13/4/2014, Conflicts Forum
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Barack Obama no Palais des Beaux Arts (Bozar) em Bruxelas em 26/3/2014 |
Observamos,
semana
passada, que, repentinamente, todas as questões chaves da política
externa do presidente Obama para o Oriente Médio azedaram – às vésperas de
rápidas visitas do presidente e de seu secretário de Estado à região. É como se
a truculência contra os EUA se tivesse tornado contagiosa. E é possível que, em
certo sentido, tenha virado, sim, contagiosa: para muitos líderes na região –
vista de pontos de vista muito diferentes – a disparidade (o racha num status
quo fortemente implantado, e forças nihilistas desencadeadas por aquele
racha) tornou-se grande demais para deixar passar. Disparidade entre (a) as realidades no Oriente Médio que
o oriente experimenta e (b) a realidade
virtual de um entendimento ocidental sobre os mesmos eventos, mas
filtrado por uma ótica do Iluminismo.
O ponto
aqui é que tudo isso continua – embora cada realidade particular e os “males”
a ela associados sejam muito diferentes, conforme o líder do Oriente Médio que
se considere. Dito de forma mais simples: os estados ocidentais estão sendo
vistos como tendo pouco a oferecer, quando todo um “sistema” (o sistema árabe)
está visivelmente ruindo e perdendo pedaços da própria substância – e quando o
medo predomina.
Assim
sendo, ao final de intensa ação diplomática pelos EUA, o que mudou? A resposta
é: pouco.
Barack Obama e o Rei Abdullah jantam em 28/3/2014 |
O
presidente Obama foi jantar com o rei Abdullah: foi como
casal que não se entende, tentando salvar um casamento fracassado. Mas, apesar
de todas as belas palavras e as reclamações de rotina, com o casal forçado a
controlar a irritação, o resultado é claro: não haverá divórcio (por enquanto),
só separação – a visita de Obama “serviu como remendo, não como cura
para o mal-estar entre os dois países”. Manterão comportamento decoroso em
público, mas, “no privado”, cada um fará o que bem entender – são livres para
escolher outros “namorados”, se conseguirem.
Na esfera
israelense-palestina, é claro que nem israelenses nem palestinos
veem ou desejam a solução atualmente em discussão (“dois estados”), tanto
quanto o mediador, John Kerry, quer que eles a vejam e desejem. O mediador ser
mais empenhado e mais entusiasmado por sua própria solução que qualquer dos
protagonistas de um conflito, jamais, em toda a história, foi bom sinal. O
discurso convencional indica que o “processo” estaria no fim, mas o fim
absolutamente não parece provável.
Mohammad Dahlan |
A fórmula
dos “dois estados”, que já tem 20 anos, foi um objetivo (no sentido de sugerir
a possibilidade de um segundo estado viável e independente) por algum tempo,
mas os dois atuais líderes, por razões de autointeresse, precisam, mesmo, mais
de “processo”, que de solução. O que parece realmente mais provável é que um “processo”
no qual a posição de negociação dos palestinos vai sendo diariamente fatiada,
como salame, em troca de pequenas recompensas (por exemplo, a libertação de
prisioneiros), acabe levando à derrubada daquela liderança. Os palestinos
jamais estiveram tão fracos, com autoestima mais baixa, tão carentes de cartas
viáveis para jogar; e é difícil ver como algum “processo-em-nome-do-processo” possa
prosseguir indefinidamente. Haverá um “golpe palaciano” (como aconteceu a
Yasser Arafat).
O mais frustrante
é que provavelmente o “agente” a ser financiado pelo exterior para fazer o
serviço será Mohammad
Dahlan.
Wendy Sherman |
E as negociações
sobre o Irã vão-se tornando cada dia mais semelhantes às negociações
palestinas: “processo-em-nome-do-processo” – como os conservadores da
oposição no Irã previam, desde o início, que aconteceria. Declarações de altos
funcionários do governo dos EUA sugerem que a tal “solução” não será tão ampla
como inicialmente sugerida, e que não se verá o fim de todas as sanções contra
o governo iraniano – algumas (ou muitas) sanções permanecerão: “pela primeira
vez Wendy
Sherman sugeriu a possibilidade de resultado bem distante de
completo e claro, para o processo”. Parece que o governo dos EUA (como no caso
das conversações palestinas) dá-se por satisfeito com fazer um gesto simbólico
– esboçar apenas algum “mapa do caminho” a ser passado adiante para o próximo
governo – em vez de enfrentar a substância da questão, o que obrigaria a
superar intensa oposição política dentro dos EUA, e seria provavelmente motivo
de luta política dentro do governo Obama.
A Síria
também parece, na sequência do tête-a-tête Obama-Abdullah, mais um caso
de quanto mais a coisa muda, mais a coisa permanece como antes...
David
Ignatius “noticia”, em linguagem notavelmente vaga, que o
presidente Obama parece disposto a ampliar a ajuda clandestina à
oposição síria, mas só para pressionar o presidente Assad a negociar
mais seriamente. Políticos em Washington sabem, é claro, que mandar mais alguns
sacos de armas para “moderados” que ninguém vê é, sim, gesto oco.
No Oriente
Médio (e no Afeganistão) pouco
mudou por efeito de uma semana de diplomacia; e
na Ucrânia, parece que os EUA estão sendo gradualmente levados na direção de
desescalar; e de aceitar uma modalidade de sistema federal frouxo, não
alinhado, que garantirá autonomia substancial para, parece, três distintas
regiões ucranianas.
David Ignatius |
Contudo, é
isso – a Ucrânia e as relações entre EUA e Rússia – que mantém o maior
potencial para levar mudanças ao Oriente Médio. Embora o presidente Obama
esteja claramente tentando em surdina desescalar com o presidente Putin, o
esforço tem seus oponentes. Além dos bem conhecidos guerreiros da guerra fria
dentro do próprio governo Obama, o experiente correspondente da Defesa
britânica, Richard
Norton Taylor, escreveu que “as ações de Putin na Crimeia acertaram um tiro no braço da OTAN, disse um
ex-secretário da Defesa da Grã-Bretanha, refletindo a preocupação disseminada
sobre o futuro da aliança militar ocidental”.
Norton Taylor |
“A
preocupação era que, com as operações patrocinadas de combate da OTAN no
Afeganistão aproximando-se do fim esse ano” – continua Norton Taylor – “a
aliança venha a ficar sem ter o que fazer, e que os membros europeus ocidentais
façam ainda mais cortes em seus orçamentos de defesa. A esperança no
quartel-general da OTAN é que a Crimeia e a Ucrânia chacoalhem os governos
membros, tirando-os do que os funcionários da OTAN veem como atitude de
complacência. Depois de muita angústia sobre a função da OTAN depois do
Afeganistão, a crise da Crimeia aparece como chance de dar novo objetivo à
aliança” – disse o Professor Malcolm Chalmers do Royal United Services Institute, think-tank com sede em
Londres. E acrescentou: “Se Putin atacar território de algum membro da OTAN,
como a Polônia ou a Latvia, outros estados da OTAN, inclusive a Grã-Bretanha,
ficarão obrigados a responder militarmente”.
Claro que
não há nenhuma possibilidade realista de a Rússia empreender esse tipo de ação,
mas a Ucrânia continua a ser estado altamente instável e volátil. Se as coisas
piorarem na Ucrânia, se irromper conflito civil naquele país, pode acontecer de
a Rússia ficar sem alternativa, exceto intervir para proteger os russos
étnicos. Nesse caso, a OTAN e o lobby da Defesa com certeza se servirão
desse pretexto para arrancar até o último dólar possível para aumentar os
gastos de defesa e expandir a “missão” da OTAN, para fazer frente a uma alguma “ameaça
russa” ressurgente.
A
estratégia de desescalada de Obama, portanto, continua altamente exposta à ação
dos grupos de interesse da Defesa, a pressões que a OTAN fará, à nostalgia da
Guerra Fria – e de eventos internos que podem brotar de dentro do sistema
norte-americano, como se vê no seguinte incidente, dessa semana: o banco J. P.
Morgan bloqueou uma transferência oficial de dinheiro russo, sob o pretexto de
que a transferência desrespeitaria as sanções anti-Rússia impostas pelos EUA.
Sergey Lavrov, MRE da Rússia |
Diferente
da reação que se viu no caso de sanções anteriores que o ocidente impôs à
Rússia, e que viraram objeto de piada no establishment russo, a Rússia,
dessa vez, ficou furiosa: segundo
a rede Bloomberg, o Ministro de
Relações Exteriores da Rússia classificou a ação do banco JP Morgan como
“ilegal e absurda”. Imediatamente depois a transferência foi “desbloqueada” e
completada normalmente. Mas, se não tivesse acontecido assim, a ação do Banco
JPM poderia desencadear uma guerra “de moedas”, (a Rússia poderia separar-se do
dólar para seus pagamentos de energia), o que provavelmente geraria
resposta-retaliação pelos EUA, que tomaria por alvo as vendas de gás e petróleo
russos (como alguns já pregam, no Congresso dos EUA).
Vladimir Putin |
Parece não
haver dúvidas de que o presidente Obama não dá sinais de desistir da via que
escolheu, mas há muitos e tais “fatores automáticos de desestabilização” (no
que tenham a ver com a Rússia e com o presidente Putin) dentro do sistema dos
EUA! A lista é longa: NED (National Endowment for Democracy),
USAID, Departamento de Estado, a CIA, os grupos de lobby da
Rua “K”
e as Forças Especiais, os quais, todos
esses, usam hoje elementos de operações clandestinas que, antes, eram de uso
exclusivo pela CIA, para desestabilizar os inimigos dos EUA; evento como
o do Banco JP Morgan, que se dá o direito de aplicar sanções suas contra o
estado russo, numa transação financeira oficial, sempre se podem repetir. Num
caso desse tipo, o Oriente Médio ver-se-á na linha de frente, exposto a todos
os ataques, de duas guerras: uma “guerra” contra o dólar e uma guerra contra os
oleogasodutos, as quais duas guerras terão implicações profundas.
Será que os
líderes ocidentais realmente creem na própria retórica, quando dizem que Putin
tem ambições expansionistas e quer reconstruir o Império Soviético? Será que
Hillary Clinton, ex-secretária de Estado dos EUA acredita no que disse, que as
ações da Rússia na Crimeia seriam “iguais ao que Hitler fez nos anos 1930s”?
Frank Furedi |
Frank
Furedi, ao responder a uma pergunta, feita por um jornalista russo,
interessado em saber por que o ocidente recusa-se a admitir ou reconhecer o seu
próprio papel na construção da crise na Ucrânia, disse que chegou “à
conclusão nada confortável de que os motivos por trás da demonização da Rússia
são decorrência de convicções sinceras”.
“Claro que
há muita propaganda, distorções propositais e muita fantasia nessa campanha” –
prossegue Furedi – mas a ideia geral
que a campanha manifesta foi tão profundamente internalizada por tantos no
ocidente, que, agora, já constitui a realidade deles, uma espécie de
para-realidade”.
De fato,
Obama deu voz a essa narrativa de uma ascensão histórica linear convergindo na
direção de valores partilhados do Iluminismo, no discurso de Bruxelas. (Naquele
momento, argumentamos que Obama fora obrigado a tomar essa via, para, no
mínimo, conseguir demarcar alguma diferença em relação à narrativa dos russos,
que denunciavam a cumplicidade da União Europeia na desestabilização da
Ucrânia).
Mas Furedi
adverte: a postura estreita, de moralismo raso, que essa narrativa de Obama
promove, representa real perigo de escalada contra a Rússia e, portanto, de
escalada contra a estabilidade global.
[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma compreensão mais
profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do Oriente Médio.
Faz isso por olhar para as causas por trás narrativas contrastantes: observando
como as estruturas de linguagem e interpretações que são projetadas para
eventos de um modelo de expectativas anteriores discretamente determinam a
forma como pensamos - atravessando as pré-suposições, premissas ocultas e até
mesmo metafísicas enterradas que se escondem por trás de certas narrativas,
desafiando interpretações ocidentais de “extremismo” e as políticas
resultantes; e por trabalhar com grupos políticos, movimentos e estados para
abrir um novo pensamento sobre os potenciais políticos no mundo.
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