Mas... sem autorização da ONU?!
Emb. M. K. Bhadrakumar |
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Para quem observe a guerra da Líbia, com olhos para os desenvolvimentos diplomáticos, 22/3/2011 é data histórica. Presidentes de EUA, Grã-Bretanha e França, reunidos em teleconferência, aprovaram que o comando das operações na Líbia – Operação Alvorada da Odisséia – seja entregue à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
O vice-secretário conselheiro de segurança nacional para comunicações estratégicas, Ben Rhodes, anunciou:
“Os líderes [Barack Obama, David Cameron e Nikolas Sarkozy] decidiram que a OTAN deve desempenhar papel-chave na estrutura de comando que, doravante, se encarregará da implantação da no-fly zone”.
Separadamente, a chefe da política externa da União Europeia Catherine Ashton, confirmou: a OTAN assumirá o comando geral das operações. O secretário-geral da OTAN general Anders Rasmussen também disse que a aliança concluiu o planejamento e está pronta para assumir o comando da Operação Alvorada da Odisseia.
Tudo isso, sem dúvida alguma, é momento de alteração histórica, verdadeiro marco de transformação de todo o sistema internacional na era pós-guerra-fria.
A decisão de que a OTAN assumirá o comando da Operação Alvorada da Odisseia foi tomada por menos de meia dúzia de potências ocidentais. A ONU aprovou uma resolução [R-1.973] proposta por França e Grã-Bretanha, que autoriza que se tomem “todas as medidas possíveis” para proteger a vida de civis na Líbia e impor uma no-fly zone e um embargo, mas deixou aberta a decisão sobre quem implementaria a resolução e quais as modalidades de implementação que se admitem. Em outras palavras, menos de meia dúzia de potências ocidentais iniciaram moto suo a aplicação da R-1.973 conforme interpretação unilateral, que só elas mesmas construíram, de um mandato da ONU. Ignoraram protestos de vários cantos do mundo, inclusive a possibilidade de veto de dois estados representados no Conselho de Segurança da ONU.
E, agora, se preparam para fazer ainda mais: decididram que a Operação Aurora da Odisseia será posta sob comando da OTAN.
Em resumo, assistimos à primeira vez, desde que o sistema da ONU foi inventado, decisão de entregar à OTAN o comando de operação militar, como se fosse organização global credenciada para atuar em questões globais de segurança, e sem mandato específico da ONU. [No Afeganistão, as Forças Internacionais de Segurança, ISAF, têm mandado específico da ONU, periodicamente renovado conforme aconselhe o Conselho de Segurança, baseado em recomendações da secretaria-geral da ONU.]
A menos que, na reunião de 5ª-feira (23/3) do CSONU, alguém requeira e obtenha autorização específica para essa ação da OTAN, está criado um precedente imensamente significativo e importante para o funcionamento futuro do sistema internacional para o século 21.
Depois de a R-1.073 estar aprovada, o secretário de Defesa dos EUA correu à Rússia e lá encontrou o que se sabia que encontraria: dificuldades.
Ainda não há informações confiáveis sobre o que (re)aconteceu na reunião altamente secreta entre o presidente russo Dmitry Medvedev e Gates, na dacha do líder russo em Gorky, 3ª-feira à noite. A Rússia permitirá que a OTAN invada a África e o Oriente Médio, como provedora de segurança regional? É preciso esperar para saber. Até agora, Moscou resistiu tenazmente à presença da OTAN no espaço pós-soviético.
É verdade que a diplomacia internacional muitas vezes é opaca. Ted Carpenter, Vice-Presidente de um influente think-tank com sede em Washington – o Cato Institute -- entende que Washington está disposta a fazer grandes concessões à Rússia (sobre mísseis de defesa, expansão da OTAN, a Ucrânia, a Rússia, a admissão da Rússia como membro da Organização Mundial do Comércio etc.] e a Pequim [sobre vendas de armas a Taiwan e a questão de direitos humanos no Tibete, a Coreia do Norte etc.], como “recompensa” em troca de as duas potências não vetarem a agenda dos EUA para a Líbia.
À primeira vista, Carpenter pode estar especulando; é homem de extrema direita. Mas o Cato Institute é especializado em estudos sobre as políticas dos EUA para a Rússia. Seja como for, devem-se esperar esclarecimentos da sessão da 5a-feira (24/3) do Conselho de Segurança da ONU para discutir a Líbia (que Trípoli requereu).
A grande questão é como decidirão sobre o terrível precedente que já está criado pela R-1.973.
Embaixador*M K Bhadrakumar foi diplomata de carreira; serviu no Ministério de Relações Exteriores da Índia. Ocupou postos diplomáticos em vários países, incluindo União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão, Kuwait e Turquia.
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