Hugh Miles |
8/3/2011, Hugh Miles, London Review of Books, vol. 33, n. 6, 17/3/2011
Traduzido pela Coletivo da Vila Vudu
Aumenta a pressão sobre o regime saudita, e forças de oposição internas e externas planejam para 6a.-feira, dia 11/3, um Dia de Fúria. Não se conhecem detalhes, por razões óbvias, mas as manifestações devem começar por volta das 16h em várias cidades do reino. A oposição trabalha freneticamente pela Internet e esperam-se manifestações de rua e agitação civil em todo o país.
Nos últimos dias ouviram-se três diferentes vozes públicas clamando por reformas, cada uma falando por documentos assinados cada um deles por centenas de assinaturas de gente influente. Estão brotando vários novos movimentos políticos, inclusive um Partido da Umma Islâmica, liderado por dez clérigos bem conhecidos; uma Declaração Nacional pela Reforma, encabeçado por um conhecido reformador, Mohammed Sayed Tayib, na qual se reúnem liberais, xiitas e sunitas; um movimento online Dawlaty, amplo e indefinido, com vários milhares de assinaturas, e mais milhares que chegam diariamente; e o movimento Al Dustorieen, ligado ao príncipe Talal bin Abdulaziz, que cobra do rei resposta a abaixo-assinado que encaminhou em 2005 [1].
Todos os grupos estão fazendo demandas semelhantes, incluída a transição para o regime de monarquia constitucional; liderança política democraticamente eleita; liberdade de manifestação e de reunião; judiciário independente; desmonte da polícia secreta; libertação imediata de todos os prisioneiros políticos e aumento do salário mínimo.
Proliferam páginas na Internet conclamando à revolta. Uma página de protestos contra o regime, criada no Facebook, atraiu 10 mil apoiadores em uma semana, número que, hoje, já chega a 30 mil. Outras declarações de grupos independentes de oposição, em tons jamais ouvidos no reino, de grupos jovens, também aparecem online.
Grupos sunitas e xiitas de oposição ao rei saudita dizem que estão sendo fortemente pressionados para manifestar-se antes de 11/3, mas tentam manter-se discretos, pensando em obter a maior exposição possível na mídia, com vistas a levar muita gente às ruas. “Não temos interesse em andar muito depressa, mas o povo já tomou a iniciativa e marcou data”, disse-me um dos organizadores. “A hora é agora e há uma avalanche de vozes que clamam por revolta. As coisas estão andando tão depressa, muito além de nossa capacidade de acompanhar tudo.”
Na Arábia Saudita não se admite nenhum tipo de liberdade de associação (todos os partidos políticos são proibidos) ou manifestação, e, no passado, as forças de segurança reprimiram com brutalidade qualquer tentativa de levante. Mas fontes da oposição sunita dizem que, dessa vez, fontes da polícia teriam garantido que os policiais não cumprirão ordens para atirar contra manifestantes.
“Vários membros das forças de segurança garantiram que estão 100% conosco, que nos veem como salvadores deles e de toda a nação” – disse-me um dos organizadores. – “O exército, a Guarda Nacional e até a Guarda Real estão conosco. Já nos disseram que ‘Não podemos declarar nosso apoio publicamente, até que vocês rompam nas ruas a velha barreira psicológica do medo. Mas façam a parte de vocês e nós os apoiaremos.”
Ativistas antigoverno dizem que vários manifestantes, que foram presos em outras manifestações não sofreram ferimentos e foram libertados discretamente. Que os policiais lhes prometeram que, doravante, estarão com eles, não contra eles. “Em duas recentes manifestações em Jedda, vários dos nossos foram presos e libertados na rua ao lado, por policiais que os trataram como se os estivessem levando para a forca. Em seguida, numa rua deserta, abriram a porta do camburão e os mandaram sair “Depressa, sumam daqui!”. Há forte sentimento entre as forças de segurança, de que o regime não sobreviverá. Eles dizem “Por que nos pormos em risco de ser presos no futuro, julgados e condenados à morte, por matar manifestantes?”
Mas, se a polícia usar a força, os manifestantes preparam-se para a possibilidade de as manifestações se tornarem extremamente violentas: diferente do Egito e Tunísia, há muitas armas entre a população, na Arábia Saudita. “Estima-se que, na Arábia Saudita, 80-90% das famílias tenham armas em casa; cerca de 50% dessas armas são AK-47’s – disse-me uma fonte da oposição. “Se eu participo de uma manifestação pacífica e justa, levo um tiro da polícia e morro, e sou filho de alguma tribo, é 100% certo que meu irmão conseguirá uma Kalashnikov e matará o policial que me matou; e, já que matou um, ele não se incomodará se matar mais cinco ou dez policiais. Todos, por aqui, sabem disso: eu sei, a polícia também sabe, e até o rei sabe disso. Ouvi de várias fontes, cidadãos comuns e policiais, que eles não atirarão contra os manifestantes, nem que recebam ordens para atirar. Sabem que, se atirarem, haverá muita violência”.
Parece que o maior obstáculo que os organizadores estão enfrentando é conseguir convencer muita gente a sair de casa e participar de manifestações de massa pacíficas.
“Não há, no Reino da Arábia Saudita, nenhum cultura de manifestações de massa ou de protestos pacíficos. Nunca houve disso, por aqui. Por isso, nossa principal barreira é psicológica, para mobilizar pessoas e fazer um primeiro núcleo de manifestações” – disse-me um dos organizadores. ‘Nossos apoiadores dizem: ‘Se quiserem que eu embosque e mate um guarda da polícia secreta, eu faço. Se for para invadir o gabinete do governador, não é difícil. Se for para por abaixo o ministério do Interior, também podemos tentar.’ Mas não se deixam convencer a aparecer em manifestações pacíficas, porque não admitem a humilhação de sair à rua desarmados, e apanhar de cassetete ou de chicote, de um policial armado. Muitos me disseram: ‘Não posso expor meu pai e minha família a essa vergonha. Não posso sair desarmado, para apanhar de chicote no meio da rua.’ Mas se reunirmos no mínimo um núcleo de 5.000 manifestantes em Jedda, Riad ou outra grande cidade, será o fim do regime. Se eu fosse Obama, eu telefonaria para mim e diria: ‘Muito bem. Vamos dar jeito nesse regime’.”
[1] “O príncipe Talal foi um dos reformadores e líder de um grupo da Família Real conhecido como “Príncipes Livres”. Em 1958, redigiu uma proposta de constituição para a Arábia Saudita, que teria criado uma monarquia constitucional e ampliado os direitos civis.
Começou a organizar um comitê de conselheiros eleitos, mas suas ideias foram rejeitadas pelo rei, e os líderes religiosos na Arábia Saudita lançaram uma fatwa declarando que aquela constituição seria contrária à lei islâmica. Em 1961, o reino cancelou seu passaporte e tentou silenciá-lo. Mas Talal exilou-se no Egito e declarou-se socialista.
No Egito, influenciado por Gamal Abdel Nasser, continuou a pregar reformas e a criticar os que reinavam em sei país. Em 1964, Talal concordou com baixar o tom de suas críticas em troca da autorização para voltar à Arábia Saudita, conde vive hoje como bem sucedido empresário (...)
Em setembro de 2007, o príncipe Talal retomou sua luta por reformas na Arábia Saudita, e anunciou seu desejo de criar um partido político (todos os partidos são ilegais na Arábia Saudita) para promover o objetivo de democratizar o país” (“ARÁBIA SAUDITA: O que você NÃO sabe e NENHUMA mídia-empresa informa”, 27/2/2011, Jeffrey Rudolph [em inglês], Informed Comment)
(Comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirNinguém nasceu para viver num mundo maravilhoso, porque isso não existe e, da maneira com que são tratados os ofícios de (con)viver dos povos, não se divisa nenhum quadro de harmonia e beleza excepcionais nos horizontes humanos. Os diplomatas temos de estar absolutamente conscientes de que nossa contribuição para uma melhoria dos entraves, anomalias e tragédias que pontuam a cena internacional são nossa massa de trabalho. Sem essa preocupação, a carrière não passaria de exílios burocratizantes e medíocres.
Faço esta consideração paraninfal para dizer que fui o primeiro agente do Governo brasileiro a ser mandado em missão à Arábia Saudita (1973), tempos do Rei Feissal, que seria assassinado por um sobrinho dois anos depois. Não foi minha primeira experiência árabe, porque já servira na Argélia em 1965, tempos do golpe de Estado do Coronel Huári Bumediene contra o Presidente Ben Bella, acontecimento que decorreria politicamente numa "nova Argélia".
Teria muito a contar da missão em Jêddah, que se deu durante a Guerra do Ramadan (para os judeus, a do Yom Kippur), mas fica para outra oportunidade. Importante registrar, o conflito foi a causa fundamental da primeira "crise do petróleo", pois Feissal, que já havia elevado de US$ 3.40 para US$ 5.50, depois para US$ 6.80 e assim por diante o preço do barril de petróleo, ficou horrorizado com o apoio ostensivo e maciço dos EUA a Israel e boicotou as exportações de petróleo para a Superpotência.
Aquele príncipe assassino voltava dos EUA com a missão de acabar com a vida do tio-rei. O preço do barril crescera assustadoramente e os países importadores procederam a racionamentos drásticos de consumo energético baseado em hidrocarbonetos. Lendo agora a matéria sobre o "dia da fúria" saudita, vêm-me ao quengo tantas recordações, que, juntadas as peças, formam o desenho do que realmente se passou nos últimos 38 anos de guerras do petróleo.
Foi Ernesto Geisel, então presidente da Petrobrás, quem forçou a barra para que criássemos urgente a Embaixada junto àquele Reino desparlamentarizado, sem partidos políticos, liberdades fundamentais, dado a opressões e repressões hediondas. Até salas de cinema são proibidas por lá. Não fosse um grupo de palestinos que conheci então, meu quotidiano se resumiria às lenga-lengas e chatices dos contatos sociais no Corpo diplomático local. A Arábia saudita, aliada dos EUA, que a protegem em todos os fora mundiais, fazem-me pensar no isolamento imposto à RPDC: quão injustos são os critérios embargantes e sancionantes que a Hiperpotência utiliza contra uns e poupa a outros. Dois pesos-duas medidas: cada vez mais se acentua esse procedimento.
O texto acima é bem interessante, superando, em qualidade e estilo, as baboseiras safadas que a WiliLeaks escaranfuchou e revelaria nas correspondências diplomáticas destinadas ao Departamento de Estado. Para os que leem na língua de Dr Johnson, o Informed Comment indicado é uma verdadeira lição sobre a presença da Arábia Saudita no quadro de interesses (cruciais) de Washington. Só é parco nas informações sobre sua pesada influência em outros países árabes e no Oriente Médio em geral, há pouco tempo, fulcros de reviravoltas da maior importância.
Mais uma excelente iniciativa do pessoal da Vila Vudu, em termos de tradução seletiva.
Abraços do
ArnaC