29/4/2014, [*] Mike Whitney, Counterpunch
Tradução de mberublue
Washington quer enfraquecer Moscou economicamente, cortando suas
receitas do gás, erodindo assim sua capacidade de defender-se ou defender seus
interesses. Uma integração econômica entre Ásia e Europa não interessa aos EUA.
Uma possível aliança de fato entre Rússia e União Europeia seria uma ameaça
direta à hegemonia global dos Estados Unidos.
Obama adestrando os "poodles"europeus no Nuclear Security Summit (24/3/2014) |
As
provocações dos Estados Unidos na Ucrânia não podem ser entendidas sem se
entender antes o “Pivoteamento para a Ásia” de Washington, que faz parte de um
plano estratégico mais amplo que transfira a atenção do Oriente Médio para a
Ásia. Atualmente, o assim chamado “reequilíbrio” é um projeto para controlar,
de maneira compatível com as ambições hegemônicas dos Estados Unidos, o
crescimento da China. Há várias correntes de pensamento sobre como se poderia
conseguir isso, mas falando bem simplesmente, elas acabam caindo em uma de duas
categorias: “matadores de dragões” e “amigos do panda”.
Matadores de
dragões são a favor de uma estratégia de contenção, enquanto os amigos do panda
são a favor de uma espécie de noivado. Qual política será adotada ainda não foi
objeto de escolha definitiva, mas já ficou claro, pelas hostilidades no Mar do
Sul da China e Ilhas Senkaku, que o plano dependerá muito de força militar.
Então, o que
é que controlar a China tem a ver com a poeira levantada na Ucrânia?
Tudo.
Washington vê a Rússia como uma crescente ameaça a seus planos de dominação
regional. Este é o problema: Moscou cada vez mais se fortalecendo com a
expansão de sua rede de oleodutos e gasodutos para a Europa, através da Ásia
Central. Não por outra razão, Washington decidiu usar a Ucrânia como o palco
para um ataque à Rússia, porque uma Rússia forte e que esteja economicamente
integrada com a Europa é uma ameaça à hegemonia dos Estados Unidos. Washington
precisa de uma Rússia fraca e que não ameace sua presença na Ásia Central ou
seus planos de controlar recursos energéticos vitais.
Atualmente a
Rússia fornece cerca de 30% (trinta por cento) do gás natural usado na Europa
Ocidental e Central, dos quais 60% (sessenta por cento) passam pela Ucrânia. O
povo e as empresas da Europa necessitam desse gás para ou esquentar suas casas
ou mover suas máquinas. O fortalecimento mútuo de vendedores e compradores é o
que resulta das relações comerciais entre Rússia e União Europeia. Os Estados
Unidos nada ganham com a parceria entre União Europeia e Rússia, sendo esta a
causa que faz Washington querer bloquear o acesso de Moscou a mercados tão
essenciais. Essa forma de sabotagem
comercial é ato de guerra.
Ao mesmo
tempo, as grandes companhias petrolíferas ocidentais pensaram que poderiam
competir com Moscou construindo gasodutos alternativos, o que significaria
atender à prodigiosa demanda da União Europeia por gás natural. Porém o plano
falhou, e então Washington resolveu apelar para o plano B; interpondo-se entre
os dois parceiros comerciais, os EUA esperam supervisionar de perto a
distribuição futura de suprimento de energia e controlar o crescimento econômico
em dois continentes.
Oleogasodutos existentes e projetos na Ásia Central e Oriente Médio (clique na imagem para aumentar) |
O problema
que Obama et caterva terão será convencer o povo da União
Europeia que seria do seu interesse pagar o dobro do que pagam em 2014 para
aquecer as casas em 2015, porque é isso o que vai acontecer se o plano de
Washington for bem sucedido. No empenho de cumprir esta meta, os Estados Unidos
empreendem todos os esforços para atrair Putin a uma confrontação, e por isso a
mídia o denuncia como terrível agressor e ameaça enorme para a segurança da
União Europeia. Alcançariam a justificativa necessária para interromper o fluxo
de gás da Rússia para a UE, mediante a demonização de Putin e, ao mesmo tempo,
estariam enfraquecendo a economia russa, enquanto providenciariam novas
oportunidades à OTAN para estabelecer bases operacionais no perímetro ocidental
da Rússia.
Para Obama,
não faz a menor diferença se o povo será explorado em relação ao preço do gás
ou se simplesmente congelará até a morte no inverno. O que lhe importa mesmo é
o “pivoteamento” para os mercados mais promissores e prósperos do próximo século.
O que importa é destruir Moscou, cortando fundo nas suas receitas do gás e
reduzindo sua capacidade de autodefesa, bem como de defender os próprios
interesses russos. O que importa é a hegemonia global e dominar o mundo. Isso é
o que realmente importa. Todo o mundo sabe disso. Tentar acompanhar os
acontecimentos da Ucrânia como se fossem isolados do panorama geral é
simplesmente ridículo, porque eles fazem parte da mesma estratégia doentia.
Parece um filme antigo sobre a segurança nacional dos Estados Unidos, narrado
pelo conselheiro Zbigniew Brzezinski em discursos sobre política externa – no
que diz respeito aos EUA, não é lógico separar as políticas para a Europa e da
Ásia:
Zbigniew Brzezinski |
Com a Eurásia desempenhando atualmente um papel decisivo no
tabuleiro de xadrez da geopolítica, já não basta ter uma política para a Ásia e
outra para Europa. No território da Eurásia, o que acontece com a distribuição
do poder tem importância vital para a primazia global da América e seu legado
histórico (“O perigo da
guerra na Ásia”, World
Socialist Web Site).
Tudo se
resume ao “pivoteamento” para a Ásia e ao futuro do Império. É por esse motivo
que a CIA e o Departamento de Estado americanos engenharam um golpe de estado
com o fim de expulsar do poder o presidente Viktor Yanukovich, colocando em seu
lugar uma marionete que obedecerá bovinamente às ordens de Obama. Por este
motivo, o Primeiro Ministro imposto, Arseniy Yatsenyuk, ordenou duas “operações
antiterror”: reprimir ativistas desarmados no oriente da Ucrânia que se opõem à
Junta no poder em Kiev. Por este motivo, a Administração Obama tem evitado
travar com Putin um diálogo construtivo destinado a encontrar uma solução
pacífica para a crise atual na Ucrânia. Tudo isso ocorre porque Obama quer
atrair Putin para uma prolongada e desgastante guerra civil que enfraquecerá a
Rússia, colocará Putin em descrédito e fará a opinião pública pender para o
lado dos Estados Unidos e da OTAN. Por que Washington afasta enfaticamente uma
política que certamente faria alcançar o objetivo que supostamente se busca?
Porque sim. Leiam um trecho de artigo publicado no site antiwar.com:
Vladimir Putin |
Relatórios oriundos de Moscou dizem que o Presidente Putin
“encerrou” todas as conversações com o Presidente Obama, e disse
que não está interessado em falar com os
Estados Unidos novamente sobre o atual desenvolvimento da crise, de suas
ameaças e atitudes hostis.
Putin e Obama falaram regularmente por telefone sobre a
Ucrânia em março e início de abril, mas Putin não tem conversas diretamente
com o presidente Obama
desde 14 de abril, e o Kremlin informa não ver mais nenhuma necessidade de mais
conversações. (“Putin
suspende negociações em meio às ameaças de sanções” − AntiWar.com)
Ele nada tem
a ganhar em conversações com Obama. Putin já sabe o que Obama quer. Obama quer
guerra. Isso é assim, porque o Departamento de Estado e a CIA querem derrubar
seu governo. Não é por outro motivo que o diretor da CIA John Brennan surgiu em
Kiev justamente um dia antes da ordem de Yatsenyuk determinando a primeira
tentativa de reprimir os ativistas pró Rússia no leste. É também por isso que o
vice-presidente Joe Biden esteve em Kiev, “por coincidência”, apenas horas
antes de Yatsenyuk lançar a segunda tentativa de repressão aos ativistas no
oriente da Ucrânia. Finalmente, é por esse motivo que Yatsenyuk promoveu o
cerco à cidade oriental de Slavyanski, enquanto prepara um ataque contra os
ativistas pró Rússia. A causa de tudo isso é a crença dos Estados Unidos de que
uma conflagração violenta serve aos seus interesses geopolíticos na área. É
inútil conversar com esse pessoal sobre o assunto, o que levou Putin a parar de
tentar.
Atualmente a
administração Obama está forçando uma nova rodada de sanções contra a Rússia,
mas os membros da União Europeia quanto a isso estão lentos, arrastando os pés.
Segundo a RT:
Barack Obama |
No momento, não há consenso entre os membros da União
Europeia sobre quais medidas contra a Rússia seriam aceitáveis, ou mesmo se são
necessárias disse uma fonte da diplomacia europeia à agência Itar-Tass.
Falando sob condição de anonimato, um diplomata afirmou que
apenas uma invasão abertamente realizada pela Rússia contra a Ucrânia ou provas
irrefutáveis de militares russos clandestinamente presentes na Ucrânia
causariam uma mudança de posição da União Europeia em relação às sanções
econômicas. “Até agora, todas as supostas evidências tornadas públicas tanto
por Kiev quanto por Washington sobre o alegado envolvimento de agentes russos
na Ucrânia se revelaram inconclusivas ou mesmo falsas (“Estados Unidos
falharam na imposição de sanções econômicas contra a Rússia através de seus
aliados da União Europeia” – Rússia
Today).
Mais uma
vez: o envolvimento de tropas russas no conflito é essencial para que Washington
alcance seus objetivos.
No último
domingo, a RT exibiu imagens de satélite mostrando forte acúmulo de tropas em
torno da cidade ucraniana de Slavyansk. De acordo com o repórter da Rússia Today:
160 tanques, 230 APCs (blindados de transporte) e BMDs
(blindados para operações de infantaria) e pelo menos 150 peças, de artilharia
a lançadores de mísseis, incluindo “Grad” e “Smerch”, lança-mísseis múltiplos,
foram deslocados para a área. Um total de 15.000 soldados se posicionam nas
proximidades de Slavyansk, disse ele.
Sergey Shoigu, Ministro da Defesa russo, afirmou que o
grande incremento de tropas ucranianas, assim como os exercícios militares e
desenvolvimento adicional de forças armadas da OTAN na região “forçaram” a Rússia
a responder com seus próprios exercícios militares... Se a opção de Kiev for a
escalada de repressão aos insurgentes na Ucrânia oriental usando contra eles
armas assim pesadas, então a Rússia se reserva o direito de usar seus próprios
meios militares para deter a carnificina. (“Tanks,
APCs, 15,000 troops’: Satellite images show Kiev forces build-up near Slavyansk”, Russia Today)
Tropas ucranianas pesadamente armadas próximas de Slaviansk. Imagem de satélite tomada em 25/4/2013 distribuída pela Ria Novosti |
Por várias
vezes Putin declarou que essa será a resposta, caso cidadãos de etnia russa
sejam mortos na Ucrânia. Essa é a linha vermelha. Sergey Lavrov, Ministro de
Relações Exteriores da Rússia fez questão de reforçar esta mesma mensagem na
entrevista concedida na última semana para Sophie Shevardnaze, repórter da RT.
Lavrov, normalmente amável, condenou o ataque de Yatseniuk a civis na Ucrânia
como “criminoso” e avisou que qualquer ataque contra cidadãos russos será
considerado um ataque contra a própria Federação Russa.
A declaração
foi seguida de uma preocupante movimentação de tropas russas na fronteira da
Ucrânia, o que indica que a Rússia está em preparos para uma intervenção, para
acabar com a violência contra civis. De acordo com a agência russa de notícias
Star Tass, “o Ministro da Defesa, Sergey Shoigu, afirmou que “a partir de hoje,
os exercícios dos grupos de batalhões táticos começarão nas áreas de fronteira
com a Ucrânia.” Também a aviação efetuará voos de simulação de ações militares
perto da fronteira.”
Então, esta
é a situação: no fim das contas, parece que Putin acabará sendo levado para a
batalha, conduzido pelas provocações de Obama. Mas será que as coisas tomarão
mesmo o rumo que Obama acha que tomarão?
Será que
Putin seguirá mesmo o roteiro escrito por Washington e deixará suas tropas no
leste, onde serão atormentadas por guerrilhas fundadas e apoiadas pelos Estados
Unidos e por neonazistas, ou tem alguma outra carta na manga como, por exemplo,
uma rápida blitz até Kiev com imediata remoção da Junta
governamental, chamando em seguida forças de manutenção que impeçam qualquer
violência adicional, voltando em seguida para suas próprias fronteiras, em
segurança?
Qualquer
coisa pode acontecer e não demoraremos muito para ver sua implementação. Se o
exército de Yatseniuk atacar Slavyansk, Putin enviará seus tanques e um novo
jogo começará.
__________________
[*] Mike Whitney é um escritor e jornalista norte-americano que dirige sua própria
empresa de paisagismo em Snohomish (área de Seattle), WA, EUA. Trabalha
regulamente como articulista freelance
nos últimos 7 anos. Em 2006 recebeu o premio Project Censored por um reportagem investigativa sobre a Operation FALCON, um massiva, silenciosa
e criminosa operação articulada pela administração Bush (filho) que visava
concentrar mais poder na presidência dos EUA. Escreve regularmente em Counterpunch
e vários outros sites. É co-autor do livro Hopeless:
Barack Obama and the Politics of Illusion (AK Press) o qual também está disponível em Kindle
edition.
Recebe e-mails por: fergiewhitney@msn.com.
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