Raul Longo de frente para o Sambaqui |
por Raul Longo
Quarta-feira, dia 09, tivemos uma conversa confidencial com a médica pediatra Aleida Guevara que nos revelou a terrível realidade da situação em Cuba.
Peço que mantenham sigilo porque se os Estados Unidos descobre usará como justificativa para fechar ainda mais o bloqueio de 6 décadas que se envergonha a maior potência do mundo, dificulta ainda mais a vida das mulheres e crianças de um dos menores territórios nacionais do planeta.
Nosso encontro se deu na Semana Internacional das Mulheres e aproveitando a intimidade daquela conversa reservada a mim e umas quatrocentas ou quinhentas pessoas que lotaram o TAC – Teatro Álvaro de Carvalho em Florianópolis, Aleida Guevara desabafou.
Após apresentar inúmeros dados aferidos ou reconhecidos pelas entidades internacionais de praxe: ONU, UNESCO, UNICEF e outras menos referidas, mas igualmente reconhecidas como representações femininas internacionais; a filha do herói que ultrapassou as fronteiras de todos os oceanos, nos estarreceu com suas confidências.
Não sei se há um IDF – Índice de Desenvolvimento Feminino ou um IDI – Índice de Desenvolvimento da Infância, mas se houver Cuba é um nação criança que não é feminina só no nome. Para demonstrar isso, a primeira das revelações de Aleida foi um detalhe de sua vida pessoal, quando ainda convivendo com o ex-marido que contou ser hoje um grande amigo. Mas quando viviam juntos, o ex-marido afirmava orgulhoso ser o cabeça do casal. E ela, a Aleida, o pescoço.
Quem não entendeu o sentido um tanto velado do dito do ex-companheiro da Aleida, que tente dirigir a própria cabeça em direção contrária a que o pescoço comanda.
Ocorre que ao expor estes índices internacionais confirmando serem muito poucos os países com tantas mulheres formadas e pós-graduadas quanto em Cuba, Aleida segredou “- Pero tenemos un problema mui sério aqui” – e, indignada, revelou que o número de mulheres em cargos diretivos naquela Ilha, não corresponde ao esperado por tantos títulos universitários a elas conferidos.
Apesar da significativa quantidade de mulheres dirigindo órgãos públicos, hospitais e outras instituições científicas de Cuba, muito superior às maiores nações, a maioria entre os dirigentes ainda são homens, apesar de haver mais mulheres diplomadas do que homens.
“- Así no puede ser!” – e, concordando, fizemos todos caras de espanto, pois jamais imaginaríamos a possibilidade de existir um lugar no mundo onde tantas mulheres ocupem posições de comando. Nem tivemos coragem de expor nossa real admiração porque com aquele olhar guevariano, tão temido pela gente do Fulgêncio Batista, logo nos questionou: “- Y esto por que?”
Que haveríamos de responder? Nosso silêncio a revoltou ainda mais e dedo em riste, acusou “ - Por el gobierno cubano no tener prevenido la necesidad de educación de nuestros hombres para ejercer el convívio familiar!”
“- Ohhhh!” – fizemos, mesmo sem entender muito do que reclamava aquela mulher. Acreditando-se apoiada, explicou que por esta intolerável falta de previdência e planejamento as mulheres cubanas, apesar de perceber os mesmíssimos salários que os homens por categoria, e de gozarem de licença maternidade plena por um ano, após trabalhar durante o dia em casa têm de cuidar das crianças, cozinhar, limpar, cuidar da roupa, preparar a alimentação da família, etc., etc., etc..., finalizando a relação com outra pergunta que se nos cravou fundo:“- Y el hombre ló que hace?”.
Ninguém seria besta de se meter a responder e quando uma mais afoita ia dizer qualquer coisa, o maridão do lado cutucou. Felizmente, pois confiando em que homem é tudo igual certamente substituiria a cachaça brasileira pelo rum cubano ou o futebol pelo baseball. Ainda que pelos mesmos motivos, a reclamação da Aleida foi por outras atitudes, mantendo igual entonação de qualquer dona de casa do Brasil: “- Mui cômodo, se ponen a leer sus periódicos, sus libros, o se van a estudiar. En cuanto para nosotras los estudios se quedaran atrás, en nuestros tiempos de universidad.”
O que aquela maioria de mulheres ali no TAC ia dizer para a revoltada Cubana?: “- Isso não é nada minha filha! Você não faz nem ideia de como são as relações de gêneros aqui no Brasil!”
Não seria consolo algum, pelo contrário! Acharam melhor deixá-la se alimentar de convicções de que “- Tenemos de cambiar eso!”, como se convocasse aquelas brasileiras a embarcar no primeiro Granma que passasse por alguma praia de Florianópolis para depois descerem a Sierra Maestra e tomar os lares de Havana para ensinar marido a marido que compartilhar a vida é também compartilhar as tarefas domésticas.
Uma mais valente sussurrou perguntando como seriam as leis de Cuba para maridos que agridem suas esposas. Aí quem se assustou foi a filha do Che: “- La misma! Imagino que como acá en Brasil una persona que golpea otra, sea hombre, mujer, hijo, o cualquiera, le toca la cárcel!”
Eu bem que achei que não ia dar certo, mas resolveram explicar a Lei Maria da Penha. Aí é que a médica ficou confusa. “- Increíble! Acá hay ley solamente para no patear a las mujeres? A los hombres, que se maten? Esto me parece uno feminismo que no se si diría radical, pero es un tanto raro!”
Tentaram melhorar a explicação e como não lhe ficou claro aquilo de agressões e violências impunes, acabou mudando o assunto e fazendo umas fofocas do pai e da mãe lá nos tempos da revolução. Contou como o comandante era sério e severo e, apesar de muito enaltecer as mulheres nos textos dos seus diários, recomendava que não participassem da guerrilha porque dava confusão entre os homens. Todos jovens e por tantos dias e meses dentro da selva sem ver uma fêmea, Che temia que a presença feminina dividisse a tropa.
Para mostrar que apesar de herói o pai também era um homem como outro qualquer, relatou que por duas vezes o pessoal do Diretório Revolucionário ou do Movimento 26 de Julho de Fidel Castro teve de enviar mulheres para entregar algo aos guerrilheiros comandados por Che, mas ele logo as despachava de volta serra abaixo.
Indiscreta, Aleida revelou que essas duas eram “- ... mujeres feas, feas. Pero cuando fue mi mamá, que era muy guapa...” - com notas de dinheiro presas ao corpo por esparadrapos, ao chegar ao acampamento imediatamente procurou pelo médico para retirar aquelas ataduras que sob o calor lhe ardiam na pele.
Che Guevara era médico, mas não da tropa onde cumpria a função estrita de comandante e por suas próprias rigorosidades militares não admitia mistura de funções. Com sorriso maroto, Aleida afirmou que provavelmente tenha sido a única vez que o comandante passou por cima de suas próprias ordens e convocou-se como médico para despregar os esparadrapos.
“- ... Gracias a eso estoy acá les contando esta historia, pero no digan a nadie porque si me pegan hablando de estos secretos me mandan al paredón!” – e riu como criança que fez travessura.
Mas não ficou só nisso. Noutro momento fez acusação muito séria ao governo cubano, justamente num dos pontos em que o país é mais enaltecido mundo afora: o da educação.
“- Si, verdad, no tenemos analfabetos, hay condiciones de estudios para todos, desde la niñez hasta la universidad en las cuales en muchas especialidades nuestro conocimiento es considerado de los mejores del mundo y recibimos estudiantes de toda parte, incluyo Estados Unidos y Europa. Pero...” – e nos olhou com aquele olhar de quem confidencia terríveis revelações: -… Pero desgraciadamente nadie pensó que hay que tener universidad en el campo y no solo en las ciudades. Cuando llega el tiempo de la universidad, el hijo del campesino tiene que dejar su familia y irse a la ciudad! Después, por supuesto no quiere más volver! Esto tenemos que arreglar! No puede! No es cierto! Es malo para los jóvenes, las famílias…” – e continuou enumerando uma quantidade enorme de problemas que acarreta às pessoas e às atividades agrícolas o não terem previsto que as faculdades de ciências agronômicas deveriam ser construídas no meio rural.
Boquiabertos, ficamos ali tentando imaginar como será um país onde o maior problema da educação seja não terem imaginado que o melhor para o estudante de cursos agronômicos é estudar onde vive com seus familiares. Certamente muito homem ali -- e havia os de todas as linhas ideológicas, inclusive da direita -- teve vontade de mandar aquela mulher fechar a matraca e parar de reclamar.
E continuaria reclamando se o presidente da União da Ilha da Magia, para finalizar e mudar de assunto, não perguntasse à Aleida se gostou de desfilar no carnaval de Florianópolis.
“- Bueno!... Em mi país cuando hay como eses gran coches en que las mujeres van arriba, siempre son jóvenes muy guapas. Cuando me vi allí arriba, con todo el pueblo mirando a mí y con aquellos guapísimos jóvenes a mi lado, todos muí solícitos y caballeros como si yo fuera una beldad, me dijo a mi misma: ‘- Que papelón estás haciendo Aleida?’. Los agradezco mucho el cariño y la simpatía de los brasileños para con el pueblo cubano, pero, por favor, no me hagan más eso ni me dejen que yo lo haga.”
Todo mundo caiu na gargalhada e a conversa acabou aí, mas se para ela foi bom poder desabafar as verdades que a incomodam em seu país, para nós ficou mais difícil engolir as verdades de nosso país que nos ficaram ainda mais entravadas em nossas gargantas de homens e, sobretudo, mulheres.
(comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirCuba está em processo de mudanças, e não é de agora-agora. Aleida em Florianópolis foi a mesma Aleida que vi em Sydney, em 2005. O argentino que a engendrou no ventre materno cultivava a ideia do socialismo verdadeiro, i.e., aquele que só se realiza mediante a instauração de um processo democrático. Para homens como ele, Gramsci e tantos outros, socialismo é a forma suprema de democracia que até hoje se imaginou.
São duas palavras snônimas. Quando dessincronizam, uma e outra falham. Foi esse o grande mal dos regimes "socialistas" que foram aparecendo, a partir de 1917, renegados por eles mesmos e seus líderes. Uns e outros dados e fatos "positivos" deixam de sê-lo, se não guiados pelas mãos sutis e belíssimas da democracia. Discurso como este aplica-se a qualquer povo, nação, país, estado, comunidade e não é privilégio de ninguém.
Todos sabemos, por exemplo, que nosso País está bem longe desse estágio, por motivos que bem sabemos, geradores de uma cultura de aberrante perversidade, a ponto de qualificarmos de "social" o que não é: elevadores, portarias, entradas de imóveis de moradis, salões e salas, e assim por diante. Num restaurante ou bar, observem como o freguês se dirige ao garção; num edifício, como um morador fala com os encarregados da garagem; no campo, então, nem falar; e così via...
Abraços do
ArnaC
P.S.: quanto aos "intelectuais"...ó céus, não raros merecem lições em público, com graus diferenciados de desmoralização das empáfias!
(Comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirNão vou reler outra vez o texto comentado pelo ArnaC, mas pelo que lembro não há nenhuma referência a intelectuais nem intelectuaus. De toda forma concordo com seu PS, pois a utilização do intelecto é uma função natural da espécie humana e só o que difere é que uns tiveram acesso a mais informações e/ou tem mais memória para retê-las do que outros. O ridículo é ficar pavoneando essas memórias e ainda mais ridículo é exibi-las com prepotência, como é de praxe entre os que se julgam superiores por meras intelectualices. Esses merecem mesmo ser ridicularizados em público.
Raul Longo