terça-feira, 10 de março de 2015

Mohammad Javad Zarif, Ministro de Relações Exteriores do Irã entrevistado pela NBC News em 4/3/2015 – Parte 2

4/3/2015, Ann Curry  da NBC entrevista Mohammad Javad Zarif – Parte 2
Traduzida da transcrição pelo pessoal da Vila Vudu


Leia antes a Parte 1

O problema é que para Netanyahu a grande ameaça existencial é a paz. Esse é problema dele. Não é problema do Irã.
O problema é que é impossível acordar alguém que finge que está dormindo. As pessoas passaram décadas e décadas fingindo que não sabiam que alguns países, sim, estavam construindo e construíram bombas atômicas. Alguns até receberam ajuda para construir suas bombas. Agora, esses mesmos veem bombas atômicas em cada esquina...
Javad Zarif


NBC News: Espionagem?

JAVAD ZARIF: Sim. Tentaram até espionagem. Israel tentou assassinar cientistas nucleares iranianos. Cinco cientistas nucelares iranianos foram assassinados em ataques terroristas no Irã, nos últimos vários anos. Os EUA tentaram sanções. Provavelmente, as sanções mais destrutivas, como eles dizem, “incapacitantes”, que os EUA jamais usaram contra outros povos, que privaram os iranianos até de comprar matéria-prima para medicamentos, ou de mandar fazer exames de sangue no exterior. São sanções desse tipo que os EUA aplicaram contra o Irã. Mas... e para quê? Que resultado obtiveram de tudo isso? Acho que o presidente Obama acertou quando disse que as sanções levaram o Irã a, partindo de menos de 200, termos hoje mais de 20 mil centrífugas.

Acho que o fato de os EUA terem reconhecido a futilidade da pressão contra o Irã, a futilidade das sanções contra o Irã, o fato de que reconheceram que sanções não funcionam, que essas pressões não funcionam que ameaças não funcionam, já mostraram ao mundo que o único modo de negociar com o Irã é mediante negociações respeitosas. E já andamos muito.

O Primeiro-Ministro Netanyahu, por exemplo, acreditava que não cumpriríamos os termos do plano de ação conjunta que adotamos em Genebra. A senhora lembra o estardalhaço que foi feito sobre isso, há cerca de dois anos, quando adotamos o plano, em novembro de 2013. Mas, relatório após relatoria, a AIEA só fez comprovar que o Irã cumprira o que fora acertado, cada um dos compromissos que assumimos naquele acordo. Todos sabem que o Irã cumpre o que assina. Sempre mantivemos nossa palavra. E fomos ludibriados. O povo iraniano foi ludibriado.

Mas somos gente que perdoa. Voltamos à mesa de negociações para mostrar ao mundo que nada temos a esconder, que queremos viver em paz, que queremos exercitar nosso direito à tecnologia nuclear para objetivos pacíficos. Estamos dispostos a aceitar restrições, e é claro que respeitaremos todos os padrões internacionais. Esse processo levará o Irã a aceitar o processo mais pervasivo, o processo mais rigoroso de inspeção internacional que existe. É o que se chama “protocolo adicional”. Ainda é preciso que o Parlamento iraniano aprove. Já aceitamos até essa história da... da... “cláusula de prazo” [orig. sunset clause [NTs]), aliás, não passa de mais uma tática para meter medo. O Irã aceita, já aceitou, de fato, pois somos membros do Tratado de Não Proliferação. Temos obrigação de não desenvolver armas nucleares. Estaremos para sempre sob inspeção, como qualquer outro país. As negociações não existem para garantir passe livre ao Irã. E nem precisamos de nada disso, porque o Irã não tem interesse em construir nenhuma bomba atômica, nem está planejando fazê-lo.

Alguns, porque têm, eles sim, programa nuclear clandestino, várias centenas de ogivas nucleares, pensam que todos acreditam, como eles, que seja possível construir segurança sobre um arsenal de bombas atômicas. Não pensamos assim. Para nós, nossa segurança nunca seria aumentada com um armazém cheio de bombas atômicas. De fato, o Irã sabe que quanto mais bombas atômicas tenhamos em casa, menor a segurança. Acreditamos que armas nucleares reduzem a segurança, não aumentam segurança de ninguém.

NBC News: O presidente Obama, na 2ª-feira (2/3/2015), disse que o Irã deve informar toda atividade nuclear sensível durante dez anos, se quiser algum acordo. O senhor está reclamando contra isso?

JAVAD ZARIF: Não, não estou negociando em público. Estamos discutindo várias medidas, medidas de transparência e medidas de limitações voluntárias em nosso programa nuclear – com o programa Uni, digo Cinco mais Um, mas, basicamente, primariamente, com os EUA, e outros membros do Cinco mais Um. Acreditamos que não são necessárias. Mas estamos preparados para andar ainda mais, sendo necessário, para convencer a comunidade internacional de que nosso programa nuclear é exclusivamente pacífico. Estamos engajados em discussões muito sérias, altamente técnicas, discussões nas quais estão envolvidos muitos físicos nucleares, incluindo os chefes de nossa organização de energia atômica e o secretário de Energia dos EUA, os quais, ambos, são físicos nucleares, e trabalham para confirmar que o programa nuclear do Irã sempre será pacífico.

Não temos qualquer problema com isso, porque o Irã deseja que seu programa nuclear que é pacífico continue pacífico. Queremos que nosso programa nuclear seja visto como pacífico. Porque é o que desejamos e é o que nos interessa. Não nos estamos engajando em qualquer modalidade de contenção nuclear. Entendemos que a ‘lógica’ da contenção nuclear é literalmente MAD [ing. “louca”], como no conceito de Mutually Assured Destruction [Destruição Mútua Garantida], MAD [louca]. Absolutamente não nos interessa.

Ao Irã, o que nos interessa é desenvolver nosso potencial científico. Temos sido impedidos, nos negam acesso à tecnologia. E por isso os nossos cientistas tiveram de desenvolver soluções nossas. Hoje temos ciência iraniana, produzida no Irã. Um pouco copiamos de fora. Mas agora já produzimos nossa própria ciência. Nossos cientistas desenvolveram nossa ciência apesar de todas as dificuldades que nos impuseram de fora.

Por isso a ciência iraniana é motivo de orgulho, é uma fonte legítima da dignidade nacional. Absolutamente não se trata de armas. Trata-se de ciência, de tecnologia nossa, de respeito e de dignidade. Trata-se de haver quem se interesse por impedir que o povo iraniano se beneficie dos frutos de nossa ciência e de nosso trabalho – ciência e trabalho que tiveram alto preço, para nós, em sangue.

Como já disse, muitos de nossos cientistas nucleares foram assassinados por agentes israelenses, infelizmente. E ninguém condenou esses crimes. Esses são fatos comprovados várias, várias vezes. Nada disso funcionará. É preciso ter um acordo negociado no qual se registrem todas as garantias que a comunidade internacional merece – e quando digo “comunidade internacional” falo da comunidade internacional capaz de reconhecer o direito que o Irã temos à nossa tecnologia nuclear iraniana para fins pacíficos. Porque outros países têm programa similar ao nosso, e se trata de tecnologia de ponta.

A energia nuclear é produto de tecnologia avançada, que será o futuro de outras gerações, produzindo energia limpa, energia que não destrói o meio ambiente nem produz gases de efeito estufa. Há aí áreas importantes de desenvolvimento. E nosso país quer beneficiar-se desse desenvolvimento; e temos base científica para tanto.

Por tudo isso – se alguém estiver realmente preocupado com proliferação de armas nucleares –, o melhor modo é assegurar que as coisas no Irã continuem como até agora, porque essa ciência, que é nossa, não é importada e ninguém poderá tirar de nós, nunca causará dano a ninguém. O melhor meio para garantir que essa energia continue absolutamente pacífica é permitir que seja produzida e usada de modo transparente. Ora! O Irã aceita muita coisa. Mas não pode aceitar coisa alguma até que tenhamos um acordo.

Não entendo por que há quem não admite que haja acordo. Porque, se não tivermos um acordo, não concordaremos, não aceitaremos coisa alguma. Assim, sem acordo, é como sempre se volta à situação de quanto mais pressão contra o Irã, mais centrífugas!

Não vamos desenvolver armas nucleares. Mas se nunca param de nos pressionar, nunca obterão mais transparência. A única coisa que obterão é mais centrífugas.

Mas, se querem mais transparência, se querem menos centrífugas, se querem um programa de fases exclusivamente para conter, para limitar a capacidade científica que temos hoje, nesse caso produziremos dezenas de milhares de centrífugas.

Estamos dispostos a aceitar limitações, exclusivamente para chegarmos a um acordo internacional. Estamos dispostos a aceitar até medidas extras de transparência para reduzir preocupações que, no nosso modo de ver, são deslocadas, não fazem sentido algum.

Entendemos que essas preocupações foram infladas pelo clima reinante de histeria que gente como Netanyahu & companhia têm interesse em inflar sempre e cada vez mais. Mas mesmo assim estamos preparados para agir, para implantar medidas, para aliviar aquelas preocupações e aliviar tantos medos. Porque entendemos que essa nossa atitude é do nosso interesse e do interesse de todos. Mas...

O primeiro-ministro Netanyahu sabe que, se as coisas forem feitas como o Irã propõe, todas as mentiras dele serão expostas ante toda a comunidade internacional, como já foram expostas incontáveis vezes. (...) Agora, com um acordo, tudo isso terá, afinal, fim. O problema é que para Netanyahu a paz é ameaça existencial. Esse é problema dele. Não é problema do Irã.

NBC News: Bem... Uma das questões levantadas é que, se se marca um prazo, digamos, dez anos... A questão então se converte em “E depois? O que acontecerá depois?” Por que não fazer durar para sempre qualquer acordo que, essencialmente, congelará a atividade iraniana sensível? (...)

JAVAD ZARIF: Difícil entender por que teríamos de assinar acordos eternos sobre uma bomba atômica que não existe, na qual não estamos trabalhando e que não nos interessa. Mas, sim, podemos até congelar para sempre qualquer coisa que tenha a ver com qualquer bomba atômica. A questão é que o Irã nunca fala de bomba atômica: o Irã sempre fala de tecnologia de enriquecimento para produzir combustível para nossos próprios reatores. Absolutamente não se trata de bomba alguma.

Estamos dispostos a aceitar limites por algum tempo. Depois, estaríamos submetidos às mesmas leis e regras que criam deveres e obrigações para o resto da comunidade internacional. Todo mundo sabe que Israel não tem de cumprir nenhuma legislação, porque Israel não assinou o Tratado de Não Proliferação. Por que não assinou? Coisa mais estranha é que quem mais fala sobre o Tratado de Não Proliferação... nunca assinou o tratado! Não é um assombro? Israel não é membro do TNP.

Mesmo assim, Netanyahu vive a dar lições de não proliferação. Justamente o mais feroz proliferador da história recente, com 200 – 200! – ogivas nucleares em seu arsenal. E fala de não proliferação.

O Irã pode, sim, aceitar alguma limitação por algum tempo, mesmo que consideremos obrigação sem sentido algum, só porque nos parece interessante como prova de boa fé, não como obrigação.

Estamos dispostos a aceitar obrigações, não obrigações que Israel jamais teve de aceitar, mas obrigações que outros países, membros do TNP, podem aceitar; as salvaguardas, o protocolo adicional, todos os demais instrumentos que proíbem o desenvolvimento de armas nucleares. Porque o Irã não tem interesse algum em desenvolver bombas atômicas.

As cláusulas que proíbem o desenvolvimento de armas atômicas não têm prazo para acabar, nada de cláusula de fechamento. O Irã jamais será ‘liberado’ da obrigação de não desenvolver bombas atômicas dentro de 20 anos, 50 anos. São obrigações vigentes para sempre que o Irã assumiu quando assinou e ratificou o Tratado de Não Proliferação.

Assim se vê que toda essa conversa sobre ‘cláusulas’ com prazo ou sem prazo não passa hoje, como nunca passou, de demagogia. Nunca, em tempo algum, acordo algum jamais disse que em tal dia, de tal ano, alguém ficará livre para começar a produzir bombas atômicas. O Irã não quer produzir bombas atômicas. E já assinamos um acordo – que sempre cumprimos – que nos proíbe e proíbe todos os países signatários, no futuro. (...)

NBC News: Por que os norte-americanos teriam de confiar no Irã?

JAVAD ZARIF: Ora... Não estamos pedindo que ninguém confie em nós. Há um sistema internacional que...

NBC News: Sim, estão. Se estão tentando conseguir um acordo.

JAVAD ZARIF: Não.

NBC News: Claro que vocês estão pedindo que confiem em vocês.

JAVAD ZARIF: Não, não, não e não. Não estamos pedindo que ninguém confie em nós. Conhecemos bem o alto nível de desconfiança mútua que há entre o Irã e os EUA. Infelizmente, também entre os EUA e vários países. Mas o povo iraniano não tem dúvida alguma, porque viram acontecer, de que os EUA não deram nenhuma atenção ao fato de que o Irã foi invadido por país vizinho; que não deram qualquer atenção ao fato de que foram usadas armas químicas contra nós, por Saddam Hussein.

Pode parecer história velha para muitos. Mas é história ainda viva na memória dos iranianos. Portanto, se não confiamos, tampouco contamos com que alguém confie em nós. Estamos negociando, sim, um passo de cada vez.

O acordo é muito viável. Será examinado e fiscalizado. Não estamos pedindo que confiem em nós. Queremos ver instalados os mecanismos de verificação e fiscalização. Já aceitamos as verificações. E entendo que qualquer pessoa, em seu perfeito juízo, deve encorajar, deve considerar bem-vindo o acordo, que terá seu próprio mecanismo de verificação e fiscalização, para comprovar, uma vez mais, que o Irã sempre cumpre seus compromissos.

NBC News: Como o senhor sabe e eu também sei, o processo de verificação não impediu algumas nações de construir a bomba atômica.

JAVAD ZARIF: Em tempos recentes, os sistemas de verificação mudaram. E, além do mais, estamos aceitando mecanismos adicionais de fiscalização e verificação. E daremos a toda a comunidade internacional garantias de que o Irã nunca produzirá bombas atômicas.

O problema é que é impossível acordar alguém que finge que está dormindo... As pessoas passaram décadas e décadas fingindo que não sabiam que alguns países, sim, estavam construindo e construíram bombas atômicas. Alguns até receberam ajuda para construir suas bombas. Agora, esses todos veem bombas atômicas em cada esquina...

O Irã não está produzindo nem produzirá bombas atômicas. O Irã não quer produzir bombas atômicas. O Irã não produzirá armas nucleares. E temos a nosso favor os necessários mecanismos internacionais.

Se se lê o relatório geral da AIEA, não o relatório sobre o Irã, o outro, o relatório geral sobre como os demais países estão cumprindo as normas, se se lê aquele relatório, vê-se que, depois do Japão, o Irã é o país que passou pelo maior número de visitas de inspeção. Essas inspeções determinaram índice de menos de 1% de desvio nas restrições.

Outros países que não estão submetidos a nenhuma restrição, que não aceitaram nenhuma limitação mostram índices de infração de 30, 40, 50, e até há alguns poucos países com 100% de infração. Está tudo bem claro, no relatório, basta examinar, a senhora pode constatar, no relatório de 2013 da AIEA, o mais recente que foi divulgado.

[Continua]

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