Franklin Lamb |
22/24/7/2011, Franklin Lamb (na Universidade Nasser, em Trípoli), Counterpunch, EUA
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Conversei durante cinco horas com estudantes da Universidade Nasser, em Trípoli. O tema escolhido para o que foi previsto para ser uma palestra professoral, mas convertemos logo em conversa entre iguais, foi “Mas... o quê, diabos, estão fazendo da Líbia, e por quê?”
Um ponto em relação ao qual a maiorias dos estrangeiros e da população concorda, no oeste da Líbia é que não havia praticamente sinal algum, no início de fevereiro, de que o leste da Líbia estaria a ponto de levantar-se contra o governo; esse processo ainda é obscuro para muitos, que não sabem por quê e como aconteceu o que aconteceu. Por isso, quando meia dúzia de líbios brilhantes, enérgicos e nacionalistas, alunos de graduação e pós-graduados, concordaram em organizar discussão franca sobre essas e outras questões, tratei logo de juntar-me a eles.
Não se pode dizer que as questões específicas propostas pelos estudantes líbios em Trípoli e subúrbios sejam manifestação do leste da Líbia, onde um terço do país continua, em boa parte, sob controle dos rebeldes. Isso, apesar de muitos estudantes de Al Fatah dizerem que a maioria de seus amigos, famílias e tribos de Benghazi e no leste, mesmo que nessas regiões se venerem os salafistas e os bolsões de jihadistas, concordariam, em boa parte, com as opiniões que ouvimos frequentemente em Trípoli.
O leste da Líbia tem longa história de antipatia contra o governo de Trípoli desde os dias (1951) quando o já decadente Império Britânico instalou Idris Senussi como rei, com assentimento da Itália, para ali defender seus interesses. O rei da Líbia, Idris I, foi derrubado pela Revolução Fatah, comandada pelo coronel Gaddafi, em 1969. Hoje, um dos objetivos dos grupos que formam o “Conselho Nacional de Transição” é restaurar a monarquia, projeto estimulado pela tribo Senussi.
Os estudantes, em Trípoli, dizem que alguns de seus parentes e amigos na tribo Senussi que vivem em Benghazi sabem que a Al-Qaeda jamais admitirá qualquer monarquia, mesmo que, hoje, esteja calada, cumprindo o roteiro traçado pela CIA, que fala de democracia e direitos humanos para todos, inclusive para as mulheres.
O Fórum – que decidimos batizar de “Libyan Forum 101” – pediu que os alunos líbios formulassem e encaminhassem à organização perguntas cujas respostas, na avaliação deles, ajudariam a compreender e a resolver o que, por aqui, se chama “nossa crise”.
As perguntas logo começaram a aparecer e são manifestação de sentimentos muito presentes no oeste da Líbia, tenham ou não ecos em Benghazi e arredores.
Meu jovem amigo Hassan, aluno de literatura inglesa logo ofereceu três perguntas para que fossem discutidas, depois de pedir desculpas pelo atraso, devido, como explicou, aos bloqueios da segurança em Trípoli, depois de denúncias de que haveria rebeldes infiltrados e sabotadores, de que Gadaffi falara pela televisão na noite anterior. Hassan repetiu o que ouvimos de outros, de que teria havido tiros no centro da cidade; e a rede Al-Jazeera falou de uma explosão no hotel Sheraton Four Points, que está em construção.
Ismail, aluno da escola de comércio, riu quando se falou da Al-Jazeera, a qual, como a BBC e a CNN, são vistas como fonte de noticiário distorcido e de declarada propaganda pró-rebeldes. A página da BBC está novamente bloqueada pelo governo aqui em Trípoli, e a sucursal acaba de receber um produtor substituto, Daniel Fisher, sujeito simpático, que apareceu hoje cedo e apresentou-se, e que parece ter-me confundido com Jack Nicholson. A chegada de Daniel acontece depois de o governo líbio ter protestado, porque o jornalista que trabalhava aqui além de não ter noticiado a manifestação pró-Gaddafi na Praça Verde dia 11/9/2011, escreveu, no dia seguinte, que vira multidões “fugindo de Trípoli” e que o quartel-general de Gaddafi estaria na iminência de “ser implodido a qualquer instante”.
Essa matéria da BBC foi total nonsense. As famílias que, para os jornalistas da BBC e da CNN estariam “fugindo”, estavam simplesmente retornando aos subúrbios de Trípoli, onde vivem, depois das manifestações da noite anterior e depois de terem pernoitado na cidade.
Hassan encaminhou as seguintes perguntas à mesa: “Quem indicou o Grupo de Contato da Líbia, para que se imiscuísse em nosso país? E que legitimidade poderiam receber da OTAN, para que o secretário geral da ONU (dia 17/7/2011) impusesse condições para resolver a crise sem que nem Trípoli nem os grupos de Benghazi fossem ouvidos?
A OTAN, agora que criou o Grupo de Contato da Líbia, teria o direito de afastar do processo o Conselho de Segurança da ONU e a secretaria-geral e toda sua equipes?
Amani, que acaba de conseguir emprego na Libyan Sports TV, encaminhou várias perguntas à discussão de todos:
“Como podem EUA e OTAN repetir que estariam respeitando a lei internacional, se a OTAN já matou mais de 1.000 civis líbios, sob a falsa alegação de que estariam protegidos pelas Resoluções no. 1.970 & 1.973, as quais a OTAN interpreta como autorização para todas as suas operações militares que têm objetivos políticos? As Resoluções da ONU relativas ao nosso país limitam o envolvimento da OTAN exclusivamente a estabelecer uma “zona aérea de exclusão” – o que foi feito em dois dias. Depois disso, a ONU teria talvez autorizado os quatro meses seguintes de bombardeios ou a expansão da missão original, para que incluísse inúmeras tentativas de assassinato e destruição massiva da infraestrutura do nosso país?”
Amani acrescentou: “Além disso, por que ninguém se dedicou a enviar ao nosso país uma comissão de investigação da ONU, para realmente investigar o que está sendo feito na Líbia, as notícias falsas que a imprensa está distribuindo, todas vindas dos rebeldes, apesar de inúmeras solicitações feitas pela Líbia e por outros países africanos e árabes, para que uma comissão oficial de investigação estabelecesse a verdade dos fatos?”
Sanaa, estudante de enfermagem, perguntou: “Por que a Líbia? Sempre tivemos boas relações com EUA e Europa desde 2003. É sabido que a CIA e a Líbia tinham operações conjuntas até bem recentemente, em 2009-2010. Será que os EUA só atacam quando o país tem petróleo? O governo do Zimbabwe tratou seu povo com terrível crueldade, mas nem por isso os EUA invadiram o país. Por quê, então, invadiram a Líbia? E quanto ao Bahrain, Iêmen e Síria? E os muitos civis ameaçados nesses países, que tanto precisam da intervenção humanitária de Obama?”
Nadia, aluna de Medicina, propôs a seguinte pergunta: “É possível acreditar que todas as informações distorcidas que se divulgam sobre nosso país, desde o início da terceira semana de fevereiro, sejam divulgadas por acaso, ou por mera incompetência dos jornalistas? Por exemplo, aquelas histórias sobre distribuição de Viagra e bebidas alcoólicas para estimular estupros; ou “notícias” sobre massacres de civis líbios por nosso governo. Ou sobre a cidade de Trípoli, que estaria armada para derrubar nosso governo. Ou as ‘declarações’ de que o coronel Gaddafi não teria legitimidade nem apoio popular, que há caos nas ruas de Trípoli, que a população estaria petrificada de medo, ou que o coronel Gaddafi teria sido ferido ou fugira para a Venezuela e tantas outras mentiras. Quem criou essas falsas notícias jornalísticas e por quê foram e continuam a ser criadas e distribuídas?”
Imad, estudante de engenharia, perguntou: “Por que a OTAN bombardeou a torre de controle (civil) de tráfego aéreo no final de semana, ferindo (outros) tantos civis? Até o diretor de nosso aeroporto disse que o sistema de controle do tráfego aéreo é feito por civis, pessoal 100% civil. Funcionários da IATA e até norte-americanos disseram o mesmo. Por que a torre de controle de tráfego aéreo foi atacada pela OTAN?”
Hind, estudante de Tecnologias da Informação e voluntária num grupo de mulheres, perguntou: “Será que EUA e OTAN esperam que alguma Líbia pós-Gaddafi os receberá bem, se conseguirem derrubar o coronel Gaddafi? Será que fazem, pelo menos, alguma ideia de o quanto a invasão estrangeira enfureceu e enfurece o povo líbio? São os invasores quem, hoje, estão tornando o coronel Gaddafi ainda mais popular, não só na Líbia e na África, mas entre muitos que se opõem às guerras dos EUA como tentativa para implantar seu controle imperial sobre nosso país. Será que EUA e OTAN algum dia pensaram em promover a reconciliação, a paz? Quem assegura que algum novo governo seja melhor que o atual governo líbio?”
As perguntas dos estudantes ainda não foram respondidas. E são questões que se vão tornando mais frequentes e mais insistentes.
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