30/6/2011, Tom Engelhardt, TomDispatch -
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Obama construiu sua fala sobre o Afeganistão [1] numa retórica de surrealismo militarizado supranacional. O que disse sobre o futuro da guerra foi absolutamente falso – talvez não tenham sido mentiras, mas, sim, foram falsidades contadas pela metade. Considerem-se só as duas principais: que sua “avançada” consistiu em enviar para lá só 33 mil soldados; e que “no próximo verão”, os americanos estarão a caminho de casa, deixando o Afeganistão.
Desgraçadamente, não é nada disso. Em primeiro lugar, a verdadeira “avançada” de Obama mandou para o Afeganistão quase 55 mil soldados, talvez 66 mil, dependendo de como se contem. Quando tomou posse, em janeiro de 2009, havia cerca de 32 mil soldados no Afeganistão. Mais 11 mil foram convocados para partir nos últimos dias do governo Bush, mas só viajaram nos primeiros meses do governo Obama. Em março de 2009, Obama anunciou sua própria “nova estratégia para o Afeganistão e Paquistão” e despachou mais 21.700 soldados. Depois, em dezembro de 2009, em discurso televisionado para todo o país da Academia de West Point, anunciou que mais 30 mil soldados estavam de partida. Somados às “tropas de apoio”, deram nos 33 mil.
Em outras palavras, em setembro de 2012, daqui a 14 meses, só metade do número total real de soldados mandados para o Afeganistão por Obama terão saído de lá. Além do quê, por menos que se fale nisso, a “avançada” de Obama absolutamente não incluiu só soldados. Houve uma jamais divulgada claramente “avançada civil” do Departamento de Estado e de pessoal “de apoio” que, no total, mais do que triplicou o esforço “civil” no Afeganistão. A secretária Clinton, recentemente, falou da retirada dos civis, nos termos mais vagos que conseguiu.
Houve também uma enorme “avançada” de pessoal da CIA (além das forças de Operações Especiais), e não há qualquer sinal de que alguém em Washington tenha planos para tirar de lá todos esses agentes, nem para reduzir a ‘avançada’ de aviões-robôs-drones. Ainda que alguns soldados sejam retirados, os agentes da CIA, aquelas Forças Especiais e os drones manterão lá a “avançada”, avançando ninguém sabe até quando ou onde.
E houve também a grande “avançada” de empresas terceirizadas – mercenários estrangeiros e afegãos, empresas, empresários e empregados – dezenas de milhares. Obama não falou sobre nada disso. Ficou ocultado, como ocultada está a “avançada” na construção de bases militares, que não acabou. E a “avançada” na construção da gigantesca fortaleza-base-embaixada dos EUA na região, a qual, se não foi suspensa, só pode estar continuando.
É como extrair todos os ossos da retirada e falar da retirada como se fosse só uma casca superficial, para fazer-nos crer que alguma coisa, com certeza, sairia do Afeganistão e que alguém estaria cogitando de dar algum fim à guerra do Afeganistão. Sei que o presidente disse que “nossa missão mudará, de combate, para apoio. Esse processo de transição estará concluído em 2014, e o povo afegão ficará responsável por sua própria segurança.” Mas é formulação por demais vaga, por demais nebulosa, que bem pode levar-nos a imaginar que tudo estará acabado “em 2014” – prazo que, como se sabe, não acaba sequer no dia 1º de janeiro, mas no dia 31/12 daquele ano.
Então, pelo que sabemos dos planos de guerra dos EUA no Afeganistão, dia 31/12/2014 será o dia da partida do último dos 64 mil soldados que Obama enviou, em “avançadas”, para lá. Em outras palavras: quase cinco anos depois de Obama ter tomado posse, mais de 13 anos depois de o governo Bush ter invadido o Afeganistão, voltamos praticamente ao número de soldados em guerra nos anos Bush. Dezenas de milhares de soldados continuarão no Afeganistão, alguns oficialmente reclassificados, de “tropas de combate”, para atividades menos guerreiras. Todos serão parte da missão de “apoio” dos EUA que incluirá imenso número de “instrutores” para as forças de segurança afegãs e gente da CIA e “operadores” em geral, para atividades de “contraterrorismo” naquela área.
O general norte-americano encarregado de treinar o exército afegão sugeriu, recentemente, que sua missão não poderá ser dada por concluída antes de 2017 (mas ninguém que conheça o país acredita que, então, haverá por lá alguma coisa parecida com um efetivo Exército Afegão). Além do mais, embora o presidente Obama não tenha falado diretamente sobre isso em sua fala de West Point, o governo Obama está em conversações sigilosas com o governo afegão do presidente Hamid Karzai para costurar um acordo de “parceria estratégica” que permitirá que soldados, espiões, jatos e aviões-robôs-drones fiquem por lá como “inquilinos” em alguma das bases gigante que construímos. Lá ficarão evidentemente por anos, talvez décadas (como alguns relatórios sugerem).
Em outras palavras: dia 31/12/2014, se tudo sair como planejado, os EUA estarão comprometidos, por mais muitos anos, numa guerra também caríssima, mas invisível. Essa é a verdade, como está sendo planejada nos EUA, verdade sobre a qual o presidente nada disse.
Nota dos tradutores
[1] “President Obama on the Way Forward in Afghanistan”, 22/6/2011 (em inglês).
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