segunda-feira, 16 de março de 2015

Pepe Escobar: Irã e EUA entrecruzam-se no “Siriaque”

11/3/2015, [*] Pepe EscobarRussia Today–RT
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

SIRIAQUE
Na 4ª-feira (11/3/2015), na Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA, aconteceu debate carregado de suspense. Imaginem o Secretário de Estado, John Kerry, o novo supremo do Pentágono, Ashton Carter, e o Comandante do Estado-Maior dos EUA general Martin Dempsey, todos reunidos na mesma sala, para depor.

O cerne do assunto: um Castelo de Cartas [orig. House of Cards], desculpe, o Congresso dos EUA, ruminando o que há de real por trás da proposta do governo Obama de usar “força militar” na Síria, ou impor uma zona aérea de exclusão para proteger os “rebeldes” sírios.

Obama na verdade tem um “enviado especial da presidência” para a Coalizão (orwelliana) Global Contra o ISIL; é o general aposentado da Marinha, John Allen.

Allen jura que os EUA “protegerão” os “rebeldes” sírios treinados e armados por Washington; e é a favor de uma zona aérea de exclusão sobre o norte da Síria.

O enviado só faz papagaiar “A Voz do Dono”, cujo governo autodefinido como “Não façam merda coisa estúpida” está certo de que conseguirá aprovação para o projeto de lei que autoriza a usar força militar na Síria atualmente no Castelo de Cartas [orig. House of Cards], desculpe, no Congresso dos EUA.

Uma zona aérea de exclusão é precisamente o que o Sultão de Constantinopla, digo, o Presidente, Tayyip Erdogan, da Turquia, advoga desde sempre. O plano máster do “sultão” Erdogan é solidificar uma base para a oposição síria (armada) lutar contra não só o ISIS/ISIL/Daesh, mas também todas as Forças Armadas Sírias comandadas pelo presidente Bashar al-Assad.

O Ministro do Exterior da Turquia, Ahmet Davutoğlu já esteve na mídia, repetindo que os “rebeldes” sírios devem fazer exatamente isso. Mas... Ancara, temos um problema!

O Pentágono agora anda repetindo, via o porta-voz, Sub-Almirante John Kirby, que “o componente sírio dessa campanha é componente anti-Estado-Islâmico. O foco é esse, não o regime Assad. Nada mudou (...) na política de que não haverá solução militar dos EUA contra Assad”.

Assim sendo, há uma charada de desinformação, ou é Erdogan que vive numa Terra da Fantasia. De fato, pode bem ser mais um caso de “policial bonzinho” e “policial mauzão”.

E ainda no setor do policial mauzão, nada supera os “nossos félasdaputa” das monarquias do Golfo Pérsico.

Agentes da inteligência do Qatar já se reuniram com ninguém menos que o líder da frente al-Nusra na Síria, Abu Mohamad al-Golani, com aquela proverbial oferta que ele não pode recusar: você desiste do link direto com a al-Qaeda, e nós fazemos chover sobre você um tsunami de dinheiro.

Terroristas do ISIS/ISIL/Daesh na Síria
Não importa que a Frente al-Nusra seja considerada organização terrorista “do–mal”, pelo Departamento de Estado dos EUA. O Qatar, afinal, nunca afastou o pé de sua obsessão com “Assad tem de sair”, diferente do governo Obama. Assim sendo, o fim justifica os meios.

Enquanto isso, o “Império do Caos” mantém viva a manchete ambivalente de uma Coalizão Global que estaria em luta contra o ISIS/ISIL/Daesh – com a agenda de debilitar Assad, agora adiada.

Na Síria, conselheiros militares iranianos estão em coordenação com o Exército Árabe Sírio e experientes combatentes do Hezbollah e milicianos xiitas do Iraque.

Dado que não há mais qualquer “oposição síria moderada” – a última que restava já se bandeou para o lado do falso Califato – a agenda nada oculta do Império do Caos sob a autorização para “uso de força militar” será manter um punhado de “rebeldes” selecionados e armados pela CIA, só para manter a pressão sobre Damasco. Mas agora já é bem óbvio que não é algum “Império do Caos”, mas a aliança do Exército Árabe Sírio, combatentes do Hezbollah e milícias xiitas supervisionadas pelo Irã, que derrotarão o falso Califato.

Aquele “rock star” iraniano

Algo bem semelhante está acontecendo no teatro iraquiano. O Ministro de Defesa do Iraque, Khaled al-Obeidi, jura que Bagdá está bastante “confortável” com a ajuda que está obtendo de Teerã para realmente combater em campo contra ISIS/ISIL/Daesh.

E isso nos leva ao verdadeiro coração do assunto – o complexo balé que Washington e Teerã dançam no “Siriaque”. O poder que está realmente encurralando e submetendo o falso Califato em campo no Iraque não é a “hiperpotência”, mas o Irã – que está oferecendo apoio tático, estratégico e aéreo a Bagdá.

Uma vez que o exército iraquiano treinado pelos EUA está reduzido à mais total confusão, quem está encarregado dos combates mais pesados são as milícias. Há pelo menos 100 mil combatentes de milícias iraquianas totalmente mobilizados por poderosos clérigos xiitas para fazer uma contra–jihad, contra o falso Califato que rotula os xiitas de apóstatas cujo único destino justo seriam os sete palmos de chão.

General Qasem Soleimani
O comandante dessa contra-jihad é ninguém menos que aquele verdadeiro “rock star” no Irã, general Qasem Soleimani, Comandante da Força Quds de elite. Soleimani está em todos os canais de TV e rádios e jornais, tanto no Irã como no Iraque. Sua mais recente aparição foi em Samarra, ativamente encorajando os milicianos e os soldados iraquianos a combater contra os bandidos do Califa Ibrahim.

Por trás de Soleimani, veem-se dois personagens essenciais – Hadi al Ameri e Abu Mahdi Mohandes.

Ameri é ex-Ministro dos Transportes do governo do ex-Primeiro-Ministro, Nouri al-Maliki; agora, está no comando da principal milícia de iraquianos, a Brigada Badr.

Mohandes, ex-membro exilado da oposição a Saddam, é também ex-membro do Parlamento. Agora é uma espécie de mão direita de Soleimani – responsável também por supervisionar a volta dos sunitas a cidades já arrancadas da mãos do ISIL/ISIS/Daesh.

Esses são os comandantes e as forças que estão bem próximos de tomar Tikrit, o ex-privilegiado ninho do clã de Saddam Hussein, a menos de 200 km no norte de Bagdá. Tão logo Tikrit seja tomada, o caminho é curto até Mosul, população de 1,5 milhão, e que já deverá estar liberada no final da primavera.

O principal resumo da história: o “Império do Caos” está fazendo rigorosamente NADA para arrancar do Iraque o ISIS/ISIL/Daesh – além de o general Martin Dempsey pedir que o governo de Bagdá “reconcilie-se” com os sunitas e “explique” suas relações a Teerã.

Que tal explicar que eles é quem realmente estão nos ajudando a nos livrar do câncer que os EUA tanto contribuíram para aumentar e aumentar, e que os EUA, nos últimos tempos, só fazem repetir sandices?

Total pandemônio de pleno espectro

O governo de Obama, autodescrito como “Não faça merda coisa estúpida”, com sua atrabiliária política exterior, está enlouquecendo totalmente os verdadeiros Masters of the Universe que controlam o verdadeiro atual sistema mundo.

Aleppo, norte da Síria quase destruída pelo ISIS/ISIL/Daesh
Não surpreende, porque ninguém aí tem sequer alguma mínima ideia do que realmente deseja alcançar no “Siriaque”.

A Corporação RAND até que tentou esclarecer alguma coisa sobre quais seriam os objetivos.

Na sequência, o Conselho de Relações Exteriores indiretamente enfiou, de vez, os pés pelas mãos. A única saída seria arregimentar uma “coorte de sábios” – Henry Kissinger, Brent Scowcroft, Zbigniew Brzezinski e James Baker – para pôr em ordem a casa imperial. Foi a “ideia” que Andrew Bacevich dinamitou totalmente. [1]

Assim sendo, o que está(ria) realmente acontecendo? Está acontecendo que a nova Nova Estratégia de Segurança Nacional [ing. National Security Strategy] do governo Obama é deliberadamente vaga. Exalta os méritos da Coalizão Global – na verdade, não passa do “Império do Caos” aliado com “nossos” félasdaputa no Golfo Persa – para, mais ou menos, dar combate, só um pouco, ao ISIL/ISIS/Daesh; não acabar com eles, assim, às veras; só incomodar perpetuamente por ali, na “região”, para que continuem perpetuamente a enfraquecer Damasco.

Outras facções em Washington porém prefeririam ver o falso Califato “contido e destruído” primeiro no Iraque e depois na Síria; esses aceitam o apoio clandestino que Washington dá ao trabalho do Irã.

O Supremo do Pentágono, Ashton Carter, pode estar desenvolvendo roteiro particular seu. Só faz falar mal dos “especialistas” da avenida Beltway e agentes no Oriente Médio como o Embaixador dos EUA na Síria e conhecido agente de “Assad tem de sair” Robert Ford, que agora trabalha para (e quem mais seria?!) o AIPAC. Importante relembrar que o AIPAC considera o Irã, a Síria de Assad e o Hezbollah piores que a peste negra, e não acha que o ISIS/ISIL/Daesh seja ameaça a Israel.

A Coalizão Global, enquanto isso, mantém viva a ficção de que está(ria) bombardeando o falso Califato para acabar com ele. Mas quem está realmente vencendo a batalha em campo no “Siriaque” são as forças coordenadas pelo Irã.

É ingenuidade imaginar que, por seguir o curso em que está hoje, o “Império do Caos” necessariamente estaria desacelerando a demonização cruzada de Síria, Irã e Rússia.

“Assad tem de sair” é slogan que nunca saiu completamente do mapa do caminho. Uma détente real com o Irã depende de se haverá ou não acordo nuclear nesse verão – e Obama só faz aumentar a pressão com novas demandas que aparecem todos os dias. A demonização da Rússia só ficará cada vez mais vociferante.

Área residencial de Aleppo bombardeada pelo ISIS/ISIL/Daesh
O que mais intriga é que até generais-estrelas do Pentágono já estão enterrando as “conclusões” nada lógicas do pensamento rumsfeldiano (“Revolution in Military Affairs”  (RMA)]), segundo os quais um Pentágono high-tech sempre derrotaria facilmente qualquer inimigo.

Só que... bem... a RMA foi completamente derrotada em campo pelos afegãos e pelos iraquianos. E nada há que ela possa fazer contra os “irregulares” do ISIL/ISIS/Daesh. Implica que adeus Dominação de Pleno Espectro, se já se sabe que o único desastre que a tal dominação conseguiu completar foi destruir a Líbia com um misto de bombas da OTAN e um bando de jihadistas dementes.

Nota dos tradutores
[1] Imperdível, também 4/3/2015, redecastorphotoTrês diabos-velhos senis & o fascismo de Vestfália, Wayne Madsen, Strategic Culture (traduzido).
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: SputinikTom Dispatch, Information Clearing HouseRed Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia TodayThe Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto
Livros:
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
− Adquira seu novo livro, Empire of Chaos, que acaba de ser publicado pela Nimble Books. 

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