5/4/2014, [*] Conflicts Forum
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Mensagem que recebemos cá na Vila Vudu:
Muito obrigado,
vudus. Muito obrigado, mesmo. Mas... leio artigo como esse, essa maravilha, e
fico tremendo de medo. Deus nos acuda! Será que o Brasil conseguirá salvar-se,
apesar de, em pleno século 21, ainda continuarmos perdidos e sem bóia em pleno
mar da mais escura e total ignorância sobre tuddddddddo que se passa na mundo,
por culpa dos jornalistas do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) e dos
professô-dotô da tucanaria uspeana e dessa tal de Marina Silva, a insuportável,
e seus marketeiros salafrários?
Resposta que já despachamos: Obrigado a você, compás. Calma.
Só a luta ensina. Vamkemamo. Ah! E não é “tuddddddddo”, prestenção. É (quase)
“tuuuuuuuudo”. É só ler em voz alta, na praça ou no bar, que você não erra.
Grande abraço. VV
Barack Obama e seu "staff" de segurança nacional em 6/3/2014 na Casa Branca |
Essa foi
semana na qual as iniciativas da política externa do presidente Obama azedaram;
e, para piorar, todas parecem ter azedado ao mesmo tempo.
Moshe Ya'alon |
Não é fácil
dizer por que essa constelação de eventos aconteceu numa espécie de sincronia,
mas há poucas dúvidas de que o presidente Obama está diante de um muro de
truculência que emana de toda a região. Dos sauditas, sobre virtualmente tudo;
de Abu Mazen [Mahmoud Abbas] e da Liga Árabe, sobre reconhecer Israel como
estado judeu e a libertação de prisioneiros; ou o desprezo de Moshe Ya'alon,
pelo plano de segurança (“engenhoca”) dos EUA; ou a ira dos egípcios, pela
acanhada reação dos norte-americanos ante a matança e a condenação à morte em
massa de Irmãos da Fraternidade Muçulmana; ou como resultado dos sucessos do
presidente Assad, que criou fatos militares suficientes para virar o jogo em
campo; ou resultado do humor pendular do Irã que, agora, vê as possibilidades
das conversações do grupo P5+1 sob luzes mais escuras; ou as ações de um touro
ferido, com sangue nos olhos, que chifra
para todos os lados em Ancara.
Feitas
todas essas contas, o presidente Obama tem pela frente tempos políticos nada
fáceis e, isso, no momento crucial da campanha para as eleições parlamentares
de meio de mandato.
Rei Abdullah da Arábia Saudita |
Para que
não pairassem dúvidas, os sauditas disseram com
todas as letras que Obama não
espere vida fácil em Riad – a menos que esteja preparado para mudar de
rota sobre o Irã, ser militarmente proativo na Síria e dar apoio a Sisi, no
serviço de esmagar a Fraternidade Muçulmana. Para o caso de o recado não ter
sido ouvido, foi repetido, com o anúncio, na véspera da visita de Obama, de que
o príncipe Muqrin será o próximo, na linha de sucessão, depois do atual
Príncipe Coroado. Em outras palavras, o Reino Saudita está declarando: “EUA,
nem pensem em interferir na sucessão, com o favorito de vocês, príncipe
Mohammad bin Naif”.
E para
deixar bem claro ao presidente Obama que as coisas não serão fáceis tampouco
nas conversações Israel-palestinos, a Liga Árabe alinhou-se – com Abbas – em
declarações que parecem estar comprometendo todos os membros da Liga Árabe com
a posição de “rejeição absoluta” a qualquer reconhecimento de Israel como
estado judeu. Foi tranco suficiente para que o secretário de Estado deixasse
Roma e voasse diretamente a Amã, para tentar salvar pelo menos em parte as
conversações de depois do fim de abril, e conseguir, que seja, alguma espécie de
“mapa do caminho” desbotado.
Abdel Fattah al-Sisi |
E no Egito,
um dia antes da visita do presidente Obama, Sisi anunciou que é candidato à
presidência, notícia há muito tempo adiada. Em resumo, está dizendo aos EUA
“Estou aqui para ficar. Vocês não têm escolha: têm de trabalhar comigo, gostem
ou não gostem”.
E acima e
em torno de todos esses itens, paira o relacionamento dos EUA com a Rússia. Já
argumentamos em vários “Comentários”
anteriores que a política de Obama para o Oriente Médio tornou-se pesadamente
dependente de uma relação necessariamente privada, nunca comentada, com o
presidente Putin. Já seria necessário que assim fosse – sem cenas públicas,
próxima, pode-se dizer íntima, próxima do coração de Obama – por causa das
animosidades residuais da Guerra Fria que persistem, se não também em muitos
outros pontos, pelo menos dentro da própria “equipe de rivais” do governo
Obama, que está furiosa por causa da Síria, furiosa por causa das negociações
com o Irã e profundamente ressentida, obrigada a assistir ao ressurgimento da
Rússia.
Parece que,
empurrado para as cordas do confronto contra Putin, por membros
neoconservadores de seu governo, na disputa pelo mais improvável dos butins (só
não é improvável, é claro, para o contingente neoconservador de seu próprio
governo), o presidente Obama ficou sem escolhas, obrigado a reconhecer que a
Ucrânia sobretudo, para muitos norte-americanos, é um símbolo
psicológico. O que, se não
isso, explicaria que um estado remoto, pequeno, falido, assuma tal significação
e desperte emoções tão apaixonadas entre as elites políticas?
É
profundamente perturbador, e desperta ódios só parcialmente sublimados, que o
mundo não esteja caminhando pela história linear, como “deveria”.
Vladimir Putin |
O
presidente Putin está, efetivamente, negando a narrativa de um “fim da história”
pela qual todos nós convergiríamos para a órbita da globalização liberal
norte-americana e seu séquito, sempre presente, sempre de autoperpetuação, de
“conjunto de regras”. E ao fazê-lo, os russos estão pondo em
questão algo muito fundamental sobre como alguns norte-americanos e europeus se
autodefinem.
Parece que
Obama vê isso, e está entendendo que, a menos que ele responda à psicologia do
momento, a ira sublimada dirigida contra a Rússia, virar-se-á contra ele.
Em Bruxelas
essa semana ele, portanto repetiu a questão da Ucrânia nos termos da mesma
narrativa simples: desafiando o presidente Putin, Obama diz que os eventos na
Ucrânia nada têm a ver com a aliança ocidental explorar o sul vulnerável da
segurança da Rússia, mas devem ser corretamente compreendidos como nada além de
um ocidente civilizado que apoia o progresso linear, regular, em direção à
liberdade, ao individualismo e à democracia. E, com todos progredindo e
ascendendo por essa trajetória, todos naturalmente nos dirigimos para aceitar o
‘'conjunto de regras'’ que governa e difunde-se por esse mundo conectado,
globalizado. Não há lugar para os que recusem a ordem internacional ou
desrespeitem o “conjunto de regras” que subjaz e dissemina a conectividade
liberal global.
Barack Obama |
Provavelmente,
o presidente Obama não tinha outra escolha que não fosse essa posição simplória
de apoio à história linear – pelo menos, para se autovacinar contra acusações
de ter contribuído para que a liderança excepcional dos EUA fosse diluída e
deixada perecer. Afinal, o excepcionalismo norte-americano depende existencialmente
da história linear.
Mas essa
abordagem – embora talvez obrigatória, em termos do eleitorado doméstico de
Obama – põe abaixo a política de Obama para o Oriente Médio.
Ao negarem
à Federação Russa, ao Irã ou à Síria o direito a uma visão alternativa coerente
de seu próprio futuro, os EUA tentam outra vez prender-se pelas próprias garras
à narrativa de uma sua liderança global – e retomar o papel de “moralizador-em-chefe”
e único árbitro do que sejam pensamento e comportamento normais e anormais.
Essa ideia mancha e complica qualquer negociação de política externa, e
dificulta muito todas elas.
Já está
dividindo a Europa (adiante, mais sobre isso); chineses e russos sentir-se-ão repelidos;
e fará o Irã resistir mais firmemente a todas as demandas dos EUA.
Em termos
práticos, Obama – ante um Oriente Médio truculento – deve desejar que as
tensões com a Rússia sejam discretamente desescaladas (apesar do discurso que
fez em Bruxelas) e que ele consiga reencontrar algum tipo de relacionamento de
trabalho com o presidente Putin. Assim, terá ainda alguma probabilidade de
salvar alguma coisa de sua política exterior, ante o assalto que lhe movem seus
adversários ideológicos. Resta uma pequena possibilidade de que consiga [e
depende de Putin]: embora a Rússia deva, com certeza, orientar de outro modo
sua política externa à luz dos eventos na Ucrânia, o presidente Putin sempre se
mostrou muito hábil no trabalho de separar ‘os casos’. Putin pode manter-se em
posição de oposição em alguns casos chaves, e mesmo assim cooperar em outros.
Angela Merkel |
O “melhor
amigo” de Obama na tentativa de salvar alguma coisa do imbróglio na Ucrânia
será provavelmente Angela Merkel. A chanceler alemã disse que “não está interessada”
na escalada de tensões com a Rússia. “Ao contrário”, disse ela, “estou
trabalhando para desescalar a situação”. Disse que o ocidente “não alcançou
posição que implique impor sanções econômicas” à Rússia. “E espero que
consigamos evitar isso”, acrescentou.
Helmut Schmidt |
Outro
político alemão, e ex-chanceler, Helmut Schmidt,
que mantém coluna regular em Die Zeit, escreveu que a abordagem de Putin na questão da
Crimeia é “completamente compreensível”. As primeiras sanções ocidentais
(contra indivíduos) foram “completamente estúpidas”, continuou ele, e “sanções
econômicas mais sérias ferirão o Leste, tanto quanto o Oeste”. A decisão de
reduzir o G8 para G7 pensando em punir a Rússia é erro grave, Schmidt alertou:
“Muito bom seria reunir os oito agora, exatamente agora. Com certeza seria
melhor serviço, com vistas à paz, que a ameaça das sanções”.
Mas também
essa esperança, o presidente Obama está obrigado a manter guardada no peito: há
muitos velhos (e uma nova geração) de Guerreiros da Guerra Fria, tanto nos EUA
como na Europa, que temem, mais que qualquer outra coisa, a emergência na Europa,
de um eixo russo-alemão. O caso Ucrânia já abriu fissuras entre os EUA e a
União Europeia, quando, vale lembrar, o objetivo original (declarado por John
Kerry na Conferência de Segurança de Munique) do “movimento” na Ucrânia era
unir a Europa sob uma liderança revigorada de EUA-OTAN.
A OTAN,
hoje, está sem “missão” crível (assim, portanto, está sem justificativa para os
gastos com defesa). A Ucrânia só deu à OTAN causa clara para, no máximo,
reforçar uma “linha Maginot” da Estônia ao Azerbaijão. Com isso, a OTAN pode,
pelo menos, reformular sua missão. Na direção exatamente contrária aos
interesses da Alemanha de Merkel, o que interessa à “indústria da defesa” é
manter sempre crescentes as tensões com a Rússia.
[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma
compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do
Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás narrativas
contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e interpretações que
são projetadas para eventos de um modelo de expectativas anteriores
discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as
pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se
escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de
“extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos,
movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais
políticos no mundo.
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