Costas Lapavitsas, deputado marxista eleito na lista do SYRIZA, fala sobre as dificuldades econômicas no caminho de seu partido e dos desafios de sair da Zona do Euro
12/3/2015, Sebastian Budgen entrevista [*] Costas Lapavitsas – Revista Jacobin
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ver também: 27/2/2015, redecastorphoto em: “Grécia: Fase Um”, revista Jacobin, traduzido.
Costas Lapavitsas é, em muitos sentidos, o anti-Varoufakis, não só no estilo e trajetória pessoal, mas, mais importante, em termos de linha política.
Lapavitsas tornou-se a figura mais identificada com uma clara, declarada dissidência, contra a linha de política do “bom euro”, da liderança do SYRIZA.
Antes integrado à SOAS (School of Oriental and African Studies) em Londres, Lapavitsas não é membro do SYRIZA (embora tenha sido eleito na lista do partido) e é noviço na política parlamentar. Mas sempre foi ativista socialista, praticamente ao longo de toda a vida, e é conhecido pelo incisivo, desafiador trabalho teórico sobre a economia política do dinheiro, do crédito e da financeirização (trabalho que ele iniciou com Makoto Itoh, quando estudava o marxismo japonês).
Lapavitsas também trabalhou com o grupo de Pesquisa sobre Dinheiro e Finança em Londres, para produzir análises concretas sobre as origens e trajetória da crise europeia e, mais recentemente, publicou, com o economista neo-keynesiano alemão Heiner Flassbeck, uma espécie de manifesto em que propõem rompimento radical e separação do euro.
Costas Lapavitsas |
Como alguém com o seu background, como lhe pareceu a transição, agora que foi lançado numa posição de político eleito e deputado, em plena tempestade política? Parece ser forte contraste com os dias das reuniões no departamento da SOAS.
Costas Lapavitsas (CL): [risos] Não consigo imaginar mudança maior! Tenho duas coisas a dizer sobre isso. Primeiro, o período das eleições, campanha eleitoral e tal, foi processo incrível, porque realmente pela primeira vez em minha vida política tive contato com o que se pode chamar, em sentido genuíno, o povo, de uma área particular, da Grécia.
Falei com grupos grandes e pequenos em vilas, em cidades, individualmente e tal, e descobri que minhas ideias – e eu, pessoalmente – temos muito eco com essas pessoas. Foi experiência nova para mim, porque meu envolvimento em política sempre foi no campo da Esquerda, o que sempre significou influência e ação limitadas. Essa é a primeira coisa.
Depois da minha eleição, como membro do Parlamento, a experiência tem sido – como direi? – Não quero dizer “excitante”, porque não se trata realmente de excitamento em vários sentidos – nova e de dar calafrios. Porque você se descobre sentado no coração de eventos políticos e do processo político, acumulando experiência e em contato com posições estabelecidas e vendo como funciona a vida política no nível mais alto e como parte daquilo. Para homem com o meu passado político, é novo e inusual.
Para esclarecer: você foi eleito na área da Grécia da qual vem sua família?
CL: É. Fui eleito na área de Imathia na Macedônia central. É de onde vem minha família.
E isso ainda é aspecto importante na política grega?
CL: Sem dúvida alguma. O fato de que meu nome é reconhecido localmente teve influência importante em minha eleição nessa prefeitura.
Comecemos com os eventos desde a eleição. Mais especificamente do lado econômico; depois, passaremos para a política. Suponho que a primeira coisa que temos a discutir é a constituição do governo – a aliança com ANEL [Gregos Independentes, de direita] e os ministros que foram indicados, mais especificamente, de um lado, Varoufakis, o deputado Georgios Stathakis, e o deputado Panagiotis Lafazanis.
Como nós estamos um pouco distantes desse processo: como você descreve o processo de composição da aliança governamental e do governo?
CL: Bem tradicional em vários sentidos. Foi ato de equilibramento. Equilibramento em relação à sociedade em geral e também em relação à dinâmica interna do SYRIZA. Primeiro, o governo foi formado em aliança com ANEL. Diferente do que disse a imprensa-empresa internacional naquele momento, não foi aliança “vermelho & marrom” [tradicionalmente, comunistas & fascistas (NTs)]. Essa é leitura completamente errada da situação.
O partido ANEL não é versão soft da Aurora Dourada [orig. Golden Dawn]. Não são “fascistas soft”. Isso é absoluto nonsense. ANEL é basicamente o que se conhece na Grécia como a direita popular, tradicionalmente pró-Estado em nosso país, profundamente desconfiada e descrente do “empresariado”, nacionalista e conservadora com iniciais minúsculas.
Obviamente não são parceiros naturais de um governo de esquerda radical. Mas, nas circunstâncias, a escolha foi clara. Ou não se forma governo algum – e haveria novas eleições e caos e tal e tal – ou forma-se um governo com eles que, pelos menos, sempre foram consistentemente contra o acordo de “resgate” e a favor dos trabalhadores e das pequenas e médias empresas etc..
Você assim descarta o argumento que dizia que seria possível um governo de minoria?
CL: Mais nonsense. Nas circunstâncias, nada era possível, senão o que foi feito. A culpa principal recai sobre o Partido Comunista [orig. Communist Party (KKE)], é claro. Mais uma vez o KKE não se mostrou à altura das demandas da história e escolheu uma via de completa oposição e total hostilidade contra o SYRIZA na qual permanece até hoje; assim eles forçaram o SYRIZA a constituir seu governo com o ANEL.
Como adiante se constatou, nem foi assim tão ruim, porque assim se solidificou o apoio ao SYRIZA entre os setores mais pobres da sociedade, que tradicionalmente acompanham a direita conservadora; de repente, lá estavam, apoiando o governo que tinha programa de esquerda radical.
Mas na composição do governo, foi um ato de equilibramento. O mais importante – o que isso realmente assinala – é que o SYRIZA escolheu lidar com as negociações das últimas semanas e confrontar o próximo período, numa linha política que é a mesma que segue há anos e anos e com a qual venceu a eleição.
Em outras palavras, o SYRIZA tentará pôr fim à ‘austeridade’, reduzir a dívida – reestruturar ou cancelar a dívida – e mudar o equilíbrio das forças sociais, econômicas e políticas na Grécia e Europa em termos mais gerais, sem romper a união monetária (Eurozona) e sem entrar em conflito, em nenhum sentido, com a União Europeia. É isso, claramente, que esse governo sinaliza.
E é ato de equilibramento no sentido em que há representantes da direita do SYRIZA — Stathakis, por exemplo – e da esquerda – Lafazanis – e algumas figuras, como Varoufakis, que não têm qualquer relação orgânica com o partido?
CL: É ato de equilibramento exatamente no sentido de que todas as alas do partido estão representadas nesse sentido que você disse. E Varoufakis, na medida em que não expressa nenhuma linha em especial, faz a síntese a que me referi. Estou falando da posição segundo a qual é possível alcançar os objetivos do partido, permanecendo nos confins do euro. Essa é a posição pública de Varoufakis, e o que ele personifica e o que defende atualmente.
Falemos um pouco sobre Varoufakis, na medida do que você possa. Claro que há muito alarido “midiático” em torno de Varoufakis, a personalidade dele, o estilo e tal. E houve também algumas críticas sérias, como a de Michael Roberts, “More Erratic than Marxist” [Mais errante que marxista] [1]. Para começar: que tipo de papel tinha Varoufakis na esquerda grega antes da eleição do SYRIZA?
CL: Sei que há muita coisa sobre Varoufakis e seu estilo de vida e o que ele prega, e realmente não quero comentar esse tipo de coisa. Não, com certeza, agora. Talvez adiante (o impacto que tenha tido na política etc.).
Quanto a ele ser marxista ou radical ou o que for, recomendo mais discernimento no emprego do termo “marxista”, sobretudo no caso de pessoas que construíram a própria reputação como marxistas porque usam certos termos e falam muito sobre o marxismo, ao mesmo tempo em que suas análises vêm cheias da economia e da política mais pedestres que se possa imaginar. Assim sendo, muito mais atenção quando se usar o adjetivo “marxista”, por favor. Agora, já não estamos nos salões acadêmicos e universitários. Aqui é vida real, OK?
Sobre, então, Varoufakis: conheço Varoufakis como economista há muito tempo, é claro. Não acho que se possa dizer que é homem da Esquerda, no sentido radical, nem tampouco da esquerda revolucionária, não no sentido que essas expressões têm na Grécia. Mas com certeza é homem da esquerda do centro.
E sempre foi precisamente assim. Sempre foi heterodoxo e crítico na economia que faz. Em seu trabalho, ele sempre rejeitou a economia neoclássica e a teoria neoclássica. Sempre esteve pronto a oferecer aconselhamento político “fora da caixa”; sempre se mostrou pronto a pensar sobre vias alternativas. Tudo isso, para mim, fala a favor de Varoufakis.
Mas se se examina a trajetória dele, não é possível esquecer que foi conselheiro do governo de George Papandreou, o primeiro governo a introduzir as políticas de “resgate” na Grécia, e permaneceu associado por tempo considerável àquele governo. Não me parece que, com tantas idas e vindas, se possa dizer que seja um homem da Esquerda em qualquer sentido sistemático.
E Varoufakis, além disso, se localiza explicitamente num tipo de quadro keynesiano, e trabalha com James Galbraith e outros, todos keynesianos declarados.
CL: Aí está algo que é bom esclarecer desde já. Keynes e o keynesianismo ainda são, lamentavelmente, as ferramentas mais poderosas com que contamos, também os marxistas, para lidar com questões políticas no aqui e agora. A tradição marxista é muito potente para enfrentar questões de médio prazo e de longo prazo e para compreender as dimensões de classe e sociais da economia e da sociedade em geral, é claro. Não há comparação nesses contextos.
Mas para lidar com a política do aqui e agora, lamentavelmente, Keynes e o keynesianismo ainda são o mais importante corpo de ideias, conceitos e ferramentas também para os marxistas. A realidade é essa. Que muitos gostem de usar ideias e não admitir que sejam keynesianas é questão que não quero comentar, mas também acontece.
Portanto, de modo algum eu culparia Varoufakis por essa associação com keynesianos, porque eu também me associei a keynesianos, assumida e abertamente. Se alguém me mostrar outro modo para fazer as coisas, vou gostar muito. Mas posso garantir, depois de décadas de trabalhar com a teoria econômica marxista, que no momento não há. Então, sim, Varoufakis trabalhou com keysenianos, mas isso, por si só, não é ruim.
Você, claro, está demarcando uma distinção entre o marxismo como ferramenta analítica, e o Keynesianismo como ferramenta política, mas eles também têm objetivos diferentes. E Varoufakis disse explicitamente que seu objetivo é salvar o capitalismo dele próprio. Você não acha que aí há uma distinta linha de clivagem?
CL: Ah, sim, claro que há! Keynes não é Marx, e o keynesianismo não é marxismo. Há sem dúvida um golfo entre eles, bem como você disse. O marxismo tem a ver com derrubar o capitalismo e marchar para o socialismo. Sempre teve a ver com isso e sempre terá. O keynesianismo nada tem a ver com isso. Só tem a ver com melhorar o capitalismo e até salvá-lo dele mesmo. Está corretíssimo.
Mas, quando se trata de questões de política como política fiscal, política de câmbio, política de banking etc. – questões sobre as quais a esquerda marxista tem necessariamente de se posicionar se quer mesmo fazer política séria, em vez de não fazer outra coisa que denunciar o mundo, do conforto de seus gabinetes.
Nesse caso você descobre bem rapidamente que, goste ou não goste, os conceitos que Keynes usou, os conceitos que o keynesianismo desenvolveu, têm papel indispensável na construção da estratégia, que continua a ser marxista. É isso que estou querendo dizer. Lamentavelmente não há outra via. E quanto mais cedo os marxistas perceberem isso, mais realistas e mais relevantes passarão a ser suas posições.
Falemos sobre as negociações, então, que obviamente aconteceram em várias fases. Acho que é justo dizer – mas não sei se você concorda – que há agora duas “versões” do que aconteceu no front das negociações.
Uma dessas “versões”, (A) dominante entre a crícita marxista de esquerda e a imprensa comercial (exceto figuras como Paul Krugman e Galbraith), é a de que os gregos –Varoufakis inclusive – tentaram jogar pôquer, mas sem ter as cartas certas, sem nada pronto para dar apoio à estratégia deles; e foram batidos basicamente pela UE e particularmente pelos alemães.
A outra “versão” (B), que vem da imprensa favorável a Varoufakis e à liderança do SYRIZA, é a de que eles realmente jogaram o jogo da negociação com muita inteligência e conseguiram virar a mesa pelo menos parcialmente, pondo os alemães na defensiva e ganhando algum espaço para respirar que, antes, não tinham; e conseguiram legitimar um discurso sobre a impagabilidade da dívida e a ineficácia das medidas de “austeridade”, etc..
Não sei se você concorda com essa caracterização das duas interpretações dominantes. Como você posiciona sua interpretação sobre o que aconteceu, em relação a esses dois ‘referenciais’?
CL: Concordo com muito do que você diz. Não quero me posicionar em relação a essas duas “abordagens”, mas não significa que eu discorde de você. Vou-lhe dizer o que penso e os leitores concluam, por sua conta, com qual interpretação “simpatizo” mais.
Meu ponto principal, e posso começar por aí, é que o governo foi para as negociações com a ideia de que, como eu já disse, o governo não era crítico em relação à composição das negociações, à criação daquelas negociações. Como eu já disse, essa posição do governo sempre foi a de que nós podemos ir para a sala de negociações e exigir e lutar por mudanças significativas, inclusive o fim da “austeridade” e o cancelamento da dívida, ao mesmo tempo em que permaneceremos ligados à união monetária europeia.
Esse é o ponto chave. É o que tenho chamado, no meu próprio trabalho, de abordagem do “bom euro”. Os que trabalham sob o princípio do “bom euro” entendem que mudando a política, vencendo eleições, alterando o equilíbrio das forças políticas na Grécia e na Europa, nos negociaremos e transformaremos a união monetária europeia e a Europa toda ela, por causa das cartas políticas que traremos para a mesa. Foi assim que eles chegaram às negociações. E a estratégia de negociação deles foi determinada por isso.
Ora, houve fatores de inexperiência, que são inevitáveis; elemento de personalidade, que são inevitáveis e dos quais já se falou antes, ao falar de Varoufakis etc.. São elementos importantes. Mas não foi a coisa chave. A coisa chave foi a estratégia, que tem de ser muito bem compreendida, porque você se afasta facilmente do que interessa, se entra nessas conversas de pôquer, blefes e tal e tal.
Esse governo tinha uma estratégia, e já falei dela. Na sequência, descobriram a realidade. E entendo que, diante da realidade, aquela estratégia acabou. Não funcionava. É verdade que o equilíbrio das forças políticas mudou na Grécia, e mudou dramaticamente. Porque não se trata apenas de esse governo ter recebido 40% dos votos; ele tinha 80% de apoio popular, como as pesquisas mostravam. E nada disso fez qualquer diferença, ou fez muito pouca diferença, nas negociações.
Por quê? Porque os limites da união monetária são o que são. Não são suscetíveis a esse tipo de argumento. É um conjunto muito rígico de instituições, com sua ideologia incorporada, sua abordagem das coisas. O outro lado nunca mudaria de posição apenas por ter aparecido um novo governo de esquerda num pequeno país.
E lá se foram os gregos, com altas esperanças, e caíram na armadilha que aquelas instituições prepararam para eles. Essa armadilha consistia, basicamente, de (a) falta de liquidez; e (b)falta de quem financiasse o governo. As instituições traduziram desse modo a vantagem estrutural que têm em relação aos gregos.
Os gregos ficaram sem opções. Não tinham meios para lidar com isso. O SYRIZA não tinha como enfrentar esse impasse, porque aceitara permanecer nos limites do euro. Desde que você acieta os limites do euro, você fica sem resposta efetiva. Essa é a causa pela qual as coisas tomaram, no final, o formato que tomaram.
Eles tentaram, lutaram por alguma coisa diferente. O outro lado, especialmente os alemães, fincaram os calcanhares no chão e não se moveram. E perto do final das negociações, era questão de dias antes de que os bancos começassem a ter de fechar. Naquela situação, os gregos aceitaram um mau acordo.
Pelo que sei, creio que há duas leituras críticas dentro do SYRIZA, sobre a estratégia da linha do governo. Uma é que o euro é tomado simplesmente como artigo de fé, um princípio do qual ninguém pode desviar-se, seja porque é bom em si e para si, uma “coisa boa”, seja porque é considerado legítimo dentro da sociedade grega, e ninguém pode ir contra a opinião dominante. A outra posição prega que seria possível demarcar divisões entre as potências europeias; que é possível separar Mario Draghi de Wolfgang Schaüble; que é possível atrair Matteo Renzi e François Hollande para a posição dos gregos; que é possível confiar que Obama pressinará Merkel, etc. e tal.
O que, me parece, é difícil de entender para muitos dos que vivem longe da Grécia é que os gregos se mantenham ligados ao euro por uma questão de princípio, de fé; ou a ideia, que parece muito ingênua, de aqueles governos liberais – ou neoliberal, no caso de Obama – de repente tornar-se-iam aliados ‘reais’ dos gregos contra os alemães e os linha-dura dentro da União Europeia. O que você pensa disso? Há leitura mais caridosa do quadro analítico em que os gregos meteram-se, para traçar tal estratégia?
CL: Minha leitura, a leitura que faço do quadro analítico, quando penso como economista político, nada tem de generosa, é terrível. E já disse isso abertamente. Na verdade, já disse isso há muitos anos, e acho que os eventos das semanas recentes confirmaram minha posição inicial. Como marxista, entendo que temos de começar pela economia política da situação, não por algum equilíbrio de forças políticas. Infelizmente, a esquerda grega e grande parte da esquerda europeia faz o contrário.
Começa pela geopolítica, em vez de começar pela economia política?
CL: Pela geopolítica e pela política doméstica. O equilibramento das forças políticas – porque é a isso que o marxismo acabou reduzido, infelizmente. E quando se faz isso, quando se começa com a política — tentar equilibrar forças domesticamente ou internacionalmente – o risco de deixar voar a fantasia é altíssimo. É muito fácil começar a pensar que, no final, tudo é política e, se você muda o equilíbrio das forças políticas, tudo mais é alcançável.
Ora... Lamento, mas não é assim. E isso não é marxismo. Como marxistas, acreditamos que a política, no final, é derivada da realidade material das relações econômicas e de classe. Esse é ponto muito profundo do que Karl Marx diz – se for entendido adequadamente, se não for aplicado mecanicamente. O que esse pensamento de Marx realmente diz é que nem tudo pode ser mudado só pela política.
E o que vimos foi precisamente a comprovação disso. Por quê? Porque a economia política da união monetária europeia agora é o que determina tudo: gostemos ou não, a Europa e a Grécia existem hoje dentro dos limites de uma união monetária.
Muito lamentavelmente, parte considerável da esquerda marxista raciocina como se essa realidade não fosse a realidade, ou subestimou aqui a importância do dinheiro. Nem é surpresa, porque a esquerda europeia simplesmente não compreende o dinheiro e as finanças. Finge que compreende, mas não compreende.
Repito, para que fique bem claro: o que se pode e o que não se pode fazer, no sentido de o que é factível e o que não é, é determinado pela economia política da união monetária. É determinado dentro dos limites definidos pelo capitalismo europeu. Claro – o capitalismo é que define sempre tudo. SYRIZA acaba de descobrir que é assim. E é mais que tempo de o partido reconsiderar várias coisas e começar a ver como modelar sua política e como modelar as suas abordagens políticas dentro desses limites.
Se o partido quer alcançar outras coisas, politicamente, é preciso mudar o quadro institucional. Não há outra via. Para mudar esse quadro, é preciso considerar a ruptura. Temos de romper, sair do sistema-euro. Ninguém pode reformar o sistema euro. É impossível reformar a união monetária europeia. Isso é que, afinal, ficou absolutamente claro.
Porém atenção: essa posição não implica dizer que nada se pode fazer a menos que se consiga derrubar o capitalismo, como dizem alguns grupos de ultraesquerda? Esse ultraesquerdismo é absurdo. Ninguém precisaria construir uma revolução socialista nem é preciso derrubar o socialismo para fazer as pequenas coisas do dia a dia. Claro que visamos ao fim do capitalismo, claro que queremos ver a revolução socialista. Mas nada disso aparece nas cartas nesse momento.
Não precisamos da revolução socialista na Grécia, nem precisamos derrubar o capitalismo, para nos livrar da ‘austeridade’ na Grécia. Claro que não. Mas para isso, com certeza, é preciso sair do quadro institucional do euro. Essa posição simples, não é compreendida – nem muito benquista – dentro do SYRIZA ou dentro da esquerda europeia; essa é uma tragédia que se arrasta há anos.
A razão seria que essa posição é mais ou menos a posição de Antarsya, do KKE, e, por causa do equilíbrio das forças políticas domésticas, não se pode aceitar essas ideias desses críticos dentro da esquerda, nem no plano analítico?
CL: Essa é parte da explicação. Em outras palavras, temos uma longa patologia na esquerda grega – e, apresso-me a esclarecer, também na esquerda britânica, no que resta dela – que, nesse nível, envenena tudo.
Mas aqui há uma coisa mais profunda: não é só o grupelhismo patológico. O que está em jogo e o que está em questão na esquerda não SYRIZA é um medo do poder. Ela se mascara e se esconde por trás desse palavreado grandiloquente. No caso do Partido Comunista, tudo é o poder dos trabalhadores. Para Antarsya, a questão é todos os dias derrubar o capitalismo e “fundar” o comunismo. O que se esconde aí é medo do poder. Um profundo medo do poder!
E eles pensam que as pessoas não compreendem isso, mas é perfeitamente óbvio que essas pessoas, essas organizações estão com medo até a medula dos ossos, ante a responsabilidade e o poder. Por isso é que tomam essas posições de ultra esquerda.
Há um ditado grego que ensina que homem que não quer casar vive ficando noivo. Isso, infelizmente, é o que os comunistas têm feito. Porque não querem encarar a questão do aqui e agora; então, só falam de revolução.
Fazendo isso, todos conseguem escapar da questão do euro. Você finge que a questão do euro seria coisa de menor importância, uma questão lateral. Ou você eleva o obstáculo: só se sair da União Europeia, só se sair da OTAN, só se sair daqui ou dali e de acolá. Em outras palavras, ninguém apresenta respostas específicas, porque qualquer resposta seria resposta para todas as perguntas.
Leitura mais generosa seria que estão preocupados com os efeitos do poder sobre governos de esquerda, baseados na experiência histórica. Teriam menos medo do poder como tal, que do efeito do poder, que pode destruir a autonomia dos movimentos sociais.
CL: Aí se aplica um ditado inglês: quem tem medo do fogo, que fique longe da cozinha. Política é questão de poder. Trata disso. Política não é questão teórica, de teorizações, de dar aulas e “palestras” em salas pequenas. Política é questão de sociedade, como ela é. E a sociedade grega quer respostas reais aqui e agora. Infelizmente, só o SYRIZA começou a oferecer respostas, e do jeito deles; e é por isso que está onde está e outros partidos estão onde estão.
[Continua]
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Nota dos tradutores
[1] Ver também VAROUFAKIS, Yanis, redecastorphoto em: “Confissões de um marxista errante”(2013), traduzido.
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[*] Costas Lapavitsas (em grego: Kώστας Λαπαβίτσας) é professor de Economia na School of Oriental and African Studies, University of London, e foi eleito como membro do Parlamento grego pelo partido Syriza na eleição geral da Grécia em janeiro de 2015.
Em 1982, obteve mestrado na London School of Economics; em 1986 conseguiu seu PhD no Birkbeck College, University of London. Desde 1999 leciona Economia na School of Oriental and African Studies,University of London, primeiro como assistente, e desde 2008 como professor efetivo.
Costas Lapavitsas é conhecido por sua crítica ao sistema financeiro ocidental moderno, em particular ao tratamento dado à crise de governo-dívida grega, a crise da dívida europeia e da União Europeia. Também é colunista do jornal britânico The Guardian. Em 2007 fundou a Research on Money and Finance (RMF) uma rede internacional de economistas políticos com foco em dinheiro, finanças e evolução do capitalismo contemporâneo. Em 2011, Lapavitsas, bem como alguns outros economistas gregos, recomendaram que a Grécia abandonasse o Euro e regressasse à sua antiga moeda nacional, o dracma, como resposta à crise de governo-dívida grega. Em 02 de março de 2015 Lapavitsas escreveu no The Guardian que liberar o povo grego da “austeridade” e evitar, simultaneamente, um grande desentendimento com a Zona do Euro é tarefa impossível para o novo governo da Grécia.
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