18/4/2014, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
The Saker |
OK, decidi escrever mais um postado, antes de parar para o
descanso de Páscoa, porque o assunto vale a pena.
Alguns de
vocês perguntaram sobre o papel da China em tudo isso; quais os reais
interesses dos EUA; como a União Europeia se está posicionando; e o que a
Rússia quer ou não quer. E, mais ou menos envolvido nos detalhes dos eventos,
nunca comentei algo que Putin, Lavrov e muitos outros importantes políticos
russos vêm repetindo seguidas vezes:
O que
estamos vendo acontecer ante nossos olhos é o fim de um sistema internacional e
o surgimento de outro, qualitativamente diferente.
Interessante: Putin disse que, para ele, o ponto de
não retorno foi ultrapassado quando os EUA e aliados no Conselho de Segurança
da ONU e a OTAN, aberta e grosseiramente, distorceram a intenção do CS sobre a
Líbia, e “ampliaram”, o que deveria ter sido uma “zona aérea de exclusão”,
convertendo-a em “zona de tiro-livre” para atacar e bombardear a Líbia [claro
que Putin via com perfeita clareza que a parte da Resolução em que se lia
“todos os meios necessários para proteger civis” era convite descarado para que
os anglo-sionistas “interpretassem” a Resolução como quisessem. Agora, Putin
diz que “mentiram à Rússia”, para não culpar Medvedev por ter metido o pé num
buraco muito fundo. Mas, aqui, isso não é relevante].
Vladimir Putin (por Maurício Porto) |
Putin
disse que, dali em diante, convenceu-se de que não é possível negociar com o
Ocidente; que, simplesmente, dali em diante tratar-se-ia de deter o Ocidente. Então,
aconteceu a Síria: pela primeira vez desde o fim da IIª Guerra Mundial, os EUA
decidiram fazer algo e foram impedidos por potência externa e do modo mais
humilhante possível.
A autuação
dos russos no caso da Síria foi desafio direto à hegemonia mundial dos EUA. Foi
entendida assim, claramente, em Washington; e agora, depois da crise na
Ucrânia, os russos já admitiram
tudo, abertamente.
Assim sendo,
eis o que realmente está em jogo na guerra civil na Ucrânia: para os EUA, se
trata de punir a Rússia por ter-se atrevido a desafiar hegemonia mundial dos
EUA; para a Rússia, se trata de deslocar essa hegemonia e substituí-la por um
sistema internacional multipolar, no qual estados soberanos agem no limite da
lei internacional.
Pode-se
dizer que, apesar de até a maioria do Conselho de Segurança ter-se oposto
veementemente, a Rússia está tentando mostrar ao mundo que os EUA não são donos
da ONU; que só representam 1/5 do P5; e são só 1/15 avos do Conselho de
Segurança da ONU.
O Ocidente
acocorou-se em posição de total submissão aos EUA e às suas ferramentas de
dominação sobre a Europa: a União Europeia e a OTAN. Europeus da Europa Central
até se ofereceram voluntariamente para virar protetorado dos EUA, território à
disposição para instalar sistemas de mísseis e prisões secretas da CIA.
Com
exceção do Irã e da Síria, o mundo árabe e muçulmano deixou-se vender em
liquidação, uns para os EUA, outros para a Arábia Saudita, quase tudo ao mesmo
tempo. A América Latina esforça-se muito, mas ainda depende pesadamente dos
EUA; e a África só tenta sobreviver como possa.
Quanto à
Ásia, algumas partes estão entregues, como a Europa (Japão, Coreia); outros
estão tentando manter perfil discreto; e a China está silenciosamente apoiando
a Rússia, mas de modo externamente não declarado – apesar de a China ser o país
que mais tem a ganhar, dentre todos do planeta, com uma mudança na ordem
internacional.
Os russos
teriam preferido esperar, ganhar tempo. Mas a decisão dos EUA, de castigá-los
pela ousadia de ter-se oposto a eles na Síria, literalmente forçou os russos
escolher entre ou render-se e encolher-se, ou aceitar abertamente o desafio
norte-americano e fincar pé.
Repito
aqui mais uma vez e quantas mais precisar repetir – Putin não teria outra
escolha possível.
E agora,
com tudo isso já exposto, podem todos ter certeza absoluta de que a Rússia não
está nesse jogo para voltar ao status
quo ante. Com incrível sinceridade e franqueza, ambos, Putin e Lavrov,
declararam abertamente o objetivo do que fazem. E declararam pela televisão
russa (Lavrov, no programa “Domingo à Noite com Vladimir Soloviev”; e Putin, na
longa sessão (quase quatro horas) de entrevista ao vivo pela televisão, ontem, 17/4/2014).
Então,
esse é o objetivo dos russos: desalojar os EUA do papel de hegemon mundial. E esse objetivo implica esforço
muito mais longo, sustentado e maior do que apenas forçar os doidos de Kiev a sentar
à mesa de negociações.
Império Anglo Sionista (por Maurício Porto) |
Dentre outras
coisas, esse objetivo implica que a Rússia tem de:
1.
Forçar os europeus a perceber o preço escandaloso que
estão pagando por serem vassalos obedientes e calados dos EUA; e lentamente
meter uma cunha entre EUA e Europa.
2.
Forçar os EUA a admitir que não têm a força militar
necessária para castigar nem – e ainda menos – “mudar regime” de todos que não
agradem aos EUA.
3.
Encorajar China e outras potências asiáticas a
alinharem-se abertamente ao lado da Rússia, exigindo que o Ocidente se submeta
à lei internacional.
4.
Gradualmente substituir o dólar por outras moedas no
comércio internacional e assim desacelerar o ritmo no qual o resto do planeta
continua a financiar a dívida dos EUA.
5.
Criar condições para que América Latina e África consigam
fazer escolhas sobre o próprio futuro e substituir o atual monopólio que
favorece o Ocidente, no que tenha a ver com definir os termos das relações
Norte-Sul.
6.
Apresentar outro modelo civilizacional que rejeita
declaradamente o atual paradigma ocidental de sociedade comandada por elites
pequenas e arrogantes.
7.
Desafiar a atual ordem econômica liberal e capitalista
corporificada no Consenso de Washington e substituí-la por um modelo de
solidariedade social e internacional (quem queira, pode chamar de “socialismo
do século 21”).
Todos os
itens acima podem ser sintetizados numa palavra: re-soberanização.
Desde que
foi eleito, Putin mencionou várias vezes a necessidade de re-soberanizar a
Rússia. A crise ucraniana forçou-o a revelar o
objetivo final real de sua agenda: re-soberanizar todo o planeta.
É plano de
ordem muito alta e exigirá muitos anos, possivelmente décadas, até atingir o
objetivo, embora eu, pessoalmente, sinta cada dia mais que a total
incompetência e a infinita arrogância dos plutocratas-1% que governam o mundo
ocidental continuarão a acelerar esse processo.
A grande
pergunta agora é:
– o Império Anglo-Sionista pode seguir o
exemplo do Império Soviético e deixar-se desmontar sem, para que isso aconteça,
disparar massacre massivo e vastos banhos de sangue, enquanto despenca do alto
abaixo?
Claro que
haverá violência, como também houve na extinta União Soviética. Mas se apenas
conseguirmos evitar uma conflagração global ou, até, guerra em grande escala,
já se poderá considerar bem-sucedida a empreitada, porque é quando os impérios
estão desabando que eles se tornam mais imprevisíveis e mais perigosos.
Espero ter
respondido várias das perguntas postadas aqui. Muito obrigado.
Saudações.
The Saker
P.S. Acabo de receber este vídeo
incrível de uma mulher parar um APC (tanque de guerra) em Kramatorsk (Ucrânia) com
as mãos nuas. Eu acho que ela poderia ser
visto como um símbolo do que a Rússia quer fazer com o Império Anglo-Sionista:
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