29/4/2014, Alexander DONETSKY, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O povo de Odessa manifesta-se contra a junta de Kiev em 23/3/2014 |
O
povo das regiões de Donetsk e Lugansk ocupou prédios do governo golpista de
Kiev, armou-se e declarou
sua independência da Ucrânia. Estão
combatendo contra o regime de Kiev. A atenção do mundo está focada no que
acontece ali. Mas há outros pontos em efervescência na Ucrânia.
Diferente
do Donbass, a região de Odessa não tem fronteira com a Rússia e não há ali
qualquer porto de ancoragem da Frota Russa no Mar Negro. Mas o povo de Odessa
está nas ruas, com bandeiras russas; e manifestou o desejo de separar-se da
Ucrânia.
Em tempos
antigos, a região foi habitada por gregos, as áreas povoadas concentravam-se ao
longo dos rios Dnieper, Buh Sul e Dniester, que correm diretamente para o Mar
Negro. Houve outras colônias: as antigas cidades gregas de Tyras, Olbia e
Nikonia comerciavam com os cíntios e os cimérios.
Governantes
sucessivos, na Idade Média, incluíram Nogai Ulus do Khanato
da Horda Dourada [e muitos
outros.
Região que abrangia o Khanato da Horda Dourada |
Durante o
reinado do Khan Haci I Giray da Crimeia (1441-1466), o Khanato foi
ameaçado pela Horda Dourada e o Império Otomano, e, à procura de aliados, o Khan
aceitou ceder a área à Lituânia. Onde hoje está a cidade de Odessa era
então uma cidade chamada Khadjibey (também chamada Kocibey, em inglês). Era
parte da região de Dykra. Mas a maior parte da área, nesse período, permaneceu
desabitada. Em 1765, os otomanos reconstruíram uma fortaleza em Khadjibey
(Hocabey), que recebeu o nome de Yeni Dünya. Hocabey foi um centro sanjak
[administrativo] da província de Silistre.
Durante a
guerra Rússia-Império Otomano, uma pequena força russa, comandada pelo espanhol
Grand Don José de Ribas y Boyonswas capturou a fortaleza e manteve-a,
como local sinistro, por mais quatro anos. Então, Ribas recebeu ordens para
construir uma cidade e um porto para acolher uma flotilha de galeras que
ficariam sob seu comando. O comércio cresceu muito. François Sainte de Wollant,
engenheiro de Brabante, foi responsável pela construção.
Armand-Emmanuel du Plessis Duque de Richelieu |
De Ribas
foi o primeiro prefeito de Odessa. A cidade realmente prosperou sob o governo
de Armand-Emmanuel du Plessis, Duque de Richelieu e herdeiro do legendário
cardeal francês. Durante 12 anos de seu governo, a população quadruplicou, e a
cidade tornou-se o coração da região de Novorossiysk [Nova Rússia]. Um teatro,
uma tipografia e um instituto [de educação] foram construídos. Adiante,
Richelieu voltou à França, onde foi Ministro de Relações Estrangeiras e Primeiro-Ministro
(duas vezes).
Os
primeiros colonos na cidade de Odessa foram gregos, italianos, albaneses e
armênios. Ao final do século 19, havia 49% de russos na população, mas via-se
gente de todas as nacionalidades e de todos os países do mundo. Em 1912, a população chegou a
meio milhão, e a cidade tornou-se a quarta maior do Império Russo, depois de
Moscou, São Petersburgo e Varsóvia.
A Revolução
de 1917 a
fez mudar de mãos. Os comerciantes cosmopolitas da cidade foram indiferentes à
força de ocupação de Brancos, Vermelhos e britânico-francesa. E sempre trataram
com desrespeito as autoridades ucranianas lideradas por Michael Grushevsky
(Mykhailo Hrushevsky), Symon Petliura e Pavel (Pavlo) Skoropadskyi. Não
acreditavam que aquela gente fosse capaz de criar estado viável. Eram tratados
como ocupantes, pela população falante de russo, de Odessa.
No início
da IIª Guerra Mundial, a cidade era habitada por russos (39,2 %), judeus (36,9
%), ucranianos (17,7 %) e poloneses (2,4 %). Parte da população deixou a cidade
quando da ofensiva alemã e romena, 250 mil permaneceram, cercados pelo inimigo.
Depois que o Exército Vermelho deixou a cidade, enfrentaram vida muito difícil
sob ocupação. 80-90% desses que permaneceram eram judeus, e quase todos
morreram nas mãos de soldados nazistas e romenos, e de nacionalistas
ucranianos. Guetos e campos de concentração deram poucas chances de
sobrevivência à vítimas do holocausto de judeus.
Vista interna da principal sinagoga de Odessa (clique na imagem para aumentar) |
Nos anos
1980s, os judeus tiveram chance de partir para Israel. Depois, a independência
da Ucrânia levou a drástica redução nos padrões de vida. A população de judeus
caiu drasticamente. Apesar disso, a comunidade de judeus continuou a ser a mais
numerosa e a mais influente.
O golpe em
Kiev de fevereiro de 2014 teve pouco apoio dos comerciantes. Os governantes em
Kiev são, na maioria, partidários do nacionalismo integralista ucraniano que
surgiu nos anos 1920-30s como um misto de fascismo italiano e
nacional-socialismo alemão com características ucranianas. O governo “provisório”
da Ucrânia traz à frente personalidades odiosas, que abertamente pregam
ideologia nazista. Por exemplo, Andriy Parubiy, Chefe do Conselho Nacional de
Segurança e Defesa da Ucrânia, o qual, no início dos anos 1990s, tentou
registrar um partido político nazista. Naquele momento, o Ministério da Justiça
recusou-lhe o registro, porque o partido tinha, incluído no nome, a expressão
“nacional-socialismo”.
Parubiy
inverteu a ordem das palavras, e passou a presidir a organização
Social-nacionalista; e o programa do grupo continuou carregado de xenofobia e
racismo. Pouco adiante, o grupo converteu-se em Partido Svoboda. Hoje é
liderado pelo muito bem conhecido antissemita e xenófobo Oleh Tyahnybok. O Svoboda
meteu uns poucos membros no governo de Yatsenyuk.
O Setor
Direita (Pravy Sektor) foi a principal força por trás do golpe. É um
conglomerado de grupos de orientação nazista, com Trizub como chefe. Defende a
pureza da raça branca e prega expurgos como os do tempo de Hitler. O Setor
Direita inclui também os “Patriotas da Ucrânia” criado por Parubiy como
organização da juventude social-nacionalista. Os “Patriotas” formaram a massa
que gerou a Assembleia Social-nacionalista em 2008. A primeira coisa que
a Assembleia fez foi anunciar guerra contra outras raças, planos para converter
a Ucrânia em estado nuclear, e a dominação global como meta. Segundo o programa
dessa Assembleia, minorias têm de ser ou assimiladas ou exiladas.
Odessa é a 3a. maior cidade da Ucrânia (clique na imagem para aumentar) |
Muitos dos
que vivem em Odessa perderam familiares durante o holocausto de judeus; a
perspectiva de virem a ser governados por gente do governo de Kiev é, para
eles, inadmissível. Policiais ucranianos nunca trataram os judeus melhor do que
os alemães os trataram; e pregam a ideologia nacionalista que praticamente se
tornou ideologia de estado na Ucrânia contemporânea. O slogan de Maidan, “Longa vida à Ucrânia. Glória aos heróis!” e nada
mais nada menos que a palavra-de-ordem da Organização dos Nacionalistas
Ucranianos Banderistas, seguidores de Stepan Bandera, agente da Abwehr que
jurou lealdade a Hitler. Bandera e Roman Shukhevych, capitão da Wehrmacht,
vice-comandante da força punitiva, são os heróis deles.
Em nenhum
caso, em nenhuma hipótese, esse governo será aceitável para o povo de Odessa,
que sempre lhe fará oposição. Tentar ver aí alguma “mão de Moscou” é perda de
tempo. A razão para o que o povo de Odessa sente e faz está na própria história
da cidade.
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