31/3/2014, Entrevista de Sergey Lavrov, MRE da Rússia ao Rossiya 24 TV
Traduzido da transcrição em
inglês pelo pessoal da Vila Vudu (vídeo 31’38”)
“Lavrov é
craque”
(Pepe Escobar,
no Facebook)
“Países que se abstiveram e países que votaram
contra a Resolução mostraram que sabem em quê e por quê votavam”
ROSSIYA 24
TV: Depois que os países G7 anunciaram a decisão de sair do
G8, ouviu-se que a Rússia teria ficado isolada na arena internacional. Na
Assembleia Geral da ONU, 100 países votaram contra a Rússia. Parece, afinal,
que a Rússia está mesmo isolada, não?
Min. SERGEY
LAVROV: “Isolamento” é termo inventado por parceiros nossos que
vivem ainda tomados de nostalgia das próprias ambições neoimperialistas. Se
algo não sai exatamente como querem, já empunham o porrete das sanções. Mas já
vão longe os dias em que ainda se podia usar essa estratégica. Melhor fariam
se, em vez de inventar “isolamentos”, trabalhassem para reunir todos, sem
exceção, para trabalhar juntos. Parceiros não se isolam nem inventam que outros
teriam sido isolados.
Fiquei
sinceramente surpreso com o quanto obsessivamente insistem em criar – mais do
que em encontrar – “provas” de que a Rússia teria sido isolada. Já vi muita
coisa nessa minha vida, mas... grandes potências consumindo seus próprios
recursos diplomáticos para chantagear todo o mundo, inclusive nossos parceiros,
para conseguir que aceitassem o argumento da integridade territorial da Ucrânia
e, simultaneamente, para que ignorassem todos os princípios da Carta da ONU?!
Mesmo para mim, sim, foi surpresa. E elas riam muito, também. Tantas instituições
oficiais consumiram tanto esforço...
Foi o que
se viu, exatamente, na votação na Assembleia Geral da ONU. Aqueles números são
resultado de vários “procedimentos”, digamos. Primeiro, nossos vizinhos
ucranianos foram prevenidos para manter o tom do rascunho da Resolução, queriam
que se mantivesse em bom nível, sem provocações e sério, para criar imagem
positiva da necessidade de respeitar a integridade territorial da Ucrânia.
Perfeito. Quem se oporia a isso? Mas aí está só a fachada, não é nem metade da
verdade. Nem um fiapo da verdade. Você e seus telespectadores entendem, tenho
certeza, o que estou dizendo.
Plenário de votação da ONU em 27/3/2014 |
Depois
disseram a alguns países, suficientemente ingênuos para se porem em posição de
ouvir tais coisas, que “Vejam, que magnífica Resolução! Por que não assinam
logo, e aparecem como co-apresentadores da ideia?” Outros, mais experientes,
que entendiam o que realmente acontecia ali, receberam outro tipo de abordagem:
“Se não apoiarem essa Resolução, haverá consequências”. E na sequência, listavam
as tais ‘consequências’. Já conhecemos tudo isso. Colegas nossos nos procuraram
para explicar por que um ou outro pequeno país tinha de ceder. Por exemplo,
disseram a esses países que contratos não seriam assinados, que pagamentos
seriam retidos. Se se sabe que o ocidente, em sentido amplo, incluindo
Austrália, Nova Zelândia, Japão, etc., soma cerca de 40 países, sabe-se que
cerca de 50 países foram forçados ou, de diferentes modos, induzidos a fazer o
que fizeram.
Não
guardamos nenhum ressentimento. Nada disso afeta nossas relações com aqueles
países. Prefiro lembrar outro número significativo: cerca de 70 países
recusaram-se a apoiar aquela Resolução.
ROSSIYA 24
TV: E se se somam os países que se abstiveram de votar,
chega-se a 93 votos.
Min. SERGEY
LAVROV: Foi votação praticamente empatada. A máquina ocidental de
propaganda – não há outro modo de descrevê-la – apresentará a coisa, pela
mídia, como grande vitória, mas sabemos o custo dessa vitória.
ROSSIYA 24
TV: 100 países votaram contra a Rússia. Somados, os votos
contra e os votos de abstenção [1] chegam
a 93. [2] E há os países valentes que,
apesar das pressões, tomaram decisões independentes.
Min. SERGEY LAVROV: Não há dúvida de que são valentes. Não se trata de serem países anti-ocidente ou anti-Ucrânia. Mas o voto desses países mostra compreensão profunda do que realmente se passa. Os que não votaram a favor já dão sinal de que sim, entendem o que se passa; mais ainda, os que votaram contra a Resolução. É perfeitamente evidente que não se trata da integridade territorial da Ucrânia, como se sabe.
Min. SERGEY LAVROV: Não há dúvida de que são valentes. Não se trata de serem países anti-ocidente ou anti-Ucrânia. Mas o voto desses países mostra compreensão profunda do que realmente se passa. Os que não votaram a favor já dão sinal de que sim, entendem o que se passa; mais ainda, os que votaram contra a Resolução. É perfeitamente evidente que não se trata da integridade territorial da Ucrânia, como se sabe.
“China
compreende os legítimos interesses e preocupações da Rússia na Ucrânia”
Sergey Lavrov com o Presidente da Suiça, Didier Burkhart |
ROSSIYA 24
TV: Há três semanas, em nosso programa, o
embaixador da Rússia à ONU, Vitaly Churkin, disse que a Rússia espera apoio
moral da Rússia. A China absteve-se, na votação da Resolução. Depois disso, os
presidentes Obama e Xi Jinping tiveram um encontro, durante o qual, como nos
disseram jornalistas ocidentais, os americanos tentaram convencer a China a
abandonar contratos que mantêm com a Rússia, para abastecimento de petróleo. Na
sequência, o senhor reuniu-se com o presidente Xi Jinping. O que a China
representa, para a Rússia?
Min. SERGEY
LAVROV: China é parceiro muito próximo da Rússia. Em nossos
documentos conjuntos, nossas relações são definidas como parceria estratégica
ampla de cooperação. Todas as ações da China reafirma seu compromisso com os
princípios em torno dos quais nós e os chineses estamos de acordo. Se, como
você foi informado, os norte-americanos tentaram convencer os chineses a
revisar os acordos econômicos de alto nível que mantêm com a Rússia, o
movimento dos norte-americanos é de espantosa ingenuidade ou temeridade. Eu
diria até que não compreender a essência da política e da mentalidade chinesa é
inadmissível, nos funcionários encarregados dessas negociações.
Desde o
início a China disse que toma em consideração a combinação de fatores
históricos e políticos. A China opôs-se fortemente a que se usassem medidas não
diplomáticas e ameaças de sanções, no caso da Ucrânia. Nossos contatos com
nossos parceiros chineses mostram que eles não apenas compreendem corretamente
os interesses da Rússia nesse caso, como, além disso estão absolutamente no
nosso campo em tudo que tenha a ver com compreender corretamente as causas
iniciais da atual crise na Ucrânia. Não há dúvida sobre isso. O presidente
Putin falou com o presidente Xi Jinping por telefone. Dia 24/3 eu mesmo estive
com o presidente Xi Jinping, em encontro durante a Cúpula de Segurança Nuclear
em Haia. E os ministros de Relações Exteriores dos países BRICS também se
reuniram.
ROSSIYA 24
TV: Os BRICS redigiram
conjuntamente a declaração, em
Haia?
Min. SERGEY
LAVROV: É a declaração que a Ministra de Relações Exteriores da
África do Sul distribuiu depois de nossa reunião. (Foto da reunião logo abaixo)
“Foi a Ucrânia,
não a Rússia, quem impediu a constituição da missão da Organização para
Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)”
ROSSIYA 24
TV: Domingo passado 23/3/2014), informamos aos
nossos telespectadores que a OSCE decidira enviar uma missão à Ucrânia. Por que
a Rússia opôs-se inicialmente à ideia? O que faria aquela missão?
Min. SERGEY
LAVROV: Eu diria que foram nossos parceiros ocidentais e
ucranianos os que se opuseram inicialmente a essa missão.
ROSSIYA 24
TV: Parece que,
como sempre, os fatos foram divulgados invertidos: sempre a Rússia contra o
resto da Europa.
Min. SERGEY
LAVROV: Estamos habituados a isso. Os talentos orwellianos
são amplamente utilizados. A Rússia já estava disposta a enviar essa missão uma
semana antes, até, de tomarem a decisão. Tudo estava claro e acertado, até que
nossos parceiros ocidentais puseram-se a exigir, com inexplicável determinação,
que a Crimeia fosse incluída no trajeto como parte da Ucrânia.
Claro que
se pode discordar completamente do modo como encaramos tudo isso, qualquer um
pode recusar-se a reconhecer decisões tomadas pela Rússia a pedido do povo da
Crimeia e apoiado em referendo já realizado. Entende-se. É coisa que acontece.
Mas é ou falta de vergonha ou de compostura diplomática, ou é total
incompetência diplomática, não compreender a situação política real e a enorme
inutilidade do que estavam “exigindo”, depois que a Rússia anunciou que
reconheceria qualquer resultado do referendo da Crimeia. Tentaram nos impor a
ideia de que, sem darem importância ao que o presidente Putin dissera... a
Crimeia teria de ser incluída na missão, como se continuasse a ser parte da
Crimeia. Depois do referendo, evidentemente, a Crimeia já não era parte da
Ucrânia.
ROSSIYA 24
TV: Moscou insistiu em que a missão visitasse
também as regiões do oeste da Ucrânia, além das regiões do leste. A Rússia
conseguiu isso?
Min. SERGEY
LAVROV: Já conhecendo os talentos de nossos colegas
ocidentais para torcer as palavras e as interpretações de tudo, insistimos que
se listassem, no documento da missão da OSCE, todas as cidades e regiões a
serem visitadas, nominalmente, em vez de o documento só se referir a uma missão
“na Ucrânia”. Claro que a lista podia incluir cidades localizadas no oeste e no
leste da Ucrânia, mas não podia incluir cidades localizadas no território da
República da Crimeia da Federação Russa.
“As denúncias
relacionadas ao Setor Direita já deveriam ter sido feitas há muito tempo”
ROSSIYA 24
TV: Talvez estejamos vendo algum progresso, não
só em termos de enviar uma missão da OSCE à Ucrânia, mas também porque as novas
autoridades ucranianas (deixando de lado por enquanto se são legítimas ou não)
começam a ter de enfrentar o problema do Setor Direita, como se está vendo nas
últimas 36-48 horas.
Min. SERGEY
LAVROV: Demoraram tempo de mais, embora, sim, é claro, melhor
tarde do que nunca. Há mais de um mês eu mesmo já levantara a questão do Setor
Direita e a necessidade de o governo dissociar-se das forças radicais, em
conversa com nossos parceiros ocidentais. Fiz a eles uma pergunta muito
simples: “Se vocês concordam em que temos de desintoxicar a situação, por que
vocês não dizem, publicamente, o que o Setor Direita realmente é?” O mesmo
vale, até certo ponto, para o Partido Svoboda, que tem, no próprio estatuto
partidário referências à Declaração de 30/6/1941, que manifesta apoio à
Alemanha Nazista e a seus esforços para estabelecer nova ordem mundial. Segundo
o estatuto, todo o Partido Svoboda continua comprometido com esse princípio.
Nossos
colegas reagiram de modo muito estranho à nossa sugestão de que, finalmente,
manifestassem publicamente a opinião deles sobre essas forças e de que
exercessem a influência deles sobre o pessoal em Kiev que ainda diz que esse
pessoal são as novas autoridades, para que se manifestassem também
publicamente, no mesmo sentido. Primeiro, negaram o problema. Depois, em uma de
nossas reuniões mais recentes, em Londres, se não me engano, o Secretário de
Estado, John Kerry disse-me que, depois de exame cuidadoso, eles haviam
concluído que o Setor Direita estava tentando converter-se em movimento
político. O subtexto, é claro, é que isso seria boa coisa, que o Svoboda se
estivesse organizando na direção de estabelecer-se no governo, no poder. Estou
citando o que ouvi. Havia muita gente naquela reunião, portanto o que lhe digo
não é segredo. Eu havia dado vários exemplos da tendência exatamente oposta que
se observa nesses grupos, a começar pela propaganda para que mirem na cabeça de
russos e matem; as ofensas que dizem contra russos e os espancamentos que
acontecem até em partes do leste da Ucrânia, onde membros desses grupos
sentem-se em casa.
Nazifascistas do Pravy Sektor (Setor Direita) cercam o Parlamento em Kiev (28/3/2014) |
Quanto ao
que está acontecendo nos últimos dias, esperemos que as declarações e as
medidas que o governo ucraniano está tomando sejam efeito de alguma campanha de
conscientização que nossos parceiros ocidentais tenham resolvido fazer. Como já
disse, melhor tarde do que nunca.
Vamos ver o
que resulta disso tudo e se os que estão no poder conseguem domar as pessoas
nas quais confiaram para chegar às posições a que chegaram. Mas eventos
recentes, quero dizer, quando o Setor Direita cercou novamente o prédio do
Parlamento Ucraniano [Verkhovna Rada], exigindo a demissão do Ministro
do Interior, por causa da morte de Sashko Bilyi, líder do Setor Direita, são
muito eloquentes. Pense-se o que se pensar sobre as circunstâncias da morte de
Bilyi, as quais, em todos os casos, têm de ser cuidadosamente investigadas, não
se pode deixar de ver que a morte dele deu novo impulso a gente do Setor
Direita, que se rege por princípios que todos conhecemos bem. Esse sinal é
muito alarmante.
Muito me
surpreendeu que, enquanto a televisão russa, inclusive esse canal, mostrou o
sítio do prédio do Parlamento da Ucrânia e comentou amplamente os
acontecimentos e o confronto entre o Setor Direita e membros do Parlamento,
sobre possíveis desdobramentos daqueles eventos, os canais europeus não
disseram uma palavra sobre coisa alguma, com a Ucrânia citada exclusivamente no
contexto do acordo com o FMI.
Infelizmente,
esse tipo de cobertura também é muito eloquente. Vamos tentar estabelecer a
verdade usando canais alternativos de televisão, não submetidos à mídia
ocidental dominante. Bom seria se seus canais alternativos se tornassem “mídia
hegemônica”.
“É triste ver a
OSCE justiçar a censura à imprensa na Ucrânia”
ROSSIYA 24
TV: Canais alternativos – é outro assunto, porque
os provedores ucranianos de sinal da televisão a cabo estão proibidos de
transmitir canais russos de televisão. De início, a OSCE condenou a medida.
Tanto quanto entendo, essa questão também foi discutida em seus contatos com os
parceiros ocidentais. Mas, na sequência, o tema foi sendo empurrado para o fim
da lista de prioridades. Como disse o representante da OSCE, há interesses
nacionais que admitem a censura à televisão.
Min. SERGEY
LAVROV: É. Quem disse isso foi Dunja Mijatović. Digamos
apenas que, sendo, como é, Representante para a Liberdade de Expressão da OSCE,
seria de esperar que mostrasse mais empenho em defender a liberdade de
expressão. São lamentáveis as desculpas que estão aparecendo, para o banimento
dos canais russos. Quem imaginaria que alguém argumentaria que se possam fechar
canais de televisão, para proteger valores fundamentais?
Fato é que
a Sra. Mijatović não deu atenção alguma a vários apelos que lhe encaminhamos,
para que ela observasse as manifestações com slogans fascistas e neonazistas
que aconteciam em vários países da OSCE; insistimos que eram inaceitáveis,
falamos muito a favor da liberdade de expressão. Significa que na opinião da
Sra. Mijatović, quatro canais de televisão russos são mais perigosos que
comícios de neonazistas nos estados bálticos e em vários outros países, até na
Alemanha.
“A ideia da
Federação Ucraniana já não é tabu para diplomatas ocidentais”
ROSSIYA 24
TV: Que tipo de
acordo ou que concessões são possíveis com o ocidente? Se está de um lado da
linha, e EUA e o ocidente estão do outro lado... Em que pontos o senhor e seus
colegas ocidentais concordam?
Min. SERGEY
LAVROV: Não me parece que estejamos divididos assim, de modo
tão completo. Estamos trabalhando para alinhar nossas posições. Baseado em meu
mais recente encontro com o Secretário de Estado, John Kerry em Haia e em meus
contatos na Alemanha, França e em vários outros países, posso dizer que, sim, é
possível esboçar uma iniciativa conjunta para apresentar a nossos colegas
ucranianos.
Isso é
muito importante, porque, até agora, nossos parceiros só falavam de criar um
grupo de contato em cujo contexto a Rússia e o pessoal que tomou o poder em
Kiev negociaria sob a supervisão deles. Essa ideia é absolutamente inaceitável.
Não é, sequer, a questão que estamos discutindo, não se trata disso. O que está
acontecendo agora na Ucrânia é o resultado da crise profunda do sistema
político, disparado pela inabilidade – não gostaria de acusar ninguém de estar
deliberadamente evitando qualquer entendimento – de cada líder sucessivo para
conciliar os interesses das regiões oeste e sul da Ucrânia. Como está, não pode
continuar.
Estamos
convencidos de que a Ucrânia precisa de uma reforma constitucional fundamental.
Para ser bem franco, não vemos outro modo para assegurar qualquer crescimento
sustentado da Ucrânia, a menos que se converta numa federação. Talvez outros
saibam melhor, talvez haja uma fórmula mágica que faria um sistema unitário de
governo funcionar, num estado no qual as pessoas, nas regiões oeste, leste e sul
celebram feriados diferentes, cultuam heróis históricos diferentes, falam
línguas diferentes, vivem sob estruturas econômicas diferentes, pensam de modos
diferentes e gravitam na direção de diferentes culturas europeias. É difícil
viver em estado assim e pretender que seria estado unitário.
Por isso,
dia 10 de março, apresentamos um documento não oficial no qual delineamos
nossas ideias, aos nossos parceiros norte-americanos, europeus e chineses e a
outros colegas, inclusive a países BRICS.
ROSSIYA 24 TV: Quer dizer,
reforma constitucional, eleições...
Min. SERGEY
LAVROV: Não. Em primeiro lugar, nosso documento propõe, como
tarefa urgente, pôr fim à violência dos grupos armados, desarmar os milicianos
e libertar os prédios ilegalmente invadidos – o que ainda não foi feito até
agora – além de praças, ruas, cidades, vilas e vilarejos.
Em primeiro
lugar, antes de tudo, estamos falando de Maidan. É uma desgraça para um país
europeu e para uma das mais belas cidades da Europa, ter lá aquele tipo de
coisa já por meio ano, exposto a quem passe por ali. Nos disseram que Maidan permanecerá
como está até que aconteça a eleição presidencial, se o resultado satisfizer
Maidan. É uma desgraça.
Arseniy Yatsenyuk e o Secretário Geral da OTAN, Anders Fogh Rassmussen |
Propusemos
começar por resolver essas questões, porque essa era uma responsabilidade que
os senhores Klichko, Yatsenyuk e Tyagnibok assumiram quando assinaram o
documento, com os Ministros de Relações Exteriores da Alemanha, França e
Polônia.
Propusemos
também que se inicie logo uma ampla reforma constitucional, com todas as forças
políticas e as regiões com iguais direitos de falar, para discutir o
estabelecimento de uma federação, que dará a todas as regiões amplos poderes
nas esferas da economia, cultura, idioma, educação e laços culturais com países
e regiões vizinhas, e garantias de direitos para as minorias.
Considerando
o número de russos étnicos que vivem na Ucrânia, declaramos que estamos
convencidos de que não há alternativa – e alguns candidatos à presidência já
disseram a mesma coisa, em vários momentos – se não tornar o russo a segunda
língua oficial da Ucrânia e garantir os direitos das minorias em todas as
unidades que constituam a federação, nos termos do que determina a Carta
Europeia para Línguas Regionais ou Minoritárias.
ROSSIYA 24
TV: Também há húngaros e romenos que vivem lá.
Min. SERGEY
LAVROV: Húngaros, tchecos, alemães, e todos reclamam aos
governos de seus países, que já não se sentem confortáveis vivendo na Ucrânia.
Os tchecos quiseram até voltar para a Tchecoslováquia, mas o governo tcheco
respondeu “Não, examinamos as condições em que vocês vivem aí e nos parecem ótimas”.
É sinal que estão mais atentos a questões geopolíticas e à eficácia política,
que aos direitos humanos.
Uma reforma
constitucional terá de ser aprovada por um referendo. Deverá levar em conta os
interesses de todas as regiões. E depois de essa constituição estar aprovada em
referendo nacional, então haverá eleição presidencial e eleição parlamentar;
deverão ser eleitas novas assembleias legislativas em todas as regiões; e
haverá novos governadores. Os governadores têm de ser eleitos, não nomeados, como
hoje. As regiões leste e sul do país insistem nisso.
Acreditamos
muito fortemente que esse é o caminho certo a seguir. De resposta, ouvimos do
Ministério de Relações do Exterior da Ucrânia que as propostas russas não
passam de provocação, e que estamos nos intrometendo em assuntos internos da
Ucrânia, porque nossas ideias não são consistentes com os pilares do estado
ucraniano. Mas... que ideias? Primeiro, a federalização; segundo, o russo como
segunda língua oficial. Não vejo o que haveria aí, de inconsistente com os
pilares do estado ucraniano.
ROSSIYA 24
TV: Os parceiros ocidentais ouvem essas
propostas?
Min. SERGEY
LAVROV: Ouvem. Posso lhe dizer que “federalização” já não é
palavra tabu nas nossas conversas. Creio realmente que devamos insistir nisso –
não porque nós queiramos alguma coisa, mas porque isso é o que querem as
regiões sul e leste.
ROSSIYA 24
TV: O senhor espera que essas ideias cheguem
eventualmente a Kiev, nem que seja mediante as capitais ocidentais?
Min. SERGEY
LAVROV: Conto exatamente com isso, porque o atual governo
ucraniano não pode pressupor que o governo ucraniano tenha alguma
independência.
“A neutralidade
militar da Ucrânia tem de ser declarada sem ambiguidades”
ROSSIYA 24
TV: Moscou e, digamos, Washington estão conversando sobre a
necessidade de que a Ucrânia não se alinhe a nenhum bloco?
Min. SERGEY
LAVROV: Essa ideia está presente nas nossas propostas.
Pensamos, em termos definitivos, que a nova Constituição deve estabelecer
claramente que a Ucrânia não pode pertencer a nenhum bloco.
ROSSIYA 24
TV: Os norte-americanos consideram essa ideia?
Min. SERGEY
LAVROV: Ouviram e, sim, consideram. Pode-se ter certeza sobre
se entenderam ou não, se se ouvem suas declarações públicas. Falando em
Bruxelas semana passada, o presidente Obama disse que nem os EUA nem a OTAN têm
planos e que nem faz sentido falar sobre isso [confronto armado contra a
Rússia].
ROSSIYA 24
TV: Mas Yatsenyuk diz que não está considerando
essa opção por hora.
Min. SERGEY
LAVROV: “Por hora”. Nós estamos absolutamente convencidos de que
não pode haver nenhuma ambiguidade nesse ponto. Há muitos desses “detalhes” –
“por hora”, “nesse ponto”, “nenhuma intenção”. Intenções mudam, e todos acabam
por ter de encarar os fatos em campo.
ROSSIYA 24
TV: Especialmente nos últimos dois meses.
Min. SERGEY
LAVROV: Não só nos últimos dois meses, dois meses e pouco: nos
últimos 25 anos. Nos dizem que o ocidente nos estende sempre a mão da amizade,
e que a Rússia insiste em escolher um jogo de soma zero. Há poucos dias, meu
colega, Ministro britânico de Relações Exteriores, William Hague, publicou
artigo no qual escreveu que a Rússia enfrenta o isolamento global, porque, diz
ele, você chega à Rússia de braços abertos e a Rússia tudo rejeita e insiste na
mentalidade de soma zero. Isso é totalmente injusto.
Ao
contrário, estamos sempre querendo construir parceria justa. É o que se vê
refletido em nossas propostas de segurança indivisível, que deve ser igual para
todos. Não está certo que os membros da OTAN sejam protegidos por segurança
indivisível e o resto do mundo seja tratado como nações de segunda classe, de
modo que a OTAN possa agir como ímã, sempre querendo atrair mais membros e
sempre empurrando a linha divisória cada vez mais para o leste.
Nos
prometeram que isso não aconteceria – e fomos ludibriados. Nos prometeram que a
OTAN não levaria sua infraestrutura militar para junto de nossas fronteiras – e
fomos ludibriados. Nos prometeram que não haveria instalações militares no
território dos novos membros da OTAN. De início, só ouvimos as promessas e
acreditamos nelas. Então começamos a por as promessas no papel, como obrigações
políticas, e gente séria, presidentes, ministros ocidentais, todos assinaram
aqueles documentos. Mas quando lhes perguntamos como é possível que todas
aquelas obrigações políticas tenham sido ignoradas e se podemos torná-las
obrigatórias por força de lei, eles respondem “Não, não. Bastam as obrigações
políticas. E, de qualquer modo, não se preocupem. O que fazemos não é contra
vocês”.
O ocidente faz,
com o leste, o jogo de “ou parceiros, ou, se não”...
Min. SERGEY
LAVROV: Falando de jogos de soma zero... O projeto da
Parceria Oriental da União Europeia [atrair a Ucrânia, ideia da qual surgiu o
tal “ultimato”], desde o início, foi baseado no conceito do “ou... ou”: ou
vocês estão conosco ou estão contra nós.
Na verdade,
nossos parceiros ocidentais falam sobre isso desde a eleição de 2004 na
Ucrânia. Naquele momento, não havia União Aduaneira nem Parceria Oriental; nem
havia terceiro turno inconstitucional, artificialmente inventado para a eleição
do presidente. Karel de Gucht, que então era ministro do Exterior da Bélgica e
que hoje, por falar dele, é Comissário de Comércio da União Europeia, demandou
publicamente que os ucranianos votassem e decidissem se queriam ficar com a
Europa ou com a Rússia. Em 2004. Eles inventaram tudo isso. Foi ali que essa
mentalidade começou.
A Parceria
Oriental – bem como a expansão da OTAN – foi simplesmente um instrumento usado
para assumir o controle sobre um território geopolítico. A União Europeia
estava pronta para implantar esse projeto, custasse o que custasse. E ignorou
completamente os legítimos interesses econômicos dos vizinhos da Ucrânia, como
a Rússia e outros países, mas também ignorou interesses de outras nações da
própria União Europeia, que participam desse programa. Já há muitos estudos
sobre isso. É claro que até Yatsenyuk tenha que dizer, como já disse, que a
Ucrânia precisa examinar melhor a parte econômica daquele acordo com a União
Europeia.
O mesmo
acontecerá com a Moldávia. Estão fazendo tudo que podem para assinar acordo
semelhante também com a Moldávia esse verão, antes das próximas eleições. E
esse acordo que querem assinar com a Moldávia – ignora completamente a questão
da Transdnistria. Ignora o acordo de 1997 entre Chisinau e Tiraspol que
habilita a região da Transdnistria para o comércio internacional. Ignora o que
está acontecendo hoje com a Transdnistria: Chisinau e as novas autoridades
ucranianas já, basicamente, bloquearam o território. Mas nossos parceiros
europeus mantêm-se absolutamente mudos sobre isso. Minha opinião é que a União
Europeia e, me parece, também os EUA, aprovam essa “política”.
Batalhão de Infantaria Motorizada da Frota do Báltico, estacionados na cidade de Gusev, região de Kaliningrado, distrito selecionado para exercícios militares (28/3/2014) |
Nós
queremos falar muito seriamente com eles sobre isso, porque eles estão escalando
muito gravemente as tensões sobre a Transdnistria, praticamente como se
quisessem que seja o próximo “caso”. Isso é ultrajante, é retórica de
provocação. Na verdade, estão querendo criar condições inaceitáveis para
Tiraspol, condições – eu repito – que violam os acordos que asseguram vários
direitos aos transdnistrianos a determinadas viagens, direitos de passagem e
direitos comerciais. Tudo isso é ultrajante. Eles nunca aprendem. Mais uma vez,
estão procurando criar um ponto muito áspero nas nossas relações.
“Rússia não
cogita de enviar tropas à Ucrânia”
ROSSIYA 24
TV: Praticamente todas as declarações sobre
sanções, inclusive as declarações feitas por instituições política oficiais da
União Europeia e dos EUA, contêm a expressão “ampliar a escalada”. Por “ampliar
a escalada”, meus colegas jornalistas ocidentais entendem e dizem que
significaria que forças militares russas podem cruzar as fronteiras para o
interior da Ucrânia e marchar até Carcóvia, por exemplo. Vai acontecer ou não?
Min. SERGEY
LAVROV: O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, em sua fala
do dia 18/3 na sala Georgievsky, disse claramente que estamos muito preocupados
com a situação dos russos e dos falantes de russo no leste e no sul da Ucrânia,
especialmente depois que grupos do Setor Direita, um certo Beletsky e o Front Oriental mudaram-se para lá. Essa
gente é absolutamente odiosa. Ninguém precisa ser especialista em expressões
faciais para saber das intenções deles. Falam abertamente. Muitas conversas
telefônicas vazadas indicam como os russos serão tratados na Ucrânia e não só
por membros do Setor Direita.
O
presidente da Rússia exigiu que as autoridades ucranianas e seus patrões
ocidentais ajam imediatamente para parar a violência. Disse que vamos proteger
os direitos dos russos e dos falantes de russo na Ucrânia usando todos os meios
políticos e diplomáticos e legais. Não tenho absolutamente nada a acrescentar a
isso.
Temos de
ser honestos. Não se pode apenas dizer como tantas vezes antes – sobre a Síria,
o Irã, etc. – que chegamos a uma crise e que temos de aceitar a realidade. A
Rússia trabalha para resolver a crise síria, para resolver o problema iraniano
e para resolver a situação na Ucrânia mediante conversações diretas com as
autoridades ucranianas. O ocidente insistentemente tenta fugir à
responsabilidade de lidar com os mesmos que eles nutriram e continuam a apoiar
para seus objetivos geopolíticos.
Não temos
absolutamente nenhuma intenção de cruzar fronteiras ucranianas. Não é do nosso
interesse. Não nos interessa. Queremos, simplesmente, que todos trabalhem
juntos; queremos o fim da violência e queremos que os países ocidentais – que
estão tentando varrer para baixo do tapete aqueles casos de violência, para
pintarem a situação na Ucrânia sob uma luz positiva – deem-se conta de que têm
responsabilidades a cumprir.
Segundo o Ministro
do Interior da Ucrânia, Arsen Avakov, as autoridades ucranianas têm tentado
desarmar os que portem armas de fogo ilegalmente – quer dizer, os criminosos.
Se for resultado do esforço de nossos parceiros ocidentais, então, repito,
estamos satisfeitos. Estamos prontos para continuar a trabalhar e construir
recomendações conjuntas para que os ucranianos ponham fim à ilegalidade e
iniciem um profundo processo constitucional para reformar seu país.
“Não há planos
para construir bases navais ao estilo dos EUA”
ROSSIYA 24
TV: Há especulações de que a Rússia pode
responder a esses eventos implantando bases militares nas ilhas Seychelles, no
Vietnã, na Nicarágua, em Cuba e até na Argentina.
Min. SERGEY
LAVROV: É completa mentira. Não temos planos, nada, nenhum,
de construir bases navais e militares pelo mundo, no sentido em que você falou.
A Marinha Russa é agora muito mais forte que antes. Creio que agora, depois que
a Crimeia se reincorporou à Rússia, haverá mais oportunidades para
desenvolvimento. Além da Frota do Mar Negro, temos o Pacífico, a Frota do
Norte, etc..
É muito
importante para um país ter Marinha altamente treinada, sobretudo porque hoje a
Marinha não tem só de se dedicar a propósitos de treinamento nos mares, mas,
também, tem tarefas específicas, por exemplo, nas operações antipirataria no
Golfo de Aden e em outros pontos. Navios viajam a locais distantes. Temos
acordos com alguns países que permitem que nossos barcos e navios de guerra
usem a infraestrutura implantada deles para reparos, reabastecimento de água e
alimento e para repouso das tripulações.
Absolutamente
não consideramos a ideia de construir bases como os EUA fazem. E é claro que,
diferentes também dos EUA, não teremos acordo algum que torne nosso pessoal “imune”
a processos por crimes que cometam nos países onde sejam mandados operar.
Por falar
nisso, vi recentemente na Internet um mapa impressionante da Federação Russa e
das bases militares norte-americanas à nossa volta. É muito impressionante, são
mais de cem bases. E, sob o mapa, uma frase de um soldado norte-americano:
“Como os russos se atreveram a chegar aí, tão perto das nossas bases?”.
ROSSIYA 24
TV: O senhor
está conversando com os países que mencionei sobre a possibilidade de nossas
naves entrarem nos portos deles?
Min. SERGEY
LAVROV: Com alguns poucos, sim. Mas essas questões são tratadas
entre ministros da Defesa.
Notas dos tradutores
[1]
Os BRICS (Brasil, Índia, China e África do Sul) abstiveram-se, além de
Argentina e Uruguai, dentre outros. O quadro dos votos pode ser visto em: “UN
General Assembly declares Crimean vote invalid”
[2] Foram 100 votos “sim” [à “Resolução” que declarou ilegal o plebiscito na
Crimeia]; 11 “não”; e 58 abstenções; essa soma faz precisamente 100 a 68. Dadas as
circunstâncias, é, sim, empate.
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