Bruce Ackerman |
24/3/2011, Bruce Ackerman, Foreign Policy
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ao decidir por guerra contra a Líbia, Obama arrasta os EUA para presidência mais imperial do que Bush jamais tentou.
Ao arrastar os EUA à guerra contra a Líbia, o governo de Barack Obama inaugura nova frente na construção de governo imperial –, dessa vez governo de presidente executivo que cada vez dá menos importância a representação dos cidadãos, no Congresso, nos EUA e em todo o mundo. A Resolução do Conselho de Segurança da ONU legitimou uma decisão de bombardear país soberano e membro da ONU, nos termos da lei internacional. Mas nenhuma decisão da ONU sobrepõe-se à Constituição dos EUA, que dá ao Congresso, não ao presidente, o poder de “declarar guerra”.
Barack Obama |
Depois da Guerra do Vietnã, o Congresso dos EUA aprovou a Resolução sobre Poderes de Guerra, que dá ao presidente o poder, por 60 dias, para agir unilateralmente e declarar guerra, “no caso de emergência nacional criada por ataque contra os EUA, territórios e propriedades, ou contra suas Forças Armadas.” A lei garante ao chefe do Executivo mais 30 dias para promover o desengajamento, no caso de, no período legal, não obter a aprovação do Congresso.
Evidentemente, essas provisões legais não se aplicam na discussão sobre a constitucionalidade da intervenção dos EUA na Líbia, dado que a Líbia não atacou “nossas Forças Armadas”. O presidente esqueceu-se de anotar esse ponto essencial, no documento pelo qual levou ao conhecimento do Congresso a decisão unilateral que tomara sobre a Líbia, obedecendo outra determinação legal. Não tendo havido “ataque” armado contra os EUA, nada autoriza o presidente a desconsiderar a opinião do Congresso em questão crucial de guerra e paz. O paradoxo é claro: se não houve ataque armado aos EUA, nada há a comunicar ao Congresso. Se o presidente tomou decisão unilateral de ir à guerra e entende que haja o que comunicar ao Congresso... Falta o ataque armado contra os EUA.
Todo esse caso parece muito gravemente anômalo, uma vez que, no caso da Líbia, o presidente teve tempo de sobra para encaminhar consulta e pedir o apoio do Congresso. Uma ampla coalizão – do senador John McCain ao senador John Kerry — ter-se-ia mobilizado a favor de uma resolução conjunta dos dois partidos, enquanto o governo cuidaria da diplomacia internacional. Aparentemente, Obama considerou muito mais importante mobilizar seu lobby para convencer a Liga Árabe, do que para convencer o Congresso dos EUA.
Ao excluir o Congresso, Obama supera até o dúbio precedente criado pelo presidente Bill Clinton quando bombardeou o Kosovo em 1999. Daquela vez, o Gabinete do Assessor Constitucional do Departamento de Justiça concluiu que o Congresso manifestara, sim, sua aprovação, ao definir fundos para a campanha do Kosovo. Foi interpretação muito elástica da lei, se se consideram os fatos. Mas Obama não conseguirá beneficiar-se nem dessa interpretação desesperada: o Congresso não aprovou nem definiu quaisquer fundos para a guerra da Líbia.
O presidente Obama, simplesmente, usou dinheiro que o Pentágono destina a outras finalidades previstas em lei, e desviou-o para pagar a atual guerra aérea contra a Líbia.
A Resolução sobre Poderes de Guerra não autoriza nem admite nem um único dia de bombardeio contra a Líbia. No máximo, oferece uma linha de fuga, ao declarar que a resolução “não visa a modificar os poderes constitucionais garantidos ao Congresso ou ao Presidente”. Assim sendo, Obama alegará que o poder constitucional que tem, como comandante-em-chefe, basta-lhe para declarar guerra sem o Congresso... Apesar de a Constituição declarar insistentemente que esse poder não basta ao presidente, para declarar guerras.
Muitos presidentes modernos usaram esse argumento, e Harry Truman baseou-se nele, na Coreia. O que surpreende é ver Obama às vésperas de ratificar esses tristes precedentes. Obama foi eleito como reação nacional aos argumentos unilateralistas de John Yoo e outros, empregados para defender e “legalizar” as ilegalidades da era George W. Bush. Agora, Obama já avança para ilegalidades em campos aos quais nem Bush jamais chegou.
Depois de muito argumentar em defesa de seus poderes inerentes, Bush conseguiu, finalmente, que o Congresso autorizasse suas guerras no Afeganistão e no Iraque. Agora, Obama já aciona a mesma conversa infindável dos tempos de Bush, para justificar o que os EUA estão fazendo na Líbia... mas sem qualquer autorização do Congresso!
A insistência com que o presidente Obama repete que a campanha tem escopo e duração limitados não lhe serve de desculpa. São essas, precisamente, as questões a serem definidas em colaboração com o Congresso. E, agora, Obama fala de seus poderes inerentes. Terá poderes inerentes também para redefinir, unilateralmente, o que interessa aos EUA e seus interesses? Sem ouvir o Congresso? Hoje, de fato, o mais importante é conseguir impedir que outros presidentes, a partir do precedente que Obama tenta criar, encontrem vias para justificar decisões ainda mais unilateralmente agressivas.
O Capitólio enfrenta dilema grave. Como sempre, o unilateralismo presidencial põe o Congresso em posição difícil. O Congresso não pode suspender imediatamente o uso de fundos, suspensão que poria em risco vidas de norte-americanos e de aliados dos EUA. Mas pode, sim, aprovar leis que cortem, decorridos três meses, todos os posteriores desembolsos de dinheiro para financiar guerras que o Congresso não aprove. Essa medida conseguiria evitar, pelo menos, que presidentes belicistas se pusessem a expandir missões militares dos EUA pelo mundo, sem a expressa autorização do Congresso.
O congresso dos EUA deve tomar também outras medidas mais fundamentais para pôr sob controle a presidência imperial de Obama.
Depois do escândalo de Watergate, o Congresso avançou ainda além da Resolução sobre Poderes de Guerra, e aprovou vários estatutos tentando obrigar a presidência a reger-se pela Constituição. Vários daqueles estatutos jamais funcionaram como se esperava que funcionassem, mas mesmo assim são produto de séria investigação conduzida pelo senador Frank Church e pelo deputado Otis Pike nos anos 1970s.
Hoje, é urgentemente necessário que se empreenda trabalho semelhante. Em vários aspectos, a guerra de Bush contra o terrorismo implicou agressões mais graves à lei constitucional dos EUA, que tudo que Richard Nixon tentou fazer em Watergate. Mas o Congresso manteve-se calado, confiando que Obama providenciaria, ele mesmo, a necessária limpeza.
Agora, com declarar guerra à Líbia, o presidente Obama mostra que não merecia a confiança dos que o elegeram. Se o Congresso não reagir e responder vigorosamente contra essa declaração de guerra presidencial à Líbia, os EUA terão dado passo muito grave, na direção de presidente e presidencialismo cada vez menos democráticos e mais imperiais.
Nota de tradução
[1] Ver também “Did Congress approve America 's longest war? Congress did empower the president in 2001 to pursue al-Qaida in Afghanistan . But a decade later, where's the oversight?” - Bruce Ackerman e Oona Hathaway, 27/1/2011, Guardian, UK.
(comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirEle disse que Kadháfi saiu da história e que nada mais tem a ver com a Líbia. A médio e longo prazos, não será fácil para os EUA balancear o que apregoam, em termos de "valores morais", e a defesa dos seus interesses. Se esta manchou, há muito, sua imagem internacional, então as tentativas de cuidar dos tais "valores morais" - tal como enunciados no Preâmbulo da Constituição adotada pela Convenção de Filadélfia (1787) - esbarram contra seus objetivos.
No que se refere a outros países, a pregação democrática não passa de arremedo de uma reputação perdida há décadas. As vagas anti-EUA no Oriente Médio tornaram-se marés gigantescas. Já são fenômenos naturais quotidianos.
Abraços do
ArnaC