“Não é possível resolver um problema usando o mesmo raciocínio que criou o problema.”
Albert Einstein
Tony Judt
“E aquilo que nesse momento se revelará aos povos surpreenderá a todos não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio.”
Caetano Veloso
“O Índio”
O som das flautas
da “terra hoje chamada Brasil
Homero Mattos Jr. |
Publicado por Homero Mattos Jr. em: Passalidades Atuais
Há já alguns anos, durante uma entrevista no antigo programa Roda Viva da TV Cultura, após comentar sobre a sabedoria dos povos indígenas o jornalista Washington Novaes ouviu do maior plantador de soja do Brasil a seguinte pergunta: “O senhor está propondo que voltemos a ser índios? ” Novaes respondeu: “Não, pois, infelizmente, nós não temos mais condições de voltar a ser índios.”
Não, não temos mais condições de viver como nossos ancestrais. É um fato.
Mas, podemos resgatar, deles, a sabedoria, a visão da delicadeza que a tudo permeia.
É uma possibilidade.
Em algum momento da Europa ocidental do século XVI a consciência humana deu-se conta da autonomia do pensar e declarou que existia. Então, deslumbrada com a percepção do próprio alcance, começou a tornar-se acentuadamente individualista e, é claro, arrogante. Em seguida, fortalecida ao longo do século XVII por uma razão a julgar a si mesma iluminada em meados do século XVIII, atravessou o século XIX convencida de sua superioridade frente à quaisquer outras consciências e, desse modo, começou a desenvolver os processos através dos quais camponeses pobres, porém até então integrados, haveriam de tornar-se dissociados miseráveis, condenados à marginalidade nos guetos operários dos centros industriais e financeiros do efervescente (febril?)século XX, tão hábil (tanto à direita quanto à esquerda) em tirar proveito dos desequilíbrios naturais e a exaurir, da Terra, as pessoas e os recursos. Eis um sumaríssimo resumo do desenvolvimento da consciência ocidental, a chegar no início do século XXI ainda incapaz de solucionar as (sempre as mesmas) mazelas e vicissitudes denunciadas por Victor Hugo em Os Miseráveis (1862) ou por Charles Chaplin em O Garoto (1921) ou em Biutful (2010), filme dirigido por Alejandro Iñárritu.
Porém, talvez seja assim mesmo, penosamente progressivo, o modo de transformação da consciência: um continuum de tentativas de erro e acerto ou, em termos mais coloquiais, de constantes ‘aqui tá fundo, aqui tá raso’ a pressupor uma sucessão de quebras e reconstruções de todas as delicadezas perdidas. E, neste sentido, parece, todas as culturas, todos os povos e sociedades tem uma contribuição a oferecer para o aprimoramento de uma consciência estruturada, até agora, parcialmente, segundo a visão de mundo incorporada por antiguíssimos egípcios; antigos persas, gregos, romanos e semitas; medievais normandos e proto-italianos; modernos iberos e -nos últimos 350 anos- por modernos e contemporâneos(?) francos e anglo-saxões. Muita e respeitável coisa. Sem dúvida. Mas, felizmente, ainda incompleta ante a totalidade das contribuições possíveis.
\
Observe-se que o pensamento ocidental recebeu grande influência de filosofias caracterizadas, entre outras coisas, por uma acentuada unilateralidade de consciência a posicionar-se, quase sempre, discriminatoriamente a favor disso ou daquilo e somente a duras penas capaz de realizar a integração das diferenças.
Após uma leitura cuidadosa de A Terra dos Mil Povos- História indígena do Brasil contada por um índio, livro escrito em 1998 [1] por Kaká Werá Jecupé é difícil para um brasileiro não emocionar-se e não sentir-se orgulhoso desta parcela do legado multi-cultural do qual, natural ou adquirida, é portadora sua nacionalidade.
“A verdade final, se existe tal coisa, exige o concerto de muitas vozes ” já disse Jung.
“O espírito é uma música, uma fala sagrada que se expressa no corpo; e este, por sua vez, é a flauta, o veículo por onde flui o canto que expressa o ser-luz-som-música, que tem sua morada no coração.” diz a voz da sabedoria indígena brasileira resgatada por Kaká Werá em A Terra dos Mil Povos. Sabedoria cuja impressionante harmonia com vozes vedantas e taoístas inspira reflexões mais profundas sobre o real sentido (i.e direção) de uma globalização cujo significado (i.e espaço) parece transcender o âmbito mesquinho do “business as usual”.
No momento em que humanidade tenta recordar o abracadabra capaz de interromper o movimento frenético da enlouquecida vassoura fáustica, talvez seja oportuno olhar para modos de pensar que “mais do que mandamentos ou proibições ” possuem “uma visão do ser humano e da ação, que é estranha à nossa (ocidental) concepção.” [3]
Sob esse aspecto, aliás, é interessante observar, por exemplo, os modos substancialmente distintos sugeridos pelas duplas Lennon/Mc Cartney e Tom/Vinicius para resolver-se um problema relativo à afinação musical.
Em With a Little Help from My Friends a solução, repare-se, é mecânica, a lá Blade Runner :
“O que você vai fazer se eu desafinar? Vai embora e me deixar só? Empreste-me seu ouvido e eu tentarei não sair do tom ” [2].
Em Desafinado, a solução é amorosa, a lá ... digamosWalden (!):
“Se você achar qu’eu desafino, amor, saiba que isso em mim provoca imensa dor... pois no peito dos desafinados também bate um coração ”.
Squidum digundum, squidum dum...
enviado pelo autor
Notas de rodapé
[1] Editora Fundação Petrópolis, 3a. Edição São Paulo, SP - trechos disponíveis em: Homero Mattos Jr.
[2]“What would you do if I sang out of tune,
Would you stand up and walk out on me?
Lend me your ears and I'll sing you a song
And I'll try not to sing out of key.”
[3] Luigi Zoja A História da Arrogância p. 6 Axi Mundi Editora, São Paulo,SP 2000
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.