quinta-feira, 24 de abril de 2014

O plano dos EUA para a Ucrânia - uma hipótese


23/4/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido por Roberto Pires Silveira


The Saker
Ouvindo a fala de Lavrov hoje, cheguei à conclusão de que o regime de Kiev está realmente a ponto de lançar um ataque ao oriente da Ucrânia. Não apenas Lavrov, mas a internet russa está em “alerta vermelho”, cheia de boatos, rumores e especulações sobre a iminência de um ataque.

Tudo isso levanta uma série de questões:

1. Por que a Junta em Kiev renega reforma tão clara o acordo de Genebra?
2. Por que resolve atacar, quando as chances de sucesso são tão pequenas?
3. Por que esse ataque, se sabem quase com certeza que a Rússia intervirá?
4. Por que os Estados Unidos estão tão claramente por trás dessa estratégia?

Gostaria de submeter uma hipótese minha à sua atenção.

Em primeiro lugar, considere que a Junta de Kiev renega o acordo de Genebra pelo simples motivo de que não pode cumprir seus termos. Não se esqueça que essa junta é composta por alguns políticos escolhidos a dedo pelos EUA e uns poucos oligarcas ucranianos. Certamente eles tem dinheiro, mas não tem poder. Como poderiam impor seja o que for aos malucos bem armados e determinados do Pravy Sector (Setor de Direita – partido neonazista ucraniano)?

Em segundo lugar, não importa o que faça Kiev, o leste da Ucrânia está perdido. Isso leva a Junta de Kiev a escolher obrigatoriamente uma das seguintes opções:

a-) Deixar a Ucrânia oriental separar-se através de um referendo e nada fazer.
b-) Deixar que aconteça a separação, mas apenas depois de alguma violência.
c-) Deixar que a separação ocorra, mas apenas depois de uma intervenção russa.

Claramente, a opção “a” é de longe a pior. A opção “b” é mais ou menos, mas a opção “c” é muito boa.  Pense o seguinte: essa opção fará com que se tenha a impressão de que a Rússia invadiu o leste da Ucrânia e que o povo de lá nada podia dizer ou fazer em relação a isso. Também fará com que o resto da Ucrânia se reúna em volta de sua bandeira. Além disso, fará com que o desastre econômico (inevitável [NT]) pareça ter sido causado pela Rússia e as eleições de 25 de maio/2014 poderão ser canceladas, devido à “ameaça” russa.  Além disso, não existe pretexto mais *perfeito* para decretar a lei marcial que uma iminente guerra, e não importa quão tola seja ela. Lógico, a lei marcial pode ser usada para reprimir ao mesmo tempo o Pravy Sector e quantos mais expressem opiniões das quais a junta não goste. Esse é um velho truque. Desencadear uma guerra, reunir as pessoas em torno do regime, criar uma onda de pânico – e as pessoas vão se esquecer dos problemas reais.

Os Estados Unidos também já sabem que o leste da Ucrânia já era. Foi-se. Sem o leste e sem a Criméia, a Ucrânia tem o valor de um *zero à esquerda* para o Império e assim, por que não usá-la para criar uma nova Guerra Fria, algo muito mais atraente que a Guerra Global contra o Terror ou a velha e desgastada Guerra às Drogas. Afinal, se a Rússia for forçada a intervir militarmente a OTAN terá que enviar reforços para “proteger” países como a Letônia ou a Polônia, nem que seja apenas no caso de Putin resolver invadir de uma vez toda a União Européia.

Resumindo: como os Estados Unidos e os loucos no poder em Kiev já *sabem* que o leste da Ucrânia está perdido para eles, o que querem com este iminente ataque não é “vencer” os manifestantes russos ou de fala russa, e menos ainda “ganhar uma guerra” contra a própria Rússia, mas sim provocar violência suficiente a ponto de forçar a intervenção russa. Em outras palavras: já que o oriente do país está mesmo perdido, melhor perdê-lo para a invasão das “hordas russas” do que para a população civil revoltada.

Dessa forma, o objetivo desse ataque não é ganhar, mas perder, e é apenas isso que o exército ucraniano pode fazer atualmente.

Apenas duas coisas podem acontecer para frustrar esse plano:

1. Os militares ucranianos podem se recusar a obedecer ordens assim tão claramente criminosas (e, para não se tornar alvo do exército russo, convencer seus oficiais a fazer a escolha certa “puramente moral”, claro).
2. A resistência local ser forte o suficiente para enfrentar uma operação desse tipo e detê-la.

Combinando os cenários, vamos a uma situação ideal:

Para os russos, a coisa é simples: é muito melhor para a Rússia que a ruptura do leste da Ucrânia aconteça sem qualquer tipo de intervenção russa. Mas se a força atacante for louca o suficiente para usar blindados, artilharia ou poder aéreo, os russos podem resolver fazer apenas um ataque aéreo, sem enviar forças terrestres. Podem também usar sua capacidade de guerra eletrônica para confundir e criar caos na força de ataque. Podem realizar ataques pontuais limitados que serviriam para desmoralizar a força de ataque. O que a Rússia deverá evitar a todo custo é ser obrigada a se envolver em operações urbanas ofensivas, que são sempre sangrentas e perigosas. Portanto, é essencial que os moradores locais sejam capazes e tenham força suficiente para assumir o controle de suas próprias ruas, vilas e cidades.

Sergey Lavrov
Hoje, Lavrov deu um aviso muito direto: caso as coisas saiam do controle no leste ucraniano, a Rússia intervirá. Vamos torcer para que haja alguém no Ocidente que perceba de uma vez que os russos não blefam. Dizem exatamente o que querem dizer. Mas não sou otimista quanto a isso, mesmo porque se Lavrov sentiu necessidade de conceder uma entrevista de 30 minutos – em inglês – em que ele de forma clara comparou a situação da Ucrânia hoje à Ossétia em 08.08.08, é provável que o serviço de inteligência russa tenha indícios de um ataque iminente.

Em breve saberemos.


The Saker

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