sábado, 21 de março de 2015

Grécia: Fase Dois (Parte 2)

Costas Lapavitsas, deputado marxista eleito na lista do SYRIZA, fala sobre as dificuldades econômicas no caminho de seu partido e dos desafios de sair da Zona do Euro

12/3/2015, Sebastian Budgen entrevista [*] Costas Lapavitsas – Revista Jacobin
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Ver também:
16/3/2015, redecastorphoto em: Grécia: Fase Dois (Parte 1), Revista Jacobin, traduzido.
27/2/2015, redecastorphoto em: Grécia: Fase Um, Revista Jacobin, traduzido.


Não estou dizendo que a Grécia tenha de repetir o que fez a Argentina, é claro. Mas não nos deixemos prender na armadilha ideológica que a Direita e os bancos credores inventaram e mantiveram sobre a Argentina, durante anos.

Mas o fator crucial para mim, para um calote progressista, é a determinação, no governo, de envolver o povo, os movimentos de base, em cada passo e em todos os passos. Isso não foi feito na Argentina. O calote só aconteceu porque a elite dominante perdeu o controle. E foi o caos, por algum tempo


Costas Lapavitsas
Parece que agora se abre um tempo para SYRIZA respirar, quatro meses. Há muita incerteza sobre como as várias reformas que estão sendo propostas pelo governo serão postas em prática, em termos de reformas distributivas prometidas na campanha eleitoral e reforma das privatizações, que também são linhas vermelhas.

Há também divisões declaradas, agora que todos podem ver por dentro do próprio SYRIZA, com a reunião do comitê central que houve no final de semana. Como você vê a atual fase em que estamos, de agora até o verão?

CL: Será período muito, muito duro para o governo e para o SYRIZA. Muito duro. Claro, há o efeito do compromisso assumido nas negociações. Basicamente, os emprestadores e a União Europeia (EU) cercaram e algemaram o SYRIZA o mais firmemente que podiam naquele momento. O governo vai sofrer pressão constante para cumprir as metas fiscais e as demais exigências fiscais.

Em março, há pagamentos pesadíssimos a fazer, que já estão criando problema grave, porque o sistema tributário está entrando em colapso. Em abril, o governo terá de completar uma revisão do processo existente, que é uma revisão adiada do programa existente, e vai ser um período infernal porque, obviamente, as instituições monetárias não vão amolecer.

Depois, em maio, o governo terá de estar pronto para as negociações que começam em junho para um novo acordo, de longo prazo que, sabe-se lá como, terá de enfrentar a questão do financiamento da dívida e conseguir a redução na dívida que o SYRIZA prometeu ao povo grego. O tempo de agora até junho passará muito depressa, e será tempo de fricção constante e luta constante para evitar uma crise ou, melhor dizendo, será tempo de lidar com a crise diariamente.

Nesse contexto, do meu ponto de vista, o governo só tem duas opções reais se quiser sobreviver e se quiser fazer o que foi eleito para fazer.

A primeira é começar a aplicar o máximo do próprio programa que seja possível. É absolutamente importante e decisivo que aquelas leis seja aprovadas no Parlamento, que começa a mostrar às pessoas comuns que somos gente que faz o que diz que faria e, mesmo confinados pelo acordo, podemos fazer várias coisas, rompendo alguns daqueles pontos que nos confinam, se pudermos.

A segunda coisa que o governo tem de fazer é, claro, aprender a lição da fracassada estratégia que resultou do acordo sujo feito em fevereiro, e começar a preparar-se para uma abordagem diferente nas negociações em junho. Porque, se o governo abordar as novas negociações com a mesma estratégia, obterá o mesmo resultado.

Então, para o senhor, as questões chaves que o governo pode fazer avançar seriam reconectar a energia elétrica das residências, talvez recalcular as aposentadorias, a  assistência pública à saúde, mas não as questões que já foram deixadas de fora, como aumentos no salário mínimo, readmissão dos funcionários públicos demitidos, renegociar ou reverter as privatizações?

CL: Nisso tudo, temos de ser cuidadosos e realistas. O governo está numa camisa de varas, por razões que já discutimos. Quatro meses é pouco tempo. O governo é inexperiente, a maquinaria do estado é lenta e quase em todos os casos é hostil ao novo governo. Esse arranjo não levará a mudanças dramáticas em curto prazo, não, com certeza, por um governo de esquerda.

Assim sendo, tem de haver uma priorização do que pode e do que não pode ser conseguido em prazo tão curto, para preservar o apoio popular e demonstrar que não somos iguais à gangue que governava antes. Quais das promessas que fizemos poderão ser cumpridas nos próximos quatro meses, é questão de avaliar e decidir.

Com certeza a legislação relativa à crise humanitária é central e já foi encaminhada. Outras leis, para enfrentar as dívidas do setor público, questões de impostos, também são muito importantes. Leis que proíbam os despejos para quitar dívidas com os bancos e outras desse tipo, também são crucialmente importantes. Os aumentos no salário mínimo, que é compromisso assumido que tem de ser honrado, terá de esperar quatro meses. Não é o fim do mundo.

Assim sendo, tem de ser feita um escalonamento, uma priorização cuidadosa seguindo as linhas que você sugeriu. Mas se a UE e as demais instituições aplicarem pressão contra nós, para que não tomemos algumas das medidas que mencionei, temos de nos manter firmes e fazê-los piscar. Porque se não o fizermos, estaremos acabados.

Falemos sobre “fazê-los piscar”. O senhor publicou um livro com Heiner Flassbeck que trata dos vários passos propostos como necessários para uma alternativa à estratégia que tem sido usada. Tenho também algumas perguntas sobre aqueles passos, e muitas pessoas enviaram perguntas. Algumas das objeções são bem óbvias. Mas suponho que o passo mais urgente seria o controle de capitais, que é compatível também com permanecer como membro da UE?

CL: Acho que temos de começar por um passo antes desse, e declarar que uma estratégia alternativa – e uma clara compreensão do que se pode e do não se pode fazer e de como as coisas têm de ser abordadas – são fatores importantes também para as negociações.

Creio firmemente que as negociações em fevereiro teriam tido resultado diferente, se o governo estivesse atento não só à armadilha para a qual seria arrastado, mas se, além disso, estivesse preparado para agir para não cair na armadilha. Negociações têm resultados diferentes se o outro lado percebe que você tem uma alternativa com a qual pode jogar, e que você está decidido a tomar a via alternativa, se necessário.

Que você pode apertar o botão nuclear, se entender que é o caso?

CL: Precisamente. Esse ponto é muito importante. Porque, se você conta a eles que você não está preparado para apertar o botão nuclear, como se diz, obviamente você mesmo se autoenfraquece enormemente. Isso, para começar. Mas, se chegasse a isso e a Grécia fosse forçada a...

Como presumivelmente o senhor supõe que chegará, ao final do prazo de quatro meses [do atual acordo]?

CL: É, acho que chegará. Ou acho que eles terão extrema dificuldade para encontrar alternativa significativa.

Quero ser bem claro, e aqui é boa ocasião para dizer o seguinte: a solução óbvia para a Grécia, agora, quando olho o quadro como economista político, a solução ótima, seria uma saída negociada. Não necessariamente uma saída contestada, mas uma saída negociada. A Grécia, me parece, teria chance razoável se fosse para a negociação e preparada para lutar por uma saída negociada e aceita. Poderia até ser por tempo limitado. Tudo bem, se o povo grego aceitasse mais facilmente essa via.

Saída negociada – negociada no sentido de que o outro lado da barganha seria corte significativo na dívida; seria o preço que a união monetária teria de aceitar – cancelamento de 50% da dívida. Importante, realmente, é que a saída seria protegida, no sentido de que o Banco Central Europeu (BCE) cuidaria para a desvalorização da nova moeda não fosse superior a 20%, e para que os bancos sobrevivessem.

Esses dois aspectos – proteger a taxa de câmbio e proteger os bancos – custam praticamente zero. Não é como se a união monetária tivesse de pôr dinheiro ou suportar custo significativo em troca daquelas duas medidas. Faria imensa diferença para a Grécia, e o custo seria nenhum para a união monetária. O único custo para a união monetária seria a metade da dívida que seria cancelada.

Nesse contexto, vejo motivos pelos quais a união monetária aceitaria [a saída da Grécia], porque assim se poria fim ao problema grego. Para mim, é solução ótima agora, porque posso ver as dificuldades da saída contestada. Mas, se chegar a isso, até uma saída contestada é melhor que continuar o programa atual.

Na questão da saída negociada: alguns têm dito que o Ministro de Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, é favorável a isso e que quem o contém é a chanceler Angela Merkel. Claro que não se pode adivinhar se ele aceitaria outra proposta. Qual é sua leitura?

CL: Schäuble disse abertamente, ou, pelo menos, os ministros gregos têm dito, que Schäuble ofereceu aos gregos uma saída auxiliada, já nos idos de 2011. Posso entender, a partir do ponto de vista da estrutura do poder na Alemanha, por que eles seriam tentados por essa ideia; e entendo que seja objetivo que um governo grego de esquerda consideraria válido, por razões óbvias.

Mas não sei se há divisões dentro do establishment alemão sobre esse assunto, porque não conheço os detalhes do debate político alemão. Mas o argumento pode ser muito atraente no nível geral e acho que posso ser razoavelmente otimista.

Se o lado grego lutou por isso, e indicou que eles poderiam aceitar, acho que se poderia ter chegado a um acordo no interesse dos trabalhadores gregos também, não só da elite grega, porque se conseguiria evitar as dificuldades da saída contestada.

É objetivo pelo qual, sim, vale a pena lutar, certamente. Diria até que o governo do SYRIZA já deveria estar-se mudando para essa nova direção, para o próximo período de negociações. Mas, repito: se se comprovar impossível, até uma saída contestada é melhor que continuar o programa atual.

Assumamos que não seja possível. Como eu já disse, tanto objetivamente como subjetivamente – para lidar com o pânico que surja – presumivelmente o primeiro passo é estabelecer imediato controle de capitais?

CL: Comecemos de outro ponto. Vamos pensar na saída contestada. Se acontecesse, a primeira coisa a ter lugar é o calote da dívida. Se a Grécia se declarasse não adimplente em sua dívida, se abriria um processo de reestruturação negociada da dívida. (Porque declarar-se não adimplente não significa que a dívida desapareça; a dívida não some; o que acontece é que você declara que não pagará).  

Fora dos limites da união monetária, será muito mais fácil reestruturar a dívida. Muito, muito mais fácil! O FMI, por exemplo, sabe que a dívida tem de ser reestruturada. O fator que está, realmente, impedindo a reestruturação da dívida grega é a União Europeia com a união monetária. A reestruturação da dívida com certeza será muito mais fácil depois de a Grécia sair. É a primeira coisa: sair. A dívida pode esperar. Se a Grécia não vai pagar, a dívida que sente e espere.

Problemas reais são os problemas imediatos. Esses exigirão várias ações imediatas. Sabemos quais são, porque aprendemos da experiência de Chipre, onde a União Europeia agiu. Antecipando várias de suas perguntas, já aviso que, sim, sabemos que a UE admite e pratica o controle de capitais e eles mesmos impõem, quando tem de ser feito.

O governo então terá de impor controle de capitais imediatamente, e terá de impor controles sobre os bancos imediatamente. Nem é preciso repetir. É claro que sim. Terá de fazer o que a UE fez no caso de Chipre. Agora, quanto tempo permanecerão os controles e que forma terão, depende de como a situação se apresentar e desdobrar-se. Com certeza as medidas perdurarão por tempo significativo. E algumas formas de controle de capitais permanecerão, se tiverem de permanecer.

Controles bancários, assumindo que a situação se regularize em prazo razoável, poderão começar a ser levantados em poucos meses. Mas essas duas medidas são imediatas, cruciais, e terão de ser tomadas imediatamente.

Então começará a questão de redenominar tudo, pela nova moeda. Haverá legiões de questões legais – precisaremos mobilizar um exército de advogados – porque a via mais fácil pra a redenominação e, na essência, caso a caso.

A redenominação dependerá da lei dos contratos sob a qual se esteja trabalhando. Se se trata de contrato assinado por leis de outros países, haverá problemas. Esses contratos terão de ser postos em contas especiais, e serão tratados caso a caso, ao longo do tempo. Os contratos regidos pela lei grega, em geral, terão de ser redenominados imediatamente. Estou falando, claro, de depósitos, dívidas bancárias e outras obrigações. Seja o que for, se estiver regido no campo da soberania grega, do estado grego, do sistema legal grego, terá de ser redenominado imediatamente para a nova moeda.

É claro que a redenominação criará um problema para os bancos, e a nacionalização dos bandos será necessária imediatamente, é óbvio. Mas a nacionalização dos bancos é passo vital para a economia grega nesse momento, porque os bancos privados, o sistema bancário em termos gerais, falhou. Nem estamos fazendo qualquer coisa, digamos, muito chocante.

Na sequência, o estado terá de intervir, tão logo os bancos estejam nacionalizados e os balanços redenominados na nova moeda, será preciso reestruturar os bancos. Os bancos têm de ser reorganizados para ver que bancos permanecerão e sob que termos. Esse é um processo que tomará algum tempo e não será fácil.

O senhor vê essa nacionalização feita simplesmente como processo de cima para baixo, ou como algo que poderá envolver algum grau de controle popular?

CL: Com absoluta certeza com mais controle popular e participação dos trabalhadores! Os sindicatos dos bancários são muito ativos e querem contribuir positivamente. Terão função na administração e na reorganização dos novos bancos. Não é processo só de cima para baixo.

Mas alguma ação de cima para baixo é necessária. Teremos de nomear um comissário público para o sistema bancário, a administração bancária terá de ser mudada, e começar o processo de restruturação dos bancos para criar, afinal, finalmente, alguns bancos saudáveis. O emprego e a produção aumentarão.

Na sequência, claro, teremos de fazer, em vários sentidos, o mais difícil, o mais complicado: lidar com os mercados particulares e com o impacto da saída sobre esses mercados. E há três mercados chaves: energia, que basicamente significa petróleo; comida; e medicamentos.

A situação da Grécia nesses campos é muito melhor hoje do que era em 2010, porque o país enfrentou, em boa medida o desequilíbrio. Hoje somos mais capazes de garantir as importações do que éramos em 2010. Mas mesmo assim será indispensável intervenção ativa nessas três áreas, para assegurar a prioridade ao que é prioridade; as pessoas precisam absolutamente de remédios e comida; é assunto prioritário.

Nada é tão difícil como alguns gostam de fazer parecer que fosse. Não serão tempos agradáveis, mas não basta isso. A saída terá suas compensações, que virão com o tempo. O custo de alguns meses de dificuldade é quase nada. E se houver bom planejamento, esses custos ainda poderão ser reduzidos.

Concretamente, estamos falando de racionamento, não é?

CL: Sim, de um processo de racionamento.

E o senhor está confiando na burocracia grega para levar a cabo um racionamento justo e eficiente?

CL: Infelizmente, não há alternativa. Mas nos indique outra possibilidade e vamos estudá-la. Temos ainda quatro meses. Nesses quatro meses temos de preparar tudo.

Deixe-me lembrar-lhe algumas coisas. A Grécia atravessa hoje uma crise humanitária. Já há racionamento no país, só que é feito pelo bolso. Grande parte da população não tem o suficiente para comer, há os que se alimentam de restos e nos restaurantes chamados “sociais” – locais onde ainda se pode comer a preços muito baixos.

Todos esses são mecanismos de racionamento, que já estão aí. Se enfrentarmos a crise humanitária já, criaremos mais capacidade para o futuro. De fato, já estamos implantando mecanismos para lidar com os problemas de baixa oferta. E não será tão difícil hoje, como teria sido em 2010.

Presume-se que o senhor também terá algum grau considerável de controle popular para evitar o clientelismo e a corrupção?

CL: Claro. É o que o SYRIZA tem de fazer e pode fazer. É o que cabe a um governo de esquerda fazer. Foi eleito para isso.

Veja o caso dos medicamentos. A Grécia exporta medicamentos. Temos capacidade significativa para produzir medicamentos. O problema não é tão difícil como alguns dizem. Temos também muita capacidade para produzir energia. Estamos bem próximos da autossuficiência no campo da energia. Haverá racionamento para transporte, e será preciso racionalizar. Já vivemos em situação de racionamento nesse momento; a diferença é que se faz pelo bolso. Muita gente não está usando o próprio carro, porque não tem dinheiro para abastecer. Para muita gente, nada será pior do que é hoje.

Que importância tem, para esse processo, será crucialmente importante, construir alianças alternativas com países como Rússia, Venezuela, China, Irã?

CL: Absolutamente crítico, crucialmente importante. E há boas razões para esperar respostas positivas dessas potências.

Sob condições, em geral?

CL: Ora! Nada se faz, nessa vida, sem condições. Se a Grécia foi empurrada para a situação em que estamos pelos chamados parceiros na UE, é claro que a Grécia deve explorar todas as opções, livremente, sem constrangimentos. Se pudermos salvar nosso povo e nossa sociedade mediante esses tipos de alianças e acordos, temos de fazê-los.

Quero dizer mais uma coisa sobre isso, não tanto sobre a geopolítica, mas sobre a política interna. Uma das características chaves da política de arrocho [“austeridade”] aplicada à Grécia e a outros países durante os últimos quatro ou cinco anos tem sido a atomização e a individualização da própria sociedade.

As políticas de arrocho [“austeridade”] contêm nelas elementos muito fortes de classe, e elementos atomísticos muito fortes também. Elas instilam na sociedade uma espécie de abordagem que vêm “impregnada” naquelas políticas, de que sociedade é “cada um por si e o diabo na espreita”. A sociedade tem de operar apesar dela mesma, para conseguir gerar solidariedade , o que as sociedades fazem e têm feito, mas a sociedade tem de ir contra a corrente dominante inspirada por aquelas políticas.

A saída, feita pelas linhas que comentei aqui, criará, creio eu, resultado oposto a esse. Criará um efeito salva-vidas. Um efeito de união, de coesão social, de solidariedade social, mediante o qual a sociedade atravessará as dificuldades. Isso, claro, assumindo que a saída seja administrada e operada por um governo de esquerda que abertamente deseja implementar a saída, no interesse dos trabalhadores e dos mais pobres em geral.

Sendo esse o caso, acho que o resultado final será muito diferente do que vimos até agora e será resultado que potencialmente contribuirá para transformação de mais longo prazo, na sociedade, que é, claro, o que estamos buscando. A esquerda não está buscando a Grexit nela e por ela mesma. Entendemos que a solução de sair da Zona do Euro é passo necessário, mas não suficiente, na transformação social.

Uma das razões, me parece, pelas quais as pessoas não confiam muito na estratégia de sair da Eurozona é porque os precedentes sempre lembrados não são muito encorajadores, pelo menos no plano político. O caso da Argentina, com suspensão de pagamentos da dívida e reestruturação. Não é caso muito estimulado em termos dos resultados políticos ou de algum tipo de transformação social. A solução de Chipre não foi solução progressista; foi medida de emergência, e levou a Direita a tomar o poder. E sabemos que há uma série de outros exemplos históricos, que estão longe de poder ser considerados positivos.

Qual, na sua opinião, é o traço crucial – além das questões subjetivas e de vontade – para que o movimento de calote tenha consequências progressistas, não regressistas nem diretamente reacionárias?

CL: Excelente pergunta. E é questão que se discute desde o início da crise, em 2010. Porque o chamado “calote” da dívida externa pode acontecer de diferentes modos

Tenho de dizer desde já que o caso da Argentina (embora de modo algum eu esteja sugerindo que o governo argentino deva ser visto como farol para a esquerda) tem sido extremamente mal noticiado e muito mal compreendido. O que a Argentina obteve depois do calote e de ter saído daquela dívida foi e é muitíssimo melhor do que o país tinha antes e do que teria tido se continuasse pela mesma via, para os trabalhadores. Vou repetir essa parte: para os trabalhadores. Se você avalia em termos de emprego e renda, a nova situação e absolutamente muito melhor, sem comparação com o que havia antes.

Não estou dizendo que a Grécia tenha de repetir o que fez a Argentina, é claro. Mas não nos deixemos prender na armadilha ideológica que a Direita e os bancos credores inventaram e mantiveram sobre a Argentina, durante anos.

Mas o fator crucial para mim, para um calote progressista, é a determinação, no governo, de envolver o povo, os movimentos de base, em cada passo e em todos os passos. Isso não foi feito na Argentina. O calote só aconteceu porque a elite dominante perdeu o controle. E foi o caos, por algum tempo.

O fator chave aqui é que, para nós, se a coisa tem de andar na direção que queremos e que qualquer partido de esquerda tem de querer que a coisa ande, é indispensável envolver o povo em todos os níveis. É preciso informar as pessoas. É preciso oferecer alternativas às pessoas. É preciso esperar pela validação popular do que seja feito. E é preciso convocar a ação popular.

Porque essa é a única força de um governo de esquerda. Não é outra. Não há outra. Não é questão de expertise técnica – embora, sim, claro que tem de haver também isso. Mas o fator crucial, determinante, é o apoio popular. É o que eu gostaria de ver. Porque é o que garantirá para a Grécia saída progressista, transicional, da Eurozona. Infelizmente, não se tem visto muito, disso, ultimamente.

[Continua]

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Nota dos tradutores
[1] Ver também VAROUFAKIS, Yanis, redecastorphoto em: Confissões de um marxista errante(2013), traduzido.
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[*] Costas Lapavitsas (em grego: Kώστας Λαπαβίτσας) é professor de Economia na School of Oriental and African StudiesUniversity of London, e foi eleito como membro do Parlamento grego pelo partido Syriza na eleição geral da Grécia em janeiro de 2015.
Em 1982, obteve mestrado na London School of Economics; em 1986 conseguiu seu PhD no Birkbeck CollegeUniversity of London. Desde 1999 leciona Economia na School of Oriental and African Studies,University of London, primeiro como assistente, e desde 2008 como professor efetivo.
Costas Lapavitsas é conhecido por sua crítica ao sistema financeiro ocidental moderno, em particular ao tratamento dado à crise de governo-dívida grega, a crise da dívida europeia e da União Europeia. Também é colunista do jornal britânico The Guardian. Em 2007 fundou a Research on Money and Finance (RMF) uma rede internacional de economistas políticos com foco em dinheiro, finanças e evolução do capitalismo contemporâneo. Em 2011, Lapavitsas, bem como alguns outros economistas gregos, recomendaram que a Grécia abandonasse o Euro e regressasse à sua antiga moeda nacional, o dracma, como resposta à crise de governo-dívida grega. Em 02 de março de 2015 Lapavitsas escreveu no The Guardian que liberar o povo grego da “austeridade” e evitar, simultaneamente, um grande desentendimento com a Zona do Euro é tarefa impossível para o novo governo da Grécia.

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