Uma conspiração tão imensa...
19/7/2010, Eric Alterman, The Nation
Traduzido pelo Coletivo de tradutores da Vila Vudu sob direção de
Até há pouco tempo, um espectro assombrava a mídia norte-americana – um espectro chamado “Journolist"[1], uma lista de discussão por internet, à qual só se chegava mediante convite, dita de esquerda e que chegou a reunir 400 membros. A lista só chegou ao conhecimento público por uma capa escandalosa da revista Politico de março de 2009, que perguntava: “Provas de uma imensa conspiração da mídia de esquerda?” [ing. "Proof of a Vast Liberal Media Conspiracy?" [2]].
Afinal, a lista não aparecia no buscador LexisNexis e em nenhum outro; jamais foi mencionada em qualquer publicação impressa de qualquer tipo. Era protegida, como disse Michael Calderone, “por código de silêncio de Clube de Luta”.
Mickey Kaus reclamou que a lista seria “contrária ao espírito da Web.” Alguém da National Review explicou que era o modo “como os blogueiros de esquerda e as “grandes” vozes do centro-esquerda na mídia dominante coordenavam suas matérias” e especulou sobre o uso da lista como ferramenta para chantagem ideológica. Ocasionalmente, David Frum, conservador sensível, imaginou “editores secretos aos quais os jornalistas reportavam privadamente, relatos diferentes e que não chegavam aos editores reais” e definiu a lista como “empreitada definitivamente sinistra”.
Cara! Se eu soubesse... Qual, me digam, seria a graça de participar de uma Empreitada Definitivamente Sinistra, se o que você mais faz é apagar mensagens sobre os esquemas de reembolso do Medicare? Sim, sim, amado leitor, eu participei da Journolist (eu e mais, pelo menos, quatro outros editores/colunistas de Nation).
A ideia de que alguém poderia lançar uma conspiração de controle da mídia através daquele grupo diz muito sobre o “estilo paranóico da política nos EUA” (se me permitem cunhar eu também a minha frase).
De fato, ninguém, nunca, naquela lista, jamais “acertou” coisa alguma com alguém. As pessoas discutiam, nem sempre civilizadamente. Não faz muito tempo, recebi um e-mail de outro membro daquela lista, que dizia: “Começo a entender do que os conservadores não gostam, sobre a esquerda.” Só impliquei com a palavra “começo”.
Pessoalmente, a lista dava-me oportunidade de afinar minhas ideias, melhorar a informação, descobrir fontes e escrever bobagens sobre beisebol. E só me custava alguns desaforos vez ou outra, e tempo perdido, frequentemente (se eu tivesse dentro de mim uma obra-prima ainda não parida, à Proust, a lista Journolist seria culpada de a coisa continuar inexistindo). Como um coletivo, forçávamos as barras de todos, estimulávamos a excelência, falávamos mal do patrão sovina e colhíamos todas as oportunidades que surgiam para lembrar aos jornalistas e editores de New Republic que eram empregados de um lunático reacionário e racista. Aquela polinização cruzada casual de informações, ideias e ansiedades só pode ter tido efeito salutar sobre a qualidade da esquerda nos EUA, sobre o jornalismo e m geral e sobre as pessoas interessadas em política.
Mas, agora, como cantava o Sr. Jagger em 1964, “tudo acabado, e nada mais”.
Um dos membros da lista realmente pesquisou as mensagens arquivadas e usou o que lá encontrou para desacreditar profissionalmente outro listeiro. O blogueiro Dave Weigel escreveu alguma coisa azeda sobre os conservadores que o Washington Post acabava de encarregá-lo de cobrir. Sim, Weigel foi ingênuo e imprudente. Não devia ter escrito o que escreveu. A ideia de que algum segredo permanecerá secreto depois de contado a 400 pessoas é, falando claro, idiota.
Os comentários apareceram vazados, primeiro em "Fishbowl DC" e, depois, na nova página de Tucker Carlson, The Daily Caller. (Como seguidamente acontece, Carlson havia tentado admissão à lista e fora rejeitado, porque declarou que desejava permanecer relativamente coerente no plano ideológico).
Segundo Ezra Klein do Washington Post, fundador da lista, capo di tutti i capi e menino-maravilha, Carlson “tentou fazer a minha cabeça e, na resposta, propus co-coordenar com Carlson uma outra lista bipartidária. Mas ele não se interessou”.
Weigel foi demitido do trabalho de cobrir conservadores para o Post, sem qualquer referência à (boa) qualidade de seu trabalho. Vários conservadores elogiaram seu trabalho, acurado e equilibrado. Como disse Frum, “Weigel é excelente repórter. Escreve com inteligência e sensibilidade sobre o mundo conservador”. Se alguém está fazendo bem o trabalho que é pago para fazer, tem o direito de continuar a fazê-lo. O colunista conservador do New York Times, Ross Douthat, escreveu também que “nenhum padrão jornalístico foi violado por alguém disparar e-mails irrefletidos para o que se suponha que seja uma lista privada de e-mails.”
Mas o Post, como grande parte de todo o establishment jornalístico hoje em dia, é extremamente atento à nova espécie de blogueiros-de-opinião, e quase ridiculamente cuidadoso quando se trata de não perturbar os conservadores quando “precisam de citações de jornal”. O ombudsman do Post, Andrew Alexander, lamentou que “Weigel perdeu o emprego. Mas quem mais perdeu foi o Post, que perdeu bom espaço entre os conservadores.” Raju Narisetti, editor de Weigel, replicou ao postado de Alexander, dizendo que “Não acho que se tenha de ser conservador para cobrir os conservadores. Mas você tem de ter posições imparciais.” Narisetti sugeriu então que, no futuro, o Post inclua, no questionário que apresenta a jornalistas candidatos a emprego, mais uma pergunta: “No privado, você alguma vez manifestou alguma opinião que possa impedi-lo de fazer seu trabalho?"
Tudo isso é o mais pernicioso nonsense à Orwell. O Post tolera – nã-nã-não, abraça! – todas as tendências de opinião, entre seus repórteres. Tudo bem acreditar que George Bush jamais mentiria ao país sobre o Iraque, as torturas e tudo mais? E quanto à ideia de que uma chupada presidencial seria suficiente para que o jornal mandasse pela janela todas as regras a respeito de ouvir as fontes e verificar as dicas? E aquela vez, em que uma simples chupada-blowjob presidencial bastou para que o jornal mandasse pela janela todas as regras sobre examinar fontes e verificar dicas?
O trabalho de Weigel, de cobertura dos conservadores, sempre foi acurado e inteligente, o que é mais do que se pode dizer sobre o trabalho do Post nos temas acima lembrados. O que ele escreva em listas, não é da conta do Post.
Consequência da demissão de Weigel, Klein tomou a dura decisão de destruir essa sua privada arma de destruição profissional em massa; excluiu a arma, do arsenal acessível a jornalistas empregadores sem princípios; e dissolveu a lista Journolist.
Mais uma vitória da combinação tóxica de conspiracionismo conservador imbecilizante e covardia dos jornalões.
Notas de rodapé:
[1] Para saber o que é ver em: The JournoList, de 1/8/2010
[2] A matéria está em: JournoList: Inside the echo chamber
O artigo original, em inglês, pode ser lido em: A Conspiracy So Immense...