quarta-feira, 2 de março de 2011

Os ventos da mudança

Antonio Martins

Caue Seigne Ameni – 02/03/2011
Por Immanuel Wallerstein, no ZSpace| The Wind of Change – in the Arab World and Beyond 
Tradução: Antonio Martins do Blog Outras Palavras

Há 51 anos, em 3 de fevereiro de 1960, o então primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Harold Macmillan, do Partido Conservador, dirigiu-se ao parlamento da África do Sul, governado pelo partido que havia erigido o apartheid como sua base de governo. Sua fala iria se tornar conhecida como “o discurso dos ventos de mudança”. Vale a pena recordar as palavras:

Os ventos da mudança estão soprando neste continente, e o crescimento da consciência nacional é um fato político, queiramos ou não. Precisamos enxergá-lo assim, e nossas políticas nacionais não podem ignorá-lo”.

O primeiro-ministro da África do Sul, Hendrik Verwoerd, não gostou da fala e rejeitou suas premissas e conselhos. 1960 tornou-se conhecido como “O ano da África”, porque dezesseis colônias tornaram-se independentes. O discurso de Macmillan tinha como alvo, na verdade, os Estados do Sul da África que tinham grupos expressivos de colonizadores brancos (e, quase sempre, enormes riquezas minerais) e resistiam à simples ideia do sufrágio universal – porque os negros constituiriam a esmagadora maioria dos eleitores.

Macmillan não era um radical. Seu argumento incluía-se na estratégia de atrair as populações asiáticas e africanas para o lado do Ocidente, na Guerra Fria. Seu discurso era um sinal de que os líderes da Grã-Bretanha (e, em seguida, os dos Estados Unidos) viam o controle das eleições pelos brancos, nos Sul da África, como uma causa perdida, que poderia comprometer o Ocidente. O vento seguiu soprando, e num país após o outro as maiorias negras impuseram-se eleitoralmente, até que, em 1994, a própria África do Sul sucumbiu ao voto universal e elegeu Nelson Mandela presidente. Neste processo, porém, os interesses econômicos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos foram de algum modo preservados.

Há duas lições que podemos aprender do episódio. Primeira: os ventos da mudança são muito fortes e provavelmente irresistíveis. Segunda: quando os ventos varrem os símbolos da tirania, não se sabe o que virá a seguir. Quando os símbolos caem, todos os denunciam. Mas todos querem preservar seus próprios interesses, nas novas estruturas que emergem.

A segunda revolta árabe, que começou na Tunísia e no Egito, está contagiando mais países. Não há dúvida de que alguns baluartes da tirania cairão, ou aceitarão grandes modificações em suas estruturas estatais. Mas quem, então, ocupará o poder? Na Tunísia e Egito, os novos primeiros- ministros haviam sido figuras-chaves, nos regimes derrubados. E o exército, em ambos países, parece estar dizendo às multidões para encerrarem os protestos. Nos dois países, há exilados que retornam, assumem postos e procuram manter – ou mesmo expandir – os laços com os mesmos países da Europa e América do Norte que sustentavam as ditaduras. É claro que as forças populares resistem: enquanto escrevo este artigo, acabam de forçar a renúncia do primeiro-ministro tunisiano.

No meio da Revolução Francesa, Danton aconselhou de l’audace, encore de l’audace, toujours de l’audace (“audácia, mais audácia, sempre audácia”). Ótimo conselho talvez, mas Danton foi guilhotinado pouco depois. E os que o executaram foram guilhotinados em seguida. Depois, vieram Napoleão a Restauração, a Revolução de 1948, a Comuna de Paris. Em 1989, no bicentenário, quase todo mundo era em favor da Revolução Francesa, mas vale perguntar se a trindade da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – tornou-se real…

Algumas coisas são diferentes, hoje. Os ventos da mudança são verdadeiramente planetários. Por enquanto, o epicentro é o Mundo Árabe, e os ventos sopram ferozes por lá. Ninguém duvide: a geopolítica da região nunca será a mesma. Os pontos-chaves a observar são Arábia Saudita e Palestina. Se a monarquia saudita for seriamente desafiada – e parece ao menos possível que isso ocorra – nenhum regime do Mundo árabe poderá sentir-se seguro. E se os ventos da mudança levarem as duas maiores forças políticas da Palestina a dar as mãos, até mesmo Israel sentirá que é preciso adaptar-se às novas realidades e levar em conta a consciência nacional palestina. Queira ou não queira, para parafrasear Harold Macmillan.

Não é necessário dizer que os Estados Unidos e a Europa Ocidental estão fazendo tudo o que está em seu alcance para enquadrar, limitar e redirecionar os ventos da mudança. Mas seu poder já não é o mesmo. E os ventos da mudança estão soprando em seu próprio terreiro. É o jeito de ser dos ventos. Sua direção e intensidade não são constantes nem, portanto, previsíveis. Desta vez eles são muito fortes. Já não será fácil enquadrá-los, limitá-los ou redirecioná-los.


Immanuel Wallerstein
Immanuel Wallerstein - Sociólogo e professor universitário norte-americano.
Wallerstein interessou-se pela política internacional quando ainda era adolescente, acompanhando a actuação do movimento anticolonialista na Índia. Obteve os graus de B.A. (1951), M.A. (1954) e Ph.D. (1959) na Universidade de Columbia, Nova Iorque, onde ensinou até 1971. Tornou-se depois professor de Sociologia na Universidade McGill, Montreal, até 1976, e na Universidade de Binghamton, Nova York, de 1976 a 1999. Foi também professor visitante em várias universidades do mundo.

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