Charles Abugre |
29-31/7/2011, Charles Abugre, Counterpunch (edição de fim de semana)
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
Leia a 1ª. Parte em: Guerra contra a Líbia: “Uma loucura perversa, mal intencionada”(1/2)
Charles Abugre é mestre em Economia para o Desenvolvimento pelo Institute of Social Studies, em Haia; formado em Geografia e Economia pela Universidade de Ghana em Accra; e está concluindo seu doutoramento na Universidade de Wales, Swansea, Reino Unido. Em 2009 foi nomeado diretor da Campanha “Milênio” da ONU, para a África
(mais em Guardian, UK em Charles Abugre Profile)
“O plano da União Africana para um acordo negociado ainda é o melhor – cessar-fogo imediato; intervenção humanitária por força externa ao conflito; governo de transição constituído de representantes dos dois lados em luta; cronograma para que se formem partidos políticos; eleições; e processo legal para investigar, identificar e punir os responsáveis. E – se posso contribuir – compromisso, das forças invasoras, de não requerer reparações de guerra. Essa, precisamente, seria a via acertada a ser seguida, desde o início, se ‘o ocidente’ não tivesse impedido que a estratégia proposta pelo presidente Lula do Brasil e União Africana prosperasse.”
A intervenção militar estaria salvando vidas? Claramente não! Como bombardeios aéreos de acampamentos civis e atrocidades cometidas por milícias armadas pela OTAN implicariam salvar vidas de civis? Serão os habitantes de Benghazi talvez “mais civis” que os habitantes de Trípoli e outras cidades? A história das invasões militares ocidentais sempre significa só salvar vidas de quem se empenha em matar. No Iraque, por exemplo, morreram um milhão de pessoas por efeito direto de bombas e por efeito indireto da violência sectária, e mais um milhão de pessoas perderam casas e terras e foram convertidos em refugiados de guerra. Nem Saddam, durante anos de ditadura, matou tanta gente e arrancou tantos de suas terras e casas. Ou no Afeganistão, na Somália e, também, nas intervenções nos Bálcãs.
Esses invasores ocidentais encontram pretextos e falsos motivos para justificar invasões armadas? Sim, há muitas provas de que sim. É bem conhecida a história das mentiras e falsas razões que uma mídia sectária vendeu à opinião pública, para justificar a invasão do Iraque. George Bush e Tony Blair sabiam perfeitamente que Saddam Hussein não tinha armas de destruição em massa [1]. Mas já estava decidido que o Iraque seria invadido; e fizeram de tudo para inventar um modo de ‘justificar’ a invasão. Antes da invasão ao Afeganistão, feita sob o falso pretexto de caçar Osama Bin Laden e a Al-Qaeda, os Talibãs já haviam proposto entregar Bin Laden para ser julgado por tribunal internacional, se os EUA provassem que estivera envolvido nos ataques do 11/9 às Torres Gêmeas em New York. E há histórias, bem provadas, semelhantes a essas, também no caso dos bombardeios contra a Iugoslávia.
Por que a “mudança de regime”?
Sabendo-se de tudo isso, e sabendo-se também que os levantes no Norte da África, que respingaram na Líbia, criaram o quadro ideal para forçar a ‘mudança de regime’ que já estava planejada há muito tempo e que ‘salvar vidas’ não foi o verdadeiro objetivo da intervenção militar, por que EUA e os países europeus estavam tão desesperadamente interessados em derrubar o coronel (Irmão) Muammar Gaddafi e afastá-lo, com os filhos, do poder? Há várias teorias.
Retaliação
Diferentes governos têm diferentes questões contra “o Irmão”. Há quem diga que Sarkozy trabalha para encobrir questões que lhe causariam dores de cabeças com a lei, se acontecesse de o letárgico sistema judiciário francês acordar e divulgar informes sobre o importante apoio que a família Gaddafi deu, em dinheiro, à campanha eleitoral que levou Sarkozy à presidência da república francesa.
“Papi Silvio” (Berlusconi) também tem interesses em afastar “o Irmão”, que lhe causou embaraços quando montou sua tenda beduína em Milão, num momento em que Berlusconi enfrentava a ira popular por causa de escândalos em que aparecia envolvido em casos extraconjugais.
O “o Irmão” falou a uma platéia de italianas indignadas, cercado por sua guarda pessoal constituída só de mulheres “liberadas” (e armadas), ocasião em que se apresentou como protetor das mulheres italianas. Britânicos e norte-americanos talvez tenham questões mais graves, como a explosão de um avião da Pan Am sobre a cidade escocesa de Lockerbie.
E o mesmo tipo de ira-ressentimentos também pode ter levado vários países africanos a aceitar a Resolução n. 1.973. Muitos gostariam muito de ver pelas costas esse beduíno estranho, que jamais reverenciou o ocidente como o ocidente está habituado a ser reverenciado e expôs tantos governantes ao ridículo também em seus respectivos domínios. E não se recomenda ridicularizar, muito menos enfurecer, esses poderosos exércitos.
Em apoio a uma luta legítima por independência
Dmitry Isayev, no New Eastern Outlook journal [2], cita “Papi” Silvio (Berlusconi), que diz que a guerra da Líbia seria a guerra de independência da Cyrenaica (leste da Líbia), que seria colonizada pela Líbia Ocidental, em processo semelhante ao que levou à separação do Sudão do Sul. Nesse caso, a Itália de Berlusconi estaria apoiando claramente um movimento separatista.
Por menos que essa visão da guerra seja partilhada por outros estados-membros da OTAN, as ideias de Berlusconi encontraram eco. A insurreição armada foi lançada de Benghazi (capital do leste), cidade que por vários séculos foi sede da monarquia. Durante o período monárquico, a Cyrenaica controlou o petróleo, um porto importante, a pesca e, assim, a riqueza líbia.
Essa, precisamente, foi a monarquia que Gaddafi derrubou em 1969, com o apoio das tribos do oeste. Desde então, o leste foi política e economicamente marginalizado. Mas se objetivo da guerra é criar duas Líbias, como se articulam esse objetivo e a Resolução n. 1.073 do Conselho de Segurança da ONU, que autoriza exclusivamente a proteger civis?
Interesses geopolíticos
Na edição de 23/6/2011 do jornal Pambazuka News, principal publicação online sobre questões africanas, Ismael Hossein-Zadeh sugere que a OTAN decidiu derrubar Gaddafi por sua insubordinação, que ameaça interesses estratégicos e os fundamentos do poder na região.
Um dos pontos em que a radical insubordinação de Gadaffi parece “imperdoável” é a recusa, apoiada pela Síria – são as únicas “nações árabes” que tomaram essa decisão – a deixar-se absorver nos arranjos de segurança estratégica comandados por OTAN/França/EUA para controlar a bacia do Mar Mediterrâneo e o Oriente Médio: “Líbia e Síria não participaram, há dez anos, da operação “Active Endeavor” de patrulhas e exercícios navais no Mediterrâneo; a Líbia não é membro do Diálogo Mediterrâneo, parceria militar da OTAN que reúne quase todos os países da região: Israel, Jordânia, Egito, Tunísia, Argélia, Marrocos e Mauritânia; e a Líbia de Gaddafi sempre se opôs ao Africon (US Africa Command)”.[3]
São “infrações” graves, dada a importância estratégica do Mediterrâneo. Ficar de fora implica que Gaddafi não participa das preocupações com a segurança de Israel – país, ao que parece, intocável. Com Gaddafi fora da “aliança”, importantes recursos de petróleo, gás e minérios não ficam acessíveis ao ocidente e não podem ser incluídos no planejamento estratégico ocidental.
Admitir o “não-alinhamento” de Gaddafi também cria perigosa “abertura”, para que outros países que não integram a OTAN, sobretudo China, Brasil, Índia e Rússia, encontrem base de apoio na região. Gaddafi fora da “aliança” é perigoso risco geoestratégico, que a OTAN não poderia admitir.
Tampouco se deve esquecer a necessidade de conter Índia e China. Perguntado sobre os reais motivos da invasão ao Afeganistão, Henry Kissinger, secretário de Estado dos EUA durante a Guerra Fria, diz que “tendências apoiadas por Japão e China, para criar uma área de livre comércio na Ásia – um bloco de oposição que reuniria as nações mais populosas do planeta, com muitos recursos estratégicos e algumas das nações mais industrializadas, não é consistente com os interesses nacionais dos EUA. Por isso, os EUA devem manter presença na Ásia” (“Does America need a foreign policy?”, citado em Economicsnews [4]). Faz perfeito sentido com as ideias de Zbigniew Brzezinsky, secretário de Estado de Jimmy Carter, que há quem diga que foi o “tutor” político de Barack Obama, que o encaminhou ao partido e à presidência. Para Brzezinsky, a Eurásia seria um “tabuleiro de xadrez no qual se disputa o controle global”. O Mediterrâneo é o coração da Eurásia.
Em discurso do dia 28 de março, Barack Obama disse, sobre a invasão da Líbia: “Quando os interesses e valores da América estão em jogo, temos responsabilidade de agir (...). A América tem importante interesse estratégico em impedir que Gaddafi derrote os que lhe fazem oposição”.[5]
Interesses econômicos estratégicos
Há três áreas nas quais se manifestam claramente interesses econômicos estratégicos: nas políticas econômicas que influenciam a acumulação, a propriedade e os movimentos do capital, de bens e serviços; no controle direto ou indireto de recursos naturais; e no poder para manter dívidas de longo prazo. No artigo já citado do jornal Pambazuka, Ismael argumenta que o controle sobre as fontes de petróleo é importante, mas que os países da OTAN e França já controlam essas fontes, mediante a presença, ali, de suas empresas.
A questão é que Gaddafi recusou-se a privatizar seus poços de petróleo e, portanto, na Líbia, o estado ainda exerce controle efetivo. Por isso Gaddafi é visto como ameaça, exatamente como Hugo Chavez da Venezuela também é tratado como perigoso inimigo. Mas Gaddafi mantém política de acolher empresas estrangeiras. Por essa via, a China pode, facilmente, entrar na Líbia – o que, sim, aos olhos de OTAN/EUA complicaria a questão do que chamam “a segurança estratégica”. Como George Bush explicou “quem não está conosco, está contra nós”. Obama apenas repete.
Além do mais, quem controle os recursos naturais controla as políticas. O neoliberalismo talvez esteja morto nos círculos intelectuais, mas está bem vivo na real politik. Não fosse assim, Goldman Sachs não comandaria literalmente, como comanda, a política econômica dos EUA. Também nessa área, Gaddafi nunca se ‘alinhou’.
Se se analisam os índices de desenvolvimento do Banco Mundial, vê-se que a Líbia não tomou empréstimos nem do Banco Mundial nem do FMI, mesmo depois de as sanções terem sido levantadas. A economia líbia é marcadamente estatal. O país tem índices de qualidade e expectativa de vida comparáveis aos mais ricos países do mundo. Nada disso é admissível.
Ainda pior: ao apoiar ativamente, inclusive com fartos recursos, os sonhos das três principais instituições panafricanas – o Fundo Monetário Africano, o Banco Africano de Investimentos e o Banco Central Africano – a Líbia trabalha ativamente contra as instituições de Bretton Woods controladas pelos países da OTAN e França. Romper o domínio que essas instituições têm sobre a África também implica enfraquecer a influência geopolítica dos países da OTAN/França sobre o continente.
E a Líbia também compete por investimentos na África. O portfólio africano da Líbia prevê cerca de 8 bilhões de dólares dirigidos para investimentos africanos nos setores de telecomunicações, turismo, algumas manufaturas e distribuição de gás e petróleo. A Líbia está reaplicando boa parte de seus fundos soberanos, tirando-os de papéis do Tesouro dos EUA e orientando-os para investimentos na África. Nada disso é admissível, dado que os EUA dependem dos petrodólares para vender as ações do Tesouro.
A guerra como meio para tirar da Líbia o capital de que o ocidente precisa
O ataque militar à Líbia já resultou em grandes transferência de capital, da Líbia para a economia dos países invasores. Diretamente, já confiscaram dinheiro do povo líbio, sob a guarda de instituições públicas líbias, que está sendo consumido na própria defesa. São gastos com equipamento militar e apoio logístico ao exército líbio. Os EUA congelaram cerca de 30 bilhões de dólares, que Ismael sugere que a Líbia estaria reservando para a construção das instituições pan-africanas acima mencionadas. A Grã-Bretanha congelou depósitos; e teme-se que entregue aos ‘rebeldes’ o equivalente a 700 milhões de dinares líbios que estavam sendo impressos pela empresa britânica De la Rue. A guerra também tem importante efeito de estímulo fiscal na economia desses países, todos produtores de material bélico.
Antes da guerra, várias figuras da “oposição” líbia discretamente transferiram para o exterior os seus fundos financeiros mal havidos, em vários casos, para paraísos fiscais controlados por empresas dos países invasores. Jamais se saberá quanto.
Mas talvez o meio mais significativo e de longo prazo, para forçar capitais para fora da Líbia, será exigir pagamento de indenizações de guerra. O custo de cada bala usada pelos “rebeldes” líbios e pelos soldados da OTAN/França; o custo de cada míssil disparado de jatos ou de navios; o custo de cada avião espião que invade o espaço aéreo líbio; o custo de cada soldado mobilizado para a invasão; o custo dos agentes de inteligência e de empresas privadas contratadas serão cobrados do povo líbio, em petróleo e gás, ao longo de décadas, no futuro. E não será pouco.
Jornais britânicos especulam que, se a guerra continuar até o outono, a Grã-Bretanha gastará mais de 1 bilhão de libras. Ao final de maio, as forças armadas britânicas estimavam que tivessem feito 1.500 ataques aéreos, atacado 300 alvos e disparado, no mínimo, 20 mísseis Tomahawk, ao preço, cada um, de 1 milhão de dólares norte-americanos. Cada viagem de um jato bombardeiro Tornado, ida e volta, da base até Trípoli (cerca de 3.000 milhas ), custa 300 mil dólares por voo. Um avião de transporte C17 custa 60 mil dólares por hora de voo. Os britânicos dizem que têm mais de mil soldados e agentes envolvidos na operação.
Estima-se que, até o outono, os contribuintes norte-americanos terão gasto 1 bilhão de dólares. Em março, os EUA tinham 75 aviões de combate envolvidos na operação e o Financial Times noticiou que, no primeiro dia da operação, os EUA gastaram 110 milhões de dólares. Se a guerra do Kosovo pode ser usada como parâmetro, ao final do terceiro mês de operações os EUA haviam ali gasto 2,4 bilhões de dólares. Somem-se a isso os gastos dos demais parceiros da OTAN e aliados árabes. e é possível que, ao final do mês de julho, a invasão da Líbia já tenha consumido, no mínimo, 10 bilhões de dólares. David Cameron, primeiro-ministro britânico, disse claramente, pela televisão, que, aconteça o que acontecer naquela guerra, a Líbia terá de pagar o que os britânicos consumiram ali. E também se têm de somar os custos de reconstrução e indenizações, os salários dos mercenários e o simples roubo praticado pelos escroques do governo provisório. O povo líbio foi assaltado, de fato, em dezenas de bilhões de dólares.
O que os invasores esperam ganhar no longo prazo
Deve-se lembrar que o poder da dívida não está só no volume de dinheiro que alguém deva, mas, sim, no efeito que a dívida tem nas relações de poder. Se for derrotada, a Líbia ficará escravizada aos credores, mesmo que a dívida seja resultado de invasão militar odiosa. Terá de abrir suas políticas econômicas aos interesses dos credores. Terá de abrir a eles os seus bancos, terá de importar o que eles lhe queiram vender; terá de privatizar empresas – inclusive o petróleo. Se for derrotada, a Líbia será obrigada a conformar-se e integrar-se às mesmas organizações das quais tão atentamente fugiu até hoje.
E quanto a os invasores destruírem a Líbia... quanto mais destruição, melhor! Destruído o país, começam os negócios da reconstrução. É o que mais interessa às empresas de construção dos vitoriosos, fornecedores de materiais de construção, arquitetos, engenheiros. Os depauperados bancos europeus e norte-americanos serão reenergizados pelos financiamentos massivos para reconstruir a Líbia – que aumentarão o peso com o qual terá de arcar a população líbia, mas engordarão os lucros dos bancos de investimentos e o exército de rentistas que vêm com eles – contadores, advogados e especialistas na jogatina financeira. A guerra, sobretudo contra países ricos em petróleo, sempre interessa a economias agonizantes.
Impacto no continente africano
Apresentei a invasão da Líbia como perversa e mal intencionada, bem deliberadamente. É perversa e é mal intencionada, movida por uma agenda de ganância que levou à invasão e ao ataque militar à Líbia que em nenhum momento considerou o impacto que terão sobre o povo líbio. Se a Líbia for derrotada, a invasão terá convertido os líbios, de povo orgulhoso de si, em nação de miseráveis (o que a Líbia jamais foi, apesar da ditadura de Gaddafi e de vários anos de sanções econômicas). A Líbia corre o risco de ser convertida em típica nação subsaariana: uma pequena elite rica nadando num oceano de miseráveis e desesperados, cujo orgulho terá sido ferido fundo. Não é inconcebível que se constituam ali vários grupos armados que se porão a matar-se uns os outros, até a consumação dessa loucura “ocidental”.
O ocidente terá reaberto chagas históricas: divisões centenárias entre clãs e tribos terão sido ampliadas, não superadas ou conciliadas. Se espalhará o ódio racial, já desencadeado ali pela imprensa ocidental que continua a falar muito sobre o apoio dos africanos negros a Gaddafi. Há risco de a Líbia ser destruída para sempre. E se se vê o que foi feito no Iraque, pode-se ter certeza de que nenhuma “mudança” na Líbia foi ou será para melhor, por muitos e muitos anos.
E os efeitos mais perversos não ficarão limitados ao território líbio. Alguma coisa entre 500 mil e 1 milhão de trabalhadores de todo a região sul do Saara foram expulsos de onde viviam e trabalhavam; somam-se hoje ao oceano de desempregados que já extravasa em todas as direções. O presidente do Niger estima que haja hoje cerca de 200 mil cidadãos do Niger que trabalhavam na Líbia, desempregados. Quem pagará compensações de guerra por essas perdas?
O efeito dessas ondas de refugiados e desempregados não está em simplesmente agravar a já difícil situação de miséria em toda a África, mas também no potencial que tem para exacerbar a insegurança nessas áreas frágeis – sobretudo na região que vai da Mauritânia, pelo Niger, Mali, Chad, Sudão, Etiópia, Somália, Eritreia e Djibouti. São áreas frágeis e voláteis em vários sentidos – ecologicamente, economicamente, socialmente e, também, porque são expostos ao surgimento de conflitos armados.
A invasão da Líbia tornou ainda mais perigosa a situação nessas áreas, porque há hoje, ali, ainda mais armas de todos os tipos, circulando praticamente de mão em mão. São as armas levadas para lá e distribuídas fartamente pela OTAN/França.
E a invasão é mal intencionada, é maléfica, também, porque visa a privar a África de recursos de investimento e bloqueia o processo de criação de instituições, sem as quais o continente mais pobre não conseguirá transformar suas economias nacionais e superar a indignidade e as dores da miséria. A invasão de OTAN-EUA-França à Líbia, já praticamente converteu a União Africana, de instituição que representava toda a África, em parainstituição que só representa o sul do Saara, como a Líbia foi descrita pelos invasores – como país árabe –, caracterização que os “rebeldes” parecem carregar orgulhosamente nas camisetas.
O que nos espera
Muita água já correu sob a ponte. A família Gaddafi provavelmente deixará o poder. De fato, ninguém, seja quem for, pode arrogar-se poderes sobre os recursos da terra, sem ser democraticamente eleito. Aplica-se à família Gaddafi, como se aplica também à gangue que se autodenomina “governo de transição”, sobretudo se se sabem que ali se reúnem alguns dos mais perigosos elementos do governo Gaddafi.
Isso implica que não resta qualquer via de negociação a ser tentada. Até os invasores da OTAN/França foram obrigados a reconhecê-lo, sobretudo quando se viram presos numa situação que não esperavam: não derrotaram Gaddafi.
O plano da União Africana para um acordo negociado ainda é o melhor – cessar-fogo imediato; intervenção humanitária por força externa ao conflito; governo de transição constituído de representantes dos dois lados em luta; cronograma para que se formem partidos políticos; eleições; e processo legal para investigar, identificar e punir os responsáveis. E – se posso contribuir – compromisso a ser assumido pelas forças invasoras, de não requerer reparações de guerra. Essa, precisamente, seria a via acertada a ser seguida, desde o início, se ‘o ocidente’ tivesse permitido que a estratégia proposta pelo presidente Lula do Brasil e da União Africana prosperasse.
A conclusão é que foi guerra imprudente, ensandecida. Mas minha maior tristeza, minha maior vergonha, foi ver a ONU batendo tambores de guerra, incendiando o desvario geral, em vez de conclamar à paz. Vivemos tempos muito tristes. De que outro modo se pode descrever o que foi feito contra a Líbia, senão como “loucura perversa, mal intencionada”?
Notas dos tradutores
[1] Sobre isso, ver “Pela porta dos fundos, Mr. Murdoch, please”, 22/7/2011, Geoffrey Wheatcroft, The New York Review of Books Blogs, vol. 58, n. 12, em português. [2] “The Economics of the Libyan War and NATO's Crisis”, Dmitry Isayev, New Eastern Outlook, 17/5/2011.
[5] 28/3/2011, “Remarks by the President in Address to the Nation on Libya”, na National Defense University .
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