que devem tirar países que não se sentem diretamente envolvidos -
embora todos o estejamos, de uma forma ou de outra – é que não há margem para
ingenuidades sobre a persistência do conflito nas relações internacionais, daí o
imperativo de cada estado assegurar sua defesa nacional, inclusive, quando os
interesses nacionais permitirem, e recomendarem, por meio da cooperação
internacional.
***
Nossa
reflexão tampouco pode abstrair-se da nossa experiência histórica nas Américas.
Percorremos um longo caminho de esforço de conformação de uma arquitetura de
cooperação em defesa.
Enfrentamos
sucessivos testes de coesão: intervenções recorrentes, alianças com potências
extrarregionais, embates ideológicos largamente importados, entre outros,
deixaram um gosto amargo sobre a viabilidade da solidariedade continental.
Passo
importante nessa solidariedade foi a consolidação do Princípio de Não
Intervenção.
Em
1933, na VII Conferência dos Estados Americanos – sediada e presidida por este
mesmo Uruguai que hoje nos recebe -, alcançamos um ponto máximo da controvérsia
entre os defensores e os opositores da intervenção nas Américas.
Três
dias depois do fim da Conferência, muito lucidamente, o presidente Franklin
Roosevelt anunciou que, e eu cito, “a partir de agora, a política dos EUA para a
região se opõe à intervenção armada” (fim da citação).
No
contexto do pós-guerra, ensaiamos o conceito de assistência recíproca, com
expectativas que se refletiram na sua institucionalização por meio de tratado.
Alguns
episódios, que não necessito relembrar aqui, frustraram a ideia central do TIAR
de que um ataque contra um dos membros seria considerado um ataque contra todos.
O
fim da Guerra Fria e a conformação de um mundo multipolar impõem que procedamos
a um ajuste em nossa concepção da cooperação em defesa nas Américas.
Meu
país quer olhar para frente, com espírito construtivo, para buscar novas
abordagens. mas isso requer que sejamos capazes de rever conceitos que já não se
aplicam à realidade.
No
mundo de hoje - em que mesmo questões de legítima defesa (sobretudo a chamada
legítima defesa coletiva) inevitavelmente se mesclam com a “segurança coletiva”,
tal como definida pela Carta de São Francisco -, é prudente evitar qualquer tipo
de ação que incida sobre a competência primária do Conselho de Segurança das
Nações Unidas, que, a despeito de suas limitações e insuficiências, é o
principal órgão em temas de paz e segurança.
Nas
Américas, precisamos de novas premissas. Na visão brasileira, a cooperação
interamericana em defesa será tão mais efetiva quanto mais for capaz de
reconhecer a heterogeneidade de situações geopolíticas e geoestratégicas entre
as várias regiões e sub-regiões do continente americano.
A
verdadeira solidariedade entre os países das Américas passa pelo respeito à
pluralidade de nossas circunstâncias.
Por
isso, valorizamos e priorizamos mecanismos como os da União Sul-americana de
Nações, a UNASUL, e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, a
CELAC.
Em
2008, a
UNASUL criou seu Conselho de Defesa. Ele conforma uma institucionalidade de
criação da confiança e prevenção de conflitos.
Seus
princípios são a não intervenção, a solução pacífica de controvérsias, o
respeito à soberania, a liderança civil democrática, a prevalência dos direitos
humanos e, sobretudo, o apego à paz.
Tudo
isso a serviço do desenvolvimento dos nossos povos.
Em
pouco tempo, o Conselho de Defesa Sul-americano desempenhou papel exemplar no
equacionamento de diferendos entre estados membros, e até mesmo dentro de
estados, com a aquiescência destes, naturalmente. Acompanhamos hoje com
extraordinária satisfação o processo de paz interno em outro país irmão, a
Colômbia.
Felicitamos
o governo da Colômbia e, em particular, o presidente Santos, pela coragem que o
levou a abrir um diálogo visando a paz e a conciliação.
O
Conselho de Defesa Sul-americano parte de base auspiciosa e própria: a natureza
de zona de paz, livre de armas nucleares, e, na verdade, esse espaço
sul-americano se projeta no espaço latino-americano e caribenho.
Estamos
pedindo às potências nucleares que retirem suas reservas aos protocolos ao
Tratado de Tlatelolco, de que somos membros todos os estados da América Latina e
do Caribe.
É
muito importante que esta conferência reconheça a zona de paz e cooperação do
Atlântico Sul e seu caráter livre de armas nucleares - não apenas em cumprimento
de resoluções pertinentes da Assembleia Geral das Nações Unidas, mas também como
um gesto de criação de confiança entre os estados das Américas.
É
o mínimo que se pode esperar, além da progressiva aplicação do artigo 6 do
Tratado de Não-Proliferação Nuclear, que determina negociações que visem ao
desarmamento nuclear de todos os países.
***
Senhores
Ministros,
O
que precede não exclui um vasto campo de cooperação no âmbito das Américas. Pelo
contrário, é o que tornará esta cooperação profícua.
No
âmbito do Primeiro Eixo Temático, as ações de prevenção e de socorro frente a
desastres naturais integram, sem dúvida, a pauta de possíveis programas de
cooperação entre nossos países.
No
entanto, isso requer a compreensão de que as forças armadas têm, em muitos
países (certamente no Brasil) um papel subsidiário aos órgãos de defesa civil.
A
despeito da importância das ações das forças armadas nessas situações, seria um
erro e até uma contradição, em termos, tentar “militarizar a defesa civil”.
Também
devemos ter clareza sobre como um mecanismo interamericano sobre o tema se
articulará com outros mecanismos nacionais e regionais, e, em especial, o
Conselho de Defesa Sul-Americano, no nosso caso.
Dentro
desses parâmetros, a proposta para o Eixo Temático I deverá ser ainda melhorada
e estar sujeita aos ajustes correspondentes.
É
o que esperamos que seja capaz de fazer o grupo de trabalho correspondente.
Quero
também deixar claro que o Brasil não considera, repito, não considera adequada,
neste contexto, a menção à proteção do meio ambiente e da biodiversidade, como
sugere o título desse eixo temático.
Não
são temas essencialmente militares, nem temas essencialmente de defesa no
tocante ao Eixo Temático II, creio que nossos países têm uma história de êxito
recente, da qual podem orgulhar-se, que é o engajamento de muitos deles e da
região como um todo em favor do estado-irmão do Haiti.
Mas
aqui também cabe frisar: o mandato conferido pelo Conselho de Segurança da ONU é
o que dá legitimidade às nossas ações.
Seja
por meio da Minustah, seja por meio da OEA, cujo secretário geral quero
cumprimentar, e de seu mecanismo de apoio eleitoral, seja por meio da oferta de
cooperação técnica ou de doações, os países das Américas deram grande
contribuição ao objetivo de resgatar a paz e a segurança do Haiti e salvá-lo de
um desastre de enormes proporções como foi o terremoto de dois anos atrás.
A
própria UNASUL não esteve ausente desse processo, e quero cumprimentar a
liderança exercida pelo presidente Correa, do Equador, nesse particular.
Fomos
particularmente atuantes nos socorros prestados por ocasião do terremoto de
2010. certamente teremos lições a aprender, desta tragédia, úteis ao tema que no
ocupa dos desastres naturais.
Aí
verificamos cooperações variadas – bilaterais, trilaterais, multilaterais –
envolvendo, até mesmo, em certos casos, países que tem relações difíceis entre
si.
Uma
dimensão decisiva dessa contribuição é oferecer cooperação estruturadora do
desenvolvimento haitiano – e não apenas cooperação ocasional – que se realiza e,
logo que passam os sintomas da tragédia, se ausentam.
Ela
deve lançar sementes de um progresso autossustentável do Haiti, lembrando sempre
que, por melhor que sejam os trabalhos das ONGS, o Haiti é um estado e não uma
coleção de organizações não governamentais.
Sob
essa lógica, o Brasil tem expectativas elevadas quanto à construção da
Hidrelétrica de Artibonite 4c, cujo projeto executivo completo foi preparado
pelo exército brasileiro a pedido do governo haitiano em 2010; e para o qual já
contribuímos com US$ 40 milhões, provavelmente uma das maiores contribuições que
o Brasil já deu para qualquer outro país em desenvolvimento.
Gostaríamos
de contar com o apoio dos demais países das Américas – especialmente aqueles que
detêm mais recursos, como o Canadá e os Estados Unidos, e também do BID - para
reunir os recursos ou contribuições materiais para levar adiante este projeto
estruturante, concreto.
Este
é um teste real para a solidariedade latino americana, e americana em geral.
No
tocante ao Terceiro Eixo Temático, relativo às questões de segurança e de
defesa, há anos esta conferência debate, sem êxito, se o narcotráfico é - ou não
é – ameaça; se requer – ou não - o emprego forte das forças armadas.
O
Brasil não pode associar-se a propostas de fazer com que a destinação primária
das forças armadas seja voltada para o combate ao narcotráfico.
Não
concordamos com isso, embora respeitemos as circunstâncias daqueles países, ou
grupos de países, que realizam escolhas distintas. De nossa parte, continuamos a
ter sérias dúvidas sobre a pertinência dessa atribuição de funções não típicas
do estamento militar.
O
Conselho de Defesa da UNASUL soube resolver a controvérsia em torno do
tratamento dos temas de segurança pública e de defesa.
Em
Cartagena das Índias, no início do ano, aprovamos proposta colombiana de criar o
“conselho de segurança cidadã”. O novo órgão nos oferece as condições para
assegurar o tratamento da questão dos ilícitos transnacionais e do narcotráfico
de forma harmônica, respeitadas as competências próprias do conselho de defesa
e, também, do conselho sobre o problema mundial das drogas, este mais voltado
para aspectos educativos e preventivos.
***
O
ponto de partida para nossa cooperação, repito, é reconhecer a heterogeneidade
das Américas, que não lhes permite conformar um complexo regional de segurança
único e uniforme.
Complexos
de segurança pressupõem a convergência na definição de ameaças. Nessa matéria,
as várias regiões das Américas têm seguido trajetórias distintas nos anos
recentes.
Estou
convencido de que nos dias de hoje a definição das ameaças não pode ser feita,
ou, pelo menos, feita de maneira predominante, no nível interamericano. Para um
grupo de países, a prioridade das questões de defesa recaem sobre o terrorismo
internacional, as chamadas novas ameaças, a proliferação de armas nucleares, o
narcotráfico e, em certa medida, até a imigração ilegal.
Para
outro grupo, a prioridade é a proteção dos recursos naturais, de suas fontes de
energia, de suas reservas de água doce, de sua biodiversidade, inclusive na
Amazônia e no Atlântico Sul, e a preservação das condições de seu uso em favor
de nosso desenvolvimento econômico e social.
Na
questão nuclear, os acordos entre Brasil e Argentina deram um exemplo de como é
possível substituir a lógica da rivalidade pela lógica da construção de
confiança.
A
ABACC, órgão responsável por essa supervisão em conjunto com a Agência Internacional
de Energia Atômica, é hoje uma referência mundial, aceita em documentos globais
de salvaguardas.
O
Brasil tampouco pode aceitar que se qualifiquem como ameaças de segurança
questões relacionadas ao meio ambiente e à biodiversidade, com envolvimento de
atores militares, sobretudo atores externos à própria Amazônia em sua proteção,
como sugere o título do Eixo Temático I desta Conferência.
Detentores
das enormes riquezas da nossa Amazônia – e agora da Amazônia Azul -,não julgamos
que haja um papel para a cooperação militar interamericana em área tão afeta à
soberania nacional.
No
marco do exame de questões de defesa e segurança, o Brasil considera inescapável
que esta Conferência registre as reivindicações justas da Argentina sobre as
Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, como aliás já ocorreu no
MERCOSUL, na UNASUL e na CELAC.
Preocupa-nos
a realização de exercícios que envolvem o disparo de mísseis, como os que estão
em curso nas ilhas, que contribuem para recrudescer a militarização do
diferendo.
Seria
de esperar que esta Conferência faça apelo a que se iniciem negociações entre as
partes, nos termos anualmente reiterados pela Assembleia Geral da ONU.
Ainda
sob o Terceiro Eixo Temático, em relação ao tema das funções dos componentes do
chamado “sistema interamericano de defesa”, o Brasil concebe como desnecessária
a proposta de criação de uma secretaria para esta CMDA neste momento.
Enquanto
buscamos consolidar e fortalecer o Conselho de Defesa Sul-Americano, e é aí que
queremos concentrar nossas energias, sem prejuízo, volto a dizer, dos programas
de cooperação que possamos desenvolver com os demais países das Américas –
bilateralmente, trilateralmente ou em conjunto.
Nossos
programas e projetos de cooperação nessa matéria não justificam, ou, pelo menos,
não justificam ainda, uma estrutura permanente dedicada a eles.
O
que importa é assegurar que possam articular-se com as instituições regionais
com harmonia, complementaridade e respeito mútuo, o que pode ser obtido pelo
diálogo entre as respectivas autoridades já constituídas.
Por
outro lado, devemos continuar a apoiar a Junta Interamericana de Defesa, a JID,
pela valiosa contribuição que tem dado – e deve continuar a dar - na promoção
dos programas de cooperação entre os países das Américas e no fomento do diálogo
franco – sempre bem vindo – sobre temas tão sensíveis e importantes.
***
Senhoras
e senhores,
Senhores
ministros,
Senhor
presidente,
A
trajetória histórica dos nossos esforços de cooperação interamericana em defesa
é marcada por idas e vindas, erros e acertos, êxitos e retrocessos.
Para
diminuirmos os erros e aumentarmos os acertos, temos que atentar às mudanças que
ocorreram no mundo e em nossa região.
É
hoje um anacronismo, se quisermos ter um sistema verdadeiramente interamericano,
mantermos o isolamento de Cuba.
No
mundo multipolar que conforma no século 21, não há lugar para pensamento único
ou fórmulas uniformes. devemos ter clareza sobre isso, de forma a articular, com
sabedoria política, programas de cooperação de defesa que sejam compatíveis com
a atualidade e realidade de nossas Américas, em toda sua diversidade.
Reitero
a contínua disposição do Brasil de contribuir para esse projeto.
Muito
obrigado.
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