17/4/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
The Saker |
O Guardian publicou a íntegra da Declaração de Genebra. Eis o
que produziram oito horas de negociações:
A reunião
de Genebra sobre a situação na Ucrânia definiu passos concretos iniciais para
desescalar tensões e restaurar a segurança dos cidadãos.
Todos os
lados devem abster-se de qualquer ação violenta, de intimidação ou de
provocação. Os participantes condenam fortemente e rejeitam todas as expressões
de extremismo, racismo e intolerância religiosa, inclusive o antissemitismo.
Todos os
grupos armados ilegais devem ser desarmados; todos os prédios ilegalmente
ocupados devem ser devolvidos aos legítimos proprietários; todas as ruas
ilegalmente ocupadas, praças e outros locais públicos nas cidades e vilas da
Ucrânia devem ser evacuados.
Será
garantida anistia a todos os manifestantes e aos que tenham abandonado os
prédios e outros locais públicos e entregaram armas, exceto os declarados
culpados por crimes capitais.
Ficou
resolvido que a Missão Especial de Monitoramento da Organização para Segurança
e Cooperação na Europa (OSCE) deve ter papel central na assistência às
autoridades ucranianas e comunidades locais para a imediata implantação dessas
medidas de desescalada onde sejam necessárias, começando já nos próximos dias.
EUA, Rússia e União Europeia comprometem-se a apoiar essa Missão, inclusive
provendo monitores.
O anunciado
processo constitucional será inclusivo, transparente e aberto. Incluirá o
imediato estabelecimento de amplo diálogo nacional, que inclua todas as regiões
da Ucrânia e partidos políticos, e permita que os cidadãos proponham e comentem
cláusulas e provisões.
Os
participantes destacam a importância da estabilidade econômica e financeira na
Ucrânia e dispõem-se a discutir apoio adicional, à medida que os passos acima
sejam implementados.
É tudo. Bom
que tenham escrito que é “inicial”, porque aí só há truísmos bem intencionados.
Bem poderiam ter escrito algo na linha de “dar uma chance à paz” ou “somos o
mundo, somos as crianças, somos os que constroem um dia mais luminoso”.
Então, se
nada há de substancial aí, qual a grande coisa? Por que demorou tanto?
A grande
coisa é que Tio Sam teve de aceitar a Rússia como parte, em pés de igualdade,
para resolver toda essa confusão gigantesca.
A grande
coisa é que Kiev teve de aceitar o Leste como parte, em pés de igualdade, para
resolver toda essa confusão gigantesca.
A bandeira nazista adentra ao BANDERASTÃO (ex-Ucrânia) |
Pode
parecer óbvio para qualquer pessoa mentalmente sã, mas para imperialistas casca
grossa que acreditam na própria húbris e para bandidos neonazistas que creram
que construiriam o Banderastão deles e eliminariam o leste da Ucrânia de um
modo ou de outro, é concessão muito dura de fazer. Tão dura que farão tudo o
que estiver ao alcance deles para renegar o acordo ao qual hoje se submeteram.
Além do
mais, essa “declaração” (não chega a ser sequer um acordo) tem imensa falha,
que já está sendo detectada por muitos olhos: veio assinada por uma “Ucrânia”,
como se existisse alguma “Ucrânia”. “Ucrânia”, hoje, não passa de ficção.
As grandes
forças em confronto, que realmente contam, são o Setor Direita e os falantes de
russo do leste – nenhuma das quais foi convidada a se manifestar. A
assinatura que se vê na “declaração” é do regime ficcional e ilegítimo dos
oligarcas e de agentes da CIA, que se apresenta em nome de todos os
ucranianos. O problema é que esse regime é quase tão representativo do
povo ucraniano quando o regime de Kerensky, da Rússia de 1917: o regime só
representa ele mesmo.
O Pravy Sektor (Setor Direita) não abandona Maidan |
Quanto ao
Setor Direita e os falantes de russo no leste, a nada se comprometem por esse
‘acordo’; e os últimos já o declararam. Quanto ao Setor Direita, o documento
faz referência diretamente a eles, pela palavra “praças”, no trecho que diz que
“todas as ruas ilegalmente ocupadas, praças e outros locais públicos
nas cidades e vilas da Ucrânia [devem ser evacuadas]. Eles não vão gostar
nem um pouco.
Claro, a
junta pode dar ao “governo de Maidan” um alvará para reuniões públicas, e voilà,
estarão “legais” (mas, como Maidan é hoje ameaça maior ao governo de Kiev que
qualquer outra, o “alvará” pode ser medida muito perigosa).
Em resumo,
é o seguinte: essa “declaração” é apenas “aceitação parcial da realidade” pelos
EUA e seus fantoches em Kiev. Não passa disso.
Foram
obrigados a essa concessão por causa do fracasso absoluto da chamada “operação
antiterroristas”, a qual, em vez de esmagar o leste, mostrou várias unidades
mudando de lado (a 24ª Brigada Aerotransportada, onde houve a maior parte das
deserções, está, segundo o noticiário, sendo extinta; implica que Kiev está,
basicamente, extinguindo a sua unidade comparativamente mais bem treinada para
combate, em todo o exército ucraniano).
O mais
importante a compreender, nesse momento, é que o futuro da Ucrânia não será
decidido por esse documento, mas, exclusivamente, pela correlação de forças em
campo. O Império Anglo-sionista só responde a isso; só responde à força. Com
o Império, acordos e tratados escritos e assinados, promessas e juras não valem
nem o papel em que são escritos. E os russos sabem disso, melhor que todos.
Putin deu
aos ucranianos um mês para, no mínimo, recomeçarem a pagar a conta de luz do
mês e negociar um plano para saldar a dívida remanescente; se nada acontecer, a
Rússia adotará regime de exigir pagamento antecipado (previsto em contrato),
pelo qual Kiev só terá energia se pagar antes
de receber o gás comprado.
O efeito
dessa medida será equivalente a uma explosão nuclear econômica, especialmente
no contexto da prometida eleição presidencial. E ainda que, mediante um mix
de meias medidas (empréstimos, reversão do gás recebido, etc.), o ocidente
consiga manter acessos alguns bicos de iluminação pública em Kiev durante o
verão, já em setembro a severidade do racionamento será praticamente
apocalíptica.
Região de falantes de russo rebelada na Ucrânia |
Quanto aos
falantes de russo no leste, ninguém, hoje, tem meios para desarmá-los ou
esmagá-los pela força. E não vejo como essa situação possa ser alterada em
futuro planejável. Ao longo do verão, o leste simplesmente se organizará melhor
e se preparará para qualquer tentativa que Kiev empreenda contra a população. E
a Rússia tem agora o tempo necessário para, sem alarde, dar assistência
financeira, organizacional e até militar, ao Donbass.
O tempo,
definitivamente, não corre a favor dos EUA e seu lado; e, com o passar das
semanas, a posição do atual regime de oligarcas enfraquecendo-se cada vez mais,
mais os oligarcas pressionarão com pedidos de mais e mais concessões.
Francamente: nesse ponto, melhor seria que o Setor Direita e os falantes de
russo negociassem cara a cara, diretamente. Sei que parece forçado, e é. Mas
esses dois grupos têm, pelo menos, força e legitimidade (quero dizer: cada um,
com o povo que representa).
Mais uma
coisa: alguns de vocês manifestaram preocupação com a missão planejada aí, de
monitores da OSCE. Entendam o seguinte: tudo, até a própria declaração, é folha
de parreira, para dar a impressão de que todos querem desescalar a violência. E
uma coisa posso dizer com certeza: ninguém no mundo conhece melhor a OSCE que
os russos, especialmente Putin – que viu muito bem como esses “observadores”
“observaram” na Chechênia! Resultado disso é que, quando esses ditos
“observadores” aparecerem por lá, no leste da Ucrânia, será como se
desembarcassem vestindo camisetas com “CIA – espião norte-americano”, “MI6 –
espião britânico”, “DGSE – espião francês” ou “KSI – espião polonês” no peito,
ou nos bonés.
A conclusão
é a seguinte: essa declaração é, primeiro e sobretudo, uma concessão simbólica,
que os anglo-sionistas foram obrigados a fazer. Terá impacto zero em campo. Não
se deixem distrair pela informação-zero que a imprensa-empresa e a blogosfera
ocidental estão distribuindo, porque não passa de flatulência politiqueira. Só
um fator decidirá qualquer resultado dessa crise: a correlação de forças em
campo; e ela indica, claramente, sem ambiguidades, que o “experimento
ucraniano” está acabado. Agora, é só questão de tempo.
The Saker
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