segunda-feira, 2 de março de 2015

Eurobancos vs. trabalho grego

Varoufakis quer arrocho [“austeridade”] para os banqueiros

24/2/2015, [*] Michael Hudson entrevistado por  Sharmini Peries, TRNN
Traduzido da transcrição pelo pessoal da Vila Vudu


Lembram há alguns anos, quando a Europa disse: a Grécia tem uma dívida externa de 50 bilhões? Pois foi-se ver e descobriu-se que o Banco Central Europeu entregara aos partidos gregos uma lista de sonegadores. Ficou conhecida como “Lista Lagarde” (como a então Ministra das Finanças da França, hoje presidenta do FMI, Christine Lagarde), com a relação dos sonegadores que mantinham contas em bancos suíços. Somadas, aquelas contas chegavam a mais de 50 bilhões de euros. Em vários sentidos, bastaria a Grécia cobrar o que lhe devem esses sonegadores, para poder pagar o que deve aos bancos. (...)

Não podemos aparecer e dizer “esse é o plano”. Antes, é preciso garantir, com muita segurança, que quem esteja expulsando a Grécia sejam os Ministros das Finanças de Alemanha, Espanha, Portugal, Irlanda e Finlândia, todos representantes de banqueiros; não o Banco Central Europeu, não o FMI e nem, sequer, governos de centro.


SHARMINI PERIES: A extensão de quatro meses que o ministro das finanças da Grécia conseguiu na 6ª-feira (20/2/2015), veio com a condição de que a Grécia apresente uma lista de medidas para aplacar as ansiedades de seus credores internacionais, especialmente dos bancos alemães representados pelos ministros das finanças em Bruxelas, que temem que Atenas não cumpra a promessa de cortar gastos e implantar medidas de arrocho [‘austeridade’]. No domingo, Atenas apresentou a tal lista. Aqui, para nos falar desse plano, está o professor Michael Hudson.

MICHAEL HUDSON, PROF. DE ECONOMIA, UNIV. MISSOURI, KANSAS CITY:Obrigado.

PERIES: Michael, esses bancos internacionais representados em Bruxelas pelos ministros das Finanças que lá estão reunidos, quando estiveram em crise e foram “resgatados” pelo Tesouro Público, não viram problema algum [em torrar dinheiro público para arrancá-los da bancarrota]. Por que, agora, se recusam a ajudar a Grécia quando a Grécia precisa, quando até vários políticos e até a chamada Troika parece mais receptiva ao que a Grécia diz?

HUDSON: Porque o que há aí, realmente, é guerra de classes. Não se trata, como dizem os jornais, de Alemanha versus Grécia. Trata-se de fato de guerra de bancos contra o trabalho. E é uma continuação do thatcherismo e do neoliberalismo. O problema não é só que a Troika quer que a Grécia equilibre o orçamento; quer que equilibre o orçamento arrochando salários e impondo arrocho e mais arrocho [“austeridade”] sobre a força de trabalho. Diferente disso, os termos que Varoufakis sugeriu para equilibrar o orçamento “transferem” o arroxo e devem impor austeridade à classe financeira, aos magnatas e aos sonegadores de impostos.

Varoufakis propõe que, em vez de reduzir pensões e aposentadorias de trabalhadores e aposentados, em vez de fazer encolher o mercado doméstico, em vez de perseguir um arrocho de autodestruição, uma “austeridade” que se autoderrota, vamos extrair dois e meio bilhões de euros dos poderosos magnatas gregos. Vamos cobrar os impostos que devem. Vamos acabar com contrabando de petróleo e outras redes de tráfico e vamos cobrar impostos e taxas devidas de proprietários. Porque as classes ricas gregas tornaram-se notórias sonegadoras.

Isso enfureceu os bancos. Fato é que os Ministros das Finanças da Europa não querem de modo algum equilibrar orçamento algum, se, para isso, se criarem impostos sobre fortunas, impostos que os ricos tenham de pagar, porque os bancos sabem que todo o dinheiro que não vai para pagar impostos, vai para sustentar os bancos. Os duelantes tiraram as luvas. A luta de classes está aí, diante de nossos olhos.

Originalmente, Varoufakis pensou que estivesse negociando com a Troika, quer dizer, com o FMI, o Banco Central Europeu e o Conselho Europeu. Mas logo ficou sabendo que não; que a Grécia estava negociando com os Ministros de Finanças europeus, e Ministros de Finanças europeus são todos muito parecidos com Tim Geithner nos EUA. São lobbyistas a serviço dos grandes bancos. E os ministros de finanças disseram: “como podemos acabar com esse sujeito e garantir que a Grécia seja usada para aplicar uma lição a outros recalcitrantes, mais ou menos como os EUA fizeram com Cuba nos anos 1960s?”.

PERIES: Um momento, Michael. Vamos explicar isso, porque o Ministro grego, Yanis Varoufakis, é muito bem informado e bem posicionado. Por que ele suporia que estivesse negociando com a Troika quando, de fato, estava negociando com os Ministros de Finanças?

HUDSON: Porque oficialmente a negociação estaria sendo feita com FMI, BCE e CE. Varoufakis acreditou no que lhe disseram. E depois descobriu – e James Galbraith, que foi com Varoufakis a Bruxelas, publicou coluna na revista Fortune [traduzida], em que diz, não, não, calma, os Ministros de Finanças estão contra a Troika. A Troika e os Ministros estão às turras, não se entendem entre eles, sobre o que realmente deve ser feito. E para realmente pôr fim a qualquer possibilidade de entendimento, o Ministro alemão, Schäuble, inventou que, “nada de acordos, temos de trazer o governo espanhol e o governo português e o governo finlandês e todos têm de concordar”.

Ora, a posição da Espanha é manter seu partido liberal thatcherista no poder. Se a Grécia consegue avançar, escapar do arrocho [“austeridade”] e salvar seus trabalhadores, nesse caso aumentam as chances do Partido Podemos da Espanha também vencer as próximas eleições e a elite espanhola ter de deixar o poder. Por isso, os líderes espanhóis estão tentando convencer a todos de que Varoufakis e a Coalizão Syriza são completos fracassos, para que possam dizer aos trabalhadores:

Viram o que aconteceu com a Grécia? Foi atropelada, e vai aconteceu o mesmo a vocês, se tentarem fazer o que os gregos fizeram. Se tentarem criar impostos para os ricos pagarem, se tentarem controlar os bancos e impedir a cleptocracia... será o fim do mundo, será um desastre.

Por isso os governos de Espanha e Portugal também querem impor o arrocho [“austeridade”] contra a Grécia. Até a Irlanda começa a acordar e diz:

Santo Deus, o que fizemos nós? Impusemos arrocho [austeridade] durante uma década contra nossos cidadãos, só para “resgatar” bancos falidos. Até o FMI já nos criticou por acompanhar a Europa e resgatar bancos e impor mais e mais arrocho [austeridade]. Se a Syriza vence na tentativa de evitar o arrocho [austeridade] na Grécia, nesse caso todo nosso sacrifício, todo o sacrifício e nossa população, toda a miséria que impusemos ao nosso próprio povo, todo o thatcherismo que impusemos foi desnecessário e não tínhamos nenhuma necessidade de causar toda aquele mal..

Há todo um efeito-demonstração, e aí está a razão pela qual estão tratando a Grécia como caso exemplar, porque a Grécia está mostrando aos trabalhadores que dizem “ninguém tem de impor arrocho [austeridade] contra o próprio povo, e governos populares podem, sim, cobrar os impostos que os sonegadores não querem pagar.

Lembram há alguns anos, quando a Europa disse: a Grécia tem uma dívida externa de 50 bilhões? Ora! Foi-se ver e descobriu-se que o banco central entregara ao governo grego uma lista de sonegadores. Ficou conhecida como Lista Lagarde (como a Presidenta do FMI, Christine Lagarde, que então era Ministra de Finanças da França), com a relação dos sonegadores que mantinham contas no banco HSBC. Somadas aquelas contas chegavam a mais de 50 bilhões de euros. [1] Em vários sentidos, basta a Grécia cobrar o que lhe devem esses milionários sonegadores de impostos, para pagar o que deve... aos bancos.

Mas o caso é que, nesse caso, se trataria de arrancar dinheiro de dentro de bancos suíços e outros. De fato, os bancos estariam pagando a eles mesmos. E os bancos não querem pagar coisa alguma a eles mesmos. O que querem é arrochar os trabalhadores [a isso os bancos e a imprensa-empresa e até Obama (veja abaixo) chamam de “austeridade”. Não é “austeridade”: isso é arrocho contra os trabalhadores]; e querem deixar livres os sonegadores e os magnatas gregos para continuar a roubar os governos e estados. Por tudo isso, de fato, a Troika – nem é, de fato, a Troika, são mais os Ministros de Finanças representantes de bancos privados – estão apoiando os sonegadores e os barões-ladrões na Grécia, os mesmos contra os quais a SYRIZA tenta agir. [2]

E o FMI, dessa vez, pode assumir posição mais suave. Até o presidente Obama já se intrometeu e, parece, telefonou à chanceler alemã Merkel, para dizer que:

Veja, você não pode forçar a “austeridade” além de um certo ponto, porque você vai empurrá-los para fora do euro, e os empurrará para fora do euro nos termos da SYRIZA.
E a SYRIZA poderá dizer aos gregos: nós fizemos o que prometemos; acabou a austeridade; nos expulsaram do euro; fomos expulsos, como parte da luta de classes.

PERIES: Há alguns dias, você fez também uma analogia entre o que se passa na Grécia e o que houve com Cuba.

HUDSON: Cuba, no governo de Castro, criou um sistema social alternativo. Queria distribuir a riqueza – nesse sentido, foi sistema marxista. Queria livrar-se dos escroques que cercavam Batista, e que governavam o país, os ricos que não pagavam impostos. Castro queria uma revolução social. Os EUA temiam muito que, se Cuba fosse bem-sucedida, haveria revoluções por toda a América Latina. Os latino-americanos perceberiam que, podiam encampar as plantações norte-americanas de açúcar, as plantações norte-americanas de banana e obrigar os ricos a pagar impostos, e obrigar empresas a pagar impostos, e obrigar os exportadores a pagar impostos – não só o trabalho e os trabalhadores.

Os norte-americanos pensaram: “nós podemos sindicalizar o trabalho, podemos educar o trabalho, podemos adestrar o trabalho – mas se Cuba conseguir ensinar o trabalho a operar de outro modo”... será terrível desastre para os planos neoliberais! Porque se o trabalho é socialmente ensinado e tem programa social de democratização, os trabalhadores logo perceberão que há alternativa ao thatcherismo neoliberal.

Esse é o problema sobre o qual Varoufakis escreveu esse mês, no Guardian [3] sobre como se relaciona com o pensamento marxista. Disse que o problema que a Grécia enfrenta é que, se sair do euro, se for empurrada para fora do euro, haverá um trauma econômico.

A esquerda em toda a Europa, como na América, não tem, de fato, um programa econômico. Assim sendo, a única alternativa para a SYRIZA, e que têm programa econômico, são os neonazistas da Aurora Dourada. O que preocupa Varoufakis é que ele não está discutindo só com Ministros das Finanças de países da Europa num único front; está discutindo também no front grego contra os partidos de direita e são os partidos nacionalistas, como o de Marie Le Pen na França. E esses partidos é que estão dizendo: sim, sim, nós temos alternativa. Basta que saiam do euro.

Mas essa não é nem alternativa nem retirada que a esquerda possa assumir porque, de fato, nem há grande esquerda na Grécia, exceto o pequeno partido (Coligação) SYRIZA. O partido socialista de Papandreou com certeza não é esquerda; nem é esquerda o partido só nominalmente socialista da Espanha, que é partido neoliberal thatcherista, e com certeza o Labour Party britânico tampouco é partido de esquerda (é “trabalhista” à moda Tony Blair!).

Tudo isso para dizer que Varoufakis tem cerca de quatro meses para educar o público grego para o fato de que, sim, há alternativa e é a seguinte.

A alternativa para o neoliberalismo não precisa ser o nacionalismo neonazista de direita. Há uma alternativa socialista, e estamos tentando construir todos os arranjos que pudermos, para que, se formos expulsos do euro, e os bancos desabarem, tenhamos um plano B. Não podemos aparecer e dizer “esse é o plano”. Antes, é preciso garantir, com muita segurança que quem esteja expulsando a Grécia sejam os Ministros das Finanças de Alemanha, Espanha, Portugal, Irlanda e Finlândia, todos representantes de banqueiros; não o Banco Central Europeu, não o FMI, nem, sequer, governos de centro.
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[1] Vide 27/10/2012, “The Controversial ‘Lagarde List’ Has Leaked, And It's Bad News For The Greek Prime Minister”, Matthew Boesler, Business Insider.

[2] Notícia de hoje (28/2/2015), em IO Publico (Portugal): Grécia. A declaração de guerra de Varoufakis.

O ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, admitiu hoje a criação de uma “taxa extraordinária” para “aqueles que podem pagar”, com o objetivo de garantir o equilíbrio do orçamento do país.

Estamos comprometidos com garantir orçamento equilibrado. Se tiver que impor um imposto especial, fá-lo-ei, mas sobre aqueles que podem pagar” – afirmou o governante numa entrevista concedida à estação televisiva grega Skai. “Não vamos pedir dinheiro aqueles que sofrem”, garantiu Varoufakis.

Estamos interessados naqueles que têm dinheiro e que nunca pagaram. Eles são o nosso alvo e seremos implacáveis”, realçou o responsável. E acrescentou: “Queremos encontrar uma solução para fazer pagar aqueles que têm dinheiro”.

O ministro helênico disse aguardar que os parceiros europeus ajudem a Grécia a fazer cumprir o pagamento dos impostos devidos pelas empresas do país que escapam à tributação e que não se limitem a dar “lições” ao país.

O Primeiro-Ministro grego, Alexis Tsipras, anunciou na sexta-feira um primeiro conjunto de medidas para lutar contra a evasão fiscal e aumentar as receitas do Estado, incentivando os contribuintes a pagar parte de suas dívidas. (...)

[3] Ensaio adaptado de VAROUFAKIS, Yanis (2013), 24/2/2015, redecastorphoto:   Confissões de um Marxista Errante, nas Sombras de uma Revoltante Crise Europeia, traduzido.
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[*] Michael Hudson (nascido em 1939, Chicago, Illinois, EUA) é pesquisador emérito e professor de Economia da Universidade do Missouri, em Kansas City. e pesquisador associado do Bard College. É ex-analista e consultor em Wall Street; Presidente do “Instituto para o Estudo de Tendências Econômicas de Longo Termo” (Institute for the Study of Long-term Economic Trends - ISLET) e membro-fundador da “Conferência Internacional de Pesquisadores de Economias do Antigo Oriente Próximo” (International Scholars Conference on Ancient Near Eastern Economies - (ISCANEE).
Seus dois livros mais recentes são The Bubble and Beyond e Finance Capitalism and its Discontents. O próximo livro tem o título de Killing the Host: How Financial Parasites and Debt Bondage Destroy the Global Economy.

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