terça-feira, 24 de março de 2015

Grécia: Fase Dois (Parte 3-final)

Costas Lapavitsas, deputado marxista eleito na lista do SYRIZA, fala sobre as dificuldades econômicas no caminho de seu partido e dos desafios de sair da Zona do Euro

12/3/2015, Sebastian Budgen entrevista [*] Costas Lapavitsas – Revista Jacobin
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Ver também:
16/3/2015, redecastorphoto em: Grécia: Fase Dois (Parte 1), Revista Jacobin, traduzido.
21/3/2015, redecastorphoto em: Grécia Fase Dois (Parte 2), Revista Jacobin, traduzido
27/2/2015, redecastorphoto em: Grécia: Fase Um, Revista Jacobin, traduzido.


Costas Lapavitsas
Nossa revista Jacobin publicou recentemente artigo de Nantina Vgontzas  sobre sair do euro e ruptura, e ela põe a coisa no quadro analítico de, uma vez que há uma parte, um setor do capital grego, que não está enlouquecido nem pervertidamente liberado – ela cita aerovias, proprietários de imóveis et al. – que poderia, de certo modo, ser disciplinado por um governo do SYRIZA, para ser encaminhado para atividades mais produtivas. Significa que já há a ideia de que o SYRIZA poderia fazer o papel de uma espécie de interventoria para controlar um setor do capital. Obviamente há uma seção do capital que só pensará em escapar, mas também há uma seção que não pode ou não tentará fugir.

A pergunta de Nantina é: essa possibilidade chegou a ser discutida? E o que a “Plataforma Esquerda” em particular diz sobre o relacionamento entre o SYRIZA e os investidores, dentro da Grécia? E o que o senhor, pessoalmente, pensa sobre isso? Como o partido poderia intervir na questão de disciplinar o capital e tentar conseguir que viessem investimentos para atividades mais produtivas?

Costas Lapavitsas: Em geral, não me oponho a uma estratégia que diz que governo de esquerda deve deixar opções abertas na direção de disciplinar capitais privados e forçar esses capitais a participar de uma estratégia de investimento e de crescimento que seja consistente com melhores índices de emprego, de crescimento, de renda e tal e tal. E nada há no marxismo, ou na economia básica que se oponha a isso. Não, com certeza num período de transição. O marxismo nunca pretendeu obrigar alguém a produzir cada botão, até o último metro de fio, em empresa estatal. Não sou contra tentar envolver o capital privado.

Mas no momento em que estamos, não acredito nessa via. Não porque não ajudaria o crescimento, mas porque as necessidades da economia grega são muito, muito mais prementes, imediatas, do que isso. Essas são questões de médio prazo. Há questões das quais temos de dar conta e começar a enfrentar imediatamente, tão logo o problema da dívida, da pressão fiscal e da união monetárias tenha sido resolvido.

Quando começamos a por sobre a mesa uma estratégia de médio prazo de desenvolvimento para o país, sim, posso ver a importância desse tipo de abordagem. E gostaria muito de discuti-la no contexto de um plano de desenvolvimento nacional. Mas antes de termos resolvido questões mais prementes, tudo isso parece mais exercícios interessantes, mas que não geram respostas imediatas.

Mas o senhor acha que é factível, que há uma parte do capital grego que não está em pânico ante a ideia de Grexit?

Costas Lapavitsas:  Sim, não tenho dúvida alguma disso.

Inclusive parte do grande capital?

Costas Lapavitsas: Bem, aí já seria preciso analisar melhor. Mas sei que haverá setores dos empregadores e produtores que não entrarão em pânico, longe disso, se se confirmar a saída [da Grécia, da Zona do Euro]. Com certeza, esses setores quererão ouvir sobre os projetos de desenvolvimento criados.

Além da expropriação e nacionalização do sistema bancário e da desprivatização de várias empresas públicas, que outros grandes setores exigirão expropriação/nacionalização?

Costas Lapavitsas:  Não é questão que se deva discutir agora. É ótima pergunta. Mas em certo sentido entra no âmbito da pergunta anterior.

Acho que o SYRIZA não deve aparecer agora com programa de nacionalização muito ampla. É necessário, claro, nacionalizar os bancos. E pôr fim, de  vez, às privatizações no campo da energia, sobretudo da eletricidade. Isso para já. E para também a privatização de outros bens públicos cruciais. Por em prática uma estratégia de recuperação e crescimento imediatamente depois que estivermos fora do euro. E só aí, então, teremos de ter plano de desenvolvimento de médio prazo.

Nesse contexto é que temos de considerar que áreas da economia precisam passar imediatamente para o controle público e como – porque a nacionalização, por ela só, não é solução; estamos falando de controle público, e controle público pode ter várias e diferentes formas – e, depois, que setores da economia cujo capital tenha de ser disciplinado; para permitir que empresas privadas ocupem também o lugar delas.

Mas essa é discussão de médio-prazo. Não é discussão imediata.

Creio então que, presumivelmente, o senhor terá resposta semelhante também para a segunda pergunta de Nantina Vgontzas: se o senhor e seus companheiros estudaram a estrutura de exportação e importação de bens e serviços e as medidas de política industrial para o comércio externo que poderão ser tomadas simultaneamente com o restabelecimento do dracma?

Costas Lapavitsas: Conhecemos, sim, a estrutura de importações e exportações, e posso dizer que a estrutura de import./export. e o peso do comércio no aumento do PIB é indicativo do fracasso do capitalismo grego, nos últimos anos. Nos últimos anos, o capitalismo grego fracassou no desenvolvimento.

Com toda a certeza, temos de diminuir o peso do setor serviços. Disso, não há dúvidas. Porque a Grécia deu ênfase inadmissível ao setor de serviços, o que levou à contração dos setores primário e secundário. Basicamente, houve desindustrialização na Grécia. A Grécia veio sendo desindustrializada durante 30 anos, o que fez encolher e tirou eficiência do setor primário. Isso teremos de reequilibrar.

E aí há também a resposta para o comércio, porque a ênfase no setor de serviços significa que a Grécia perdeu competitividade no plano internacional, porque se sabe que serviços não é setor competitivo. — Disso, a Grã-Bretanha sabe muito bem! Ao dar tanta ênfase ao setor serviços, a economia grega produzir um desequilíbrio altamente problemático entre bens comercializáveis e não comercializáveis.

A estratégia de médio prazo deve visar a corrigir esse desequilíbrio. A Grécia precisa reforçar os setores primário e secundário e com isso melhorar sua integração na economia mundial, produzindo bens comercializáveis. Como isso será feito é também assunto de estratégia de médio prazo.

No seu livro com Flassbeck, o senhor fala de uma desvalorização de até 50%, o que dobraria o preço dos bens importados. Dado que ninguém pode fazer funcionar no curto prazo os planos feitos para o médio prazo, as exportações também serão muito complicadas – dado o estado em que está a indústria grega. Haverá um problema de capital.

Dado que os mercados financeiros, presumivelmente, só emprestarão sob condições, condicionalidades que, na prática, nos devolverão ao impasse inicial, de onde virá o capital?

Costas Lapavitsas:  Se a saída for acordada e protegida, e considerando-se até onde chegaram os custos na Grécia – quero dizer, a destruição do trabalho, que, sim, pode ser revertida, mas não podemos voltar ao ponto onde tudo começou, porque não pode ser –, nesse caso e tudo considerado, é possível que a Grécia só precise de 15-20% de desvalorização, por causa do rearranjo dos custos. Repito, mais uma vez: os salários têm de subir, mas mesmo que subam, não voltaremos ao que havia antes. Simplesmente já não é factível, nesse momento. Para tudo isso, precisamos de uma estratégia de crescimento.

Uma desvalorização de 15-20% imediatamente deve ser suficiente para pôr o país a andar depressa. Se a desvalorização tiver de ser maior, no caso de saída contestada, haverá mais problemas para as importações, é claro. Mas o que você tem de considerar é o seguinte: a desvalorização não funcionará simplesmente, ou principalmente, nas exportações. Terá efeito também no mercado doméstico, mais que as exportações.

No momento, há muitos recursos não usados na Grécia. Nesse sentido, não há falta de capitais. Há mais capital, que dinheiro no banco. Aqui, temos de pensar como marxistas. Capital é uma relação. Em todo o país, há muitos recursos não utilizados! Pequenas e médias empresas voltarão imediatamente à vida, com a desvalorização. Para fazer isso, há suficiente capital de baixa escala. O renascimento da economia, a volta da demanda e da produção, serão muito rápidas, e acontecerão, basicamente, por aí.

É o equivalente a uma espécie de Nova Política Econômica [New Economic Policy, NEP] de Lênin e os bolcheviques. Não tenho dúvidas – e estudos econométricos que examinei confirmam – que pequenas e médias empresas farão a Grécia voltar a um estado produtivo razoável, em período bem curto de tempo, coisa de dois anos. Assim se gerarão o capital e a poupança para a estratégia de médio prazo.

Assim sendo, essas questões sobre de onde virá o capital têm de ser examinadas dinamicamente, não estaticamente. Há capital no país, mas no momento está ocioso. Temos de mobilizá-lo. E a desvalorização fará precisamente isso.

Parem as máquinas! Lapavitsas quer estratégia bukharinista de transição!

Costas Lapavitsas:  Aí está algo que não me incomoda, absolutamente. A Grécia está tão profundamente arruinada hoje, que é visível que precisa de uma NEP. Se Bukharin foi suficientemente lúcido para pensar na NEP e persuadir Lênin, que foi apoiador entusiasmado da NEP, não vejo por que eu deveria ser contra. O primeiro impacto deve ser do tipo que discutimos aqui, me parece. E gerará renascimento suficiente para que possamos ir adiante.

O senhor fala também – no contexto de uma saída [da Eurozona] negociada e acordada – de um retorno ao sistema monetário europeu, que garantiria uma determinada taxa de câmbio entre as moedas e o euro, o que evitaria especulação com o dracma. Mas isso obviamente depende de um grande condicionante, a saber, que as demais potências europeias vejam a coisa toda com olhar positivo. Não será excesso de fé?

Costas Lapavitsas: Como já disse, não se analisa coisa alguma, se não se parte de pressupostos. Não é caso de fé ou excesso de otimismo. Diria que são pontos a negociar pelos quais vale a pena lutar. Reconheço as dificuldades, e já testemunhamos a hostilidade daquelas potências contra o governo de esquerda nas últimas semanas. Claro que não são pontos fáceis de alcançar. Mas no longo prazo, até a esquerda europeia começará a agir nessa direção. E aí está a questão que vale a pena discutir, porque o sistema como um todo não funciona, em toda a Europa.

Eu esperaria, porque faria diferença significativa, algumas propostas sérias que venham da esquerda europeia, sobre como substituir esse sistema ridículo que prevaleceu na Europa com um sistema de taxas de câmbio controladas. Essa discussão, sim faria diferença enorme para Grécia e para Espanha, que já vêm aí, até o fim do ano.

Em vez de bater boca sobre ‘'mudanças políticas'’ e ‘'fim da austeridade'’ dentro da união monetária e outras coisas semelhantes, que simplesmente não são factíveis, a esquerda bem faria se começasse a propor políticas que realmente ajudassem a controlar as taxas de câmbio dentro de um sistema de controle de fluxos de capitais. Eis o que é necessário na Europa nesse momento, não alguma espécie de contos de fadas sobre uma ‘união monetária do bem’, que não existe nem pode existir.

No livro, o senhor fala também sobre a redenominação [do dólar para a nova moeda grega] de empresas, bancos, do Banco Central e das contas das famílias. E o senhor fala de usar uma proporção euro/dracma que variaria para diferentes setores, graus de endividamento, graus de riqueza, e que poderia converter-se também em medida redistributiva, não como medida exclusivamente técnica. O senhor pode por favor falar sobre como isso funcionaria, a factibilidade, e em que tipo de experiências baseia-se a sua ideia?

Costas Lapavitsas:  Em certa medida, foi feito na Argentina em 2001-2.

Mas de modo caótico.

Costas Lapavitsas:  Foi caótico, sim. Mas é factível. É muito simples. O que as pessoas teriam a retirar dos bancos, sejam depósitos de indivíduos ou de empresas, ou poupanças, o que for, seria convertido para a nova moeda. A conversão seria feita como 1:1 para simplificar, para facilitar a redenominação. Mas também poderia ser feita com taxas diferenciais.

O objetivo do governo era fazer alguma redistribuição da riqueza. Gente com menos dinheiro no banco, pequenos depositantes, teriam seu dinheiro trocado por taxa de benefício, não 1:1, mas, digamos, 1:1,2. Gente com grandes quantidades de dinheiro trocariam os depósitos na proporção de 0,8:1, por exemplo. Efetivamente, estaria havendo transferência de dinheiro dos ricos para os pobres.

O problema é que o que seria bastante efetivo lá em 2010, quando ainda havia muito dinheiro depositado nos bancos gregos, hoje já seria apenas marginal, porque os ricos há muito tempo já sacaram todo o seu dinheiro. As políticas dos últimos cinco anos permitiram que fizessem exatamente isso.

Vale dizer que o espaço para uma política redistributiva, embora não inexistente, já não é o que foi. Até certo ponto, o governo de esquerda pode pensar nisso e pode aplicar, se quiser, para mobilizar algum apoio, mas, como já disse, dado o atual estado dos depósitos nos bancos gregos hoje, o espaço para esse tipo de política redistributiva não é muito.

No livro, o senhor fala sobre o papel do euro como moeda mundial, uma forma de moeda mundial. Como, na sua avaliação, isso seria afetado pela saída da Grécia?

Costas Lapavitsas:  Seria afetada. Esse é o problema real, do ponto de vista dos que comandam a união monetária, e também é preocupação para os EUA. Não se trata de simples competição entre EUA e Europa, que é o que dizem as leituras marxistas simplórias. Há uma relação simbiótica, de conflito, mas também de mútuo apoio.

A função do euro seria prejudicada se acontecesse, haveria perda de confiança, possivelmente alguma fuga de capitais, acompanhada de instabilidade financeira, movimento que afetaria os EUA – o dólar – e os contratos financeiros em dólar. São coisas que os EUA não querem ver acontecer.

Do ponto de vista da esquerda, nada disso é preocupante. Não é nossa obrigação resgatar nem o dólar nem o euro, como moeda mundial. Há outras pessoas totalmente engajadas nisso. Nosso objetivo é diferente.

A questão do dinheiro e da moeda é crucial. Na Grécia, o medo de deixar o ouro está represando desenvolvimentos mais radicais. E o medo de um futuro fora da libra parece ser uma das razões pelas quais a Escócia votou “não” no seu referendo. Assim, para a esquerda dentro do SYRIZA, qualquer Plano B terá de incluir plano concreto e convincente para uma nova moeda.

Qual sua avaliação da proposta de Wolfgang Münchau do Financial Times, de introduzir uma moeda paralela, um instrumento de dívida emitido pelo governo que poderá ser usado para algumas finalidades dentro do euro. Ele faz referência ao que Robert Parento e John Cochran escreveram, dois economistas norte-americanos, que propuseram que o estado grego deve emitir títulos com taxas de juros pré fixadas e títulos com taxas de juros pós fixadas.

Funcionariam como um mecanismo de câmbio e seriam confiáveis dado que o estado as aceita para pagamento de impostos e encoraja a circulação (...). O senhor concorda com Münchau, que poderia ser um fim possível para o arrocho (“austeridade”), ao mesmo tempo em que o país permanece no euro?

Costas Lapavitsas:  Mas nós também sugerimos coisa semelhante, no livro que você já citou. O estado lançaria títulos, com circulação compulsória, que seriam válidas para pagar impostos – a ideia básica é essa. É ideia que apareceu em diferentes formatos, em muitas partes do mundo.

Mas absolutamente não acho que isso possa ser algum tipo de resposta de longo-prazo ao arrocho (“austeridade”). Não passa de pensamento desejante. No máximo, pode ser uma medida suplementar para criar liquidez enquanto a Grécia estiver sob pressão daqueles que controlam as fontes principais de liquidez – em outras palavras, do Sr. Draghi e do Banco Central Europeu.

Essa medida, com circulação paralela, criaria imediatamente problemas de equivalência entre o euro real e o euro arbitrário criado pela Grécia, porque é claro que o euro verdadeiro seria visto como de valor superior ao outro, e haverá uma taxa de câmbio entre os dois. Tumultuaria a circulação monetária e o dinheiro, em geral. Não é coisa que se possa manter. É medida emergencial. E, no final da linha, é como um “pitstop” em direção à saída da união monetária. Tem de ser compreendida desse modo.

Mas, tudo isso considerado, sim, sou a favor – é, sim, uma medida que o governo deve considerar seriamente como parte de seu arsenal para as negociações de junho. Mas que ninguém se iluda de que possa vir a ser solução permanente, estável. Porque não pode.

Uma questão mais tática: parece que a Troika terá o direito de vetar qualquer política específica que o SYRIZA ponha em prática no próximo mandato. O senhor acha que isso possa ser usado para fortalecer o SYRIZA? A saber, que se o SYRIZA propuser alguma medida popular e que pareça factível, que na sequência seja derrubada pelas instituições, uma linha de antagonismo poderia aparecer mais clara, para o povo grego, cada vez que acontecer?

E demonstrar a vontade do SYRIZA, o crescimento da popularidade, e também a incapacidade de continuar a agir dentro da Eurozona – não poderia ser, de modo até paradoxal, um estratégia para ganhar apoio popular para o Grexit?

Costas Lapavitsas: Acho que sim, que é bem por aí, sim. As chamadas instituições que estarão aí todo o tempo, estarão exercendo uma influência de controle. Estarão lutando contra o SYRIZA pela implementação de medidas e aprovação de leis que possam ter implicações fiscais e ir contra o espírito do que foi combinado dia 20/2/2015.

Mas a luta contra essas instituições é a luta política mais importante, de agora até junho. SYRIZA deve engajar-se abertamente nessa luta. É o modo de manter o apoio popular, porque é o que o povo quer ver. Querem ver medidas de alívio, querem ver oposição aos tipos da Troika. Mas, por si e em si, só essa luta não basta. É preciso ter um plano para a próxima rodada de negociações, porque a armadilha está aí, e está à espera.

Uma pergunta, então, sobre saída forçada e suas consequências: o Plano B que o senhor descreveu em detalhes no livro com Flassbeck parece bastante estatizante. Bastará esse plano para fazer frente ao choque da desvalorização e da autarquização?

Se não é, os movimentos gregos e o SYRIZA desenvolverão o que se pode chamar de um Plano C – um plano de resistência, de comuns, de solidariedade, que organizaria a reprodução social onde o estado não pode atender a todas as necessidades do povo? Que papel terão essas estratégias, para contornar e escapar às tentações do autoritarismo?

Costas Lapavitsas: Isso é parte do Plano B. É parte importante do Plano B. O Plano B – o modo como estamos falando dele, o modo como Flassbeck e eu falamos e tal – é, obviamente, um plano que acontece e deve acontecer no nível da alta política, em primeiro lugar, porque é onde a crise está. E nós precisamos agir no nível da alta política e no nível do estado.

Claro, qualquer tipo de estratégia que considere os interesses do povo trabalhador – qualquer tipo de estratégia de transição – tem de incorporar o que você chamou de Plano C. E quando falamos sobre o público, o estado, e tal, o que eu tenho em mente é o coletivo e o setor público. A ideia de o estado tomar conta de tudo é antiquada, morreu com o colapso do bloco oriental. Nada disso está nos nossos planos.

Nós estamos falando de soluções públicas e coletivas. Sim, sem dúvida, precisamos dos comuns. Sim, temos de contar com atividade de base. Sim, precisamos de contribuições e ações das comunidades. Mas para começar, temos de resolver as questões macro. Infelizmente, as comunidades não podem resolver esses problemas.

Muito do que o senhor está dizendo sobre uma saída da Grécia, da Eurozona, que seja saída positiva, progressista, depende, presumivelmente, do papel de mobilizações populares, que empurrem o governo para que avance, e deem-lhe o necessário suporte nas dificuldades. O senhor é otimista sobre a persistência da mobilização social na Grécia, hoje? Porque há muita conversa sobre o desânimo, o desespero, a resignação que atingiu a sociedade grega nos anos recentes.

Costas Lapavitsas: Acredito apaixonadamente na onda forte de apoio entre o povo comum, para o governo, desde a eleição. Não se tem visto muita mobilização; é verdade. Mas o apoio existe e é enorme. O espírito de ser a favor do que se está fazendo, de aliar-se e facilitar ao governo que faça o que tenha de fazer, é enorme. Essa é a coisa mais positiva.

Se tudo isso vai-se converter em atividade? Não sei. Ninguém sabe. Mas não há como negar a boa vontade. Ela está aí. Temos de trabalhar com isso. Temos de mobilizar isso para soluções radicais e respostas radicais.

E qual, em sua opinião, é o papel das pessoas, fora da Grécia, que também se posicionam a favor dessa saída progressista? Porque há por aí uma pressão, quase chantagem, no sentido de que ninguém deveria criticar o que o SYRIZA está fazendo, que é muito fácil criticar de longe, das poltronas em gabinetes em países que não estão à beira do precipício, e por aí vai.

Mas ao mesmo tempo, é claro que há grandes mudanças em curso pelas quais alguém terá de responder. Qual, em sua opinião, é a posição certa, entre o apoio acrítico e a solidariedade positiva?

Costas Lapavitsas:  Apoio acrítico ao SYRIZA nesse momento é nonsense. É repetição de uma das piores doenças da esquerda e eu e muitos outros pensávamos que já tivesse sido deixada para trás. “Não critique, só apoie, rah rah rah!” A esquerda fazia dessas, nos tristes velhos tempos. E essa atitude, em contextos muito diferentes, é claro, é que deixou que os monstros emergissem.

Não acontecerá no caso do SYRIZA, claro, mas a visão e a atitude de “nosso time está em campo! Temos de apoiar e nada de críticas” não é nem nunca foi, nem visão nem atitude de esquerda. Claro que apoiamos. Mas criticamos. Se nós não criticarmos, nada de bom acontecerá. Estamos nesse ponto.

A esquerda no exterior, em outros países, tem o dever, a obrigação de criticar, e quanto mais melhor, porque as coisas podem ser vistas mais claramente, se a Grécia é examinada de fora, do que se só se examinam as coisas domesticamente. O que circula pelos jornais, domesticamente, é ignorado fora daqui. Os jornais daqui não distorcem as questões gregas, como os jornais gregos as distorcem. A esquerda do resto do mundo tem o dever de dar nomes aos bois. E de fazê-lo positivamente e criativamente.

Nesse front, a mais positiva e mais importante ajuda que a esquerda pode dar, além de se manter mobilizada e tal, é começar a listar, organizar propostas, começar a reconsiderar toda a União Monetária Europeia como um todo. Nunca me cansarei de repetir e repetir isso.

A esquerda europeia, ao longo dos últimos poucos anos embarcou numa viagem difícil de acreditar. É como se todos tivessem perdido o senso crítico. Há quem imagine o processo da integração europeia pela União Europeia, e o processo de constituir a União Monetária Europeia como se fosse alguma modalidade de internacionalismo, no sentido em que nós, a esquerda, entendemos o internacionalismo.

É hora de acordar: não é. Lamento, mas não é internacionalismo. E não apenas não é, como tampouco pode ser convertido em internacionalismo genuíno se for mudado, reformado em alguns pontos. Toda essa conversa é total nonsense! A esquerda tem de redescobrir suas faculdades críticas e sua atitude crítica e dar-se conta de que nem tudo que transcende fronteiras é progressista. Nesse caso, a União Europeia e a União Monetária Europeia já mostraram claramente que, de progressistas, elas nada têm.

A esquerda deve, afinal, começar a mapear ideias sobre o que seja algum genuíno internacionalismo na Europa, e rejeitar completamente essas modalidades de integração capitalista. Não ‘aprimorá-las’. Trata-se de rejeitá-las. Essa é a visão mais realmente radical para a esquerda, e é o que a esquerda deve fazer.

Há mais uma coisa. Vou dizer, mesmo sem saber que impacto pode ter ou terá. A esquerda marxista, especialmente, ao longo das últimas, digamos, duas décadas, regrediu infelizmente muito, em termos da habilidade para analisar a economia política do capitalismo moderno. Embebeu-se e absorveu um tipo de economia de baixa qualidade, que basicamente pensa e crê que o marxismo e a análise marxista do capitalismo podem ser facilmente condensadas na tendência à queda, da taxa de lucro.

Para muita gente na Europa e em outros pontos, a economia política marxista resume-se quase que exclusivamente a tudo interpretar em termos da proporção dos lucros – ou o que quer que alguém meça como se fossem lucros – em relação ao capital aplicado. Essa proporção, para muitas dessas pessoas, diria tudo que você precisaria saber sobre o passado, o presente e o futuro do capitalismo.

Obviamente não é o que fez Karl Marx nem, claro, o que fizeram os grandes marxistas. Há gente, hoje, que tenta interpretar o que está acontecendo na Europa segundo a tendência para baixo, da taxa de lucros, conforme tenda a cair mais ou menos. É completa sandice. Nonsense. Total nonsense. Não serve para nada, não contribui a favor de nenhum interesse ou objetivo. Não ajuda ninguém.

A Grécia não está em crise por causa da tendência de queda dos lucros. A tendência da taxa de lucro para baixo é importante, mas o que está acontecendo na Grécia não é uma crise periódica causada por lucros declinantes.

Assim, a esquerda – o que resta dela – deve começar a redescobrir alguns dos elementos do marxismo criativo do período clássico: um pouco de Lênin, um pouco de Hilferding, um pouco de Bukharin, um pouco dos grandes marxistas alemães. E começar a interpretar o capitalismo moderno de modo complexo, rico e equilibrado.

A tendência à queda da taxa de lucros é importante, mas é economia ruim, e um fetiche. Não se pode condensar tudo na tendência à queda que tem a taxa de lucro. É mau marxismo e economia ruim. Aí está uma coisa que a esquerda poderia começar a fazer para sair da crise da Eurozona.

Uma última pergunta, que mais ou menos nos leva de volta ao ponto onde começamos. Sua reputação foi construída sobre sua análise marxista do dinheiro e do crédito. E aqui o senhor está numa situação em que tem de debater concretamente a criação de uma nova moeda, um novo sistema monetário, novos sistemas de crédito.

Na verdade, tenho duas perguntas. Uma, é um tanto pedante: Em certo sentido, a volta na direção da economia política não será uma vitória teórica do neocartalismo, que o senhor mesmo combateu em teoria. Mas... não é o que se está confirmando na prática?

E a segunda pergunta – mais sobre a conexão entre teoria e prática. Que tipo de preparação e possível uso prático tem o seu trabalho sobre financialização, dinheiro e crédito, agora, para o senhor, na atual situação na Grécia?

Costas Lapavitsas:  De certo modo, a primeira pergunta é mais fácil. O neocartalismo tem muito pouco a ver com o que está acontecendo. Não estamos falando sobre criação de dinheiro do estado (só rapidamente, no caso da promissórias, para enfrentar as necessidades imediatas de liquidez, como já discutimos). A chamada Moderna Teoria Monetária, esse tipo de neocartalismo, é teoria monetária fraca. Tem bem pouco a oferecer à melhor compreensão da Eurozona e do capitalismo moderno em geral.

A segunda pergunta, me parece, é muito mais difícil e demanda muito mais, de vários modos. Compreendo o que está acontecendo na Europa como uma instância de financeirização que assumiu forma específica na Europa por causa da moeda comum. Assumiu uma forma particularmente doentia, patológica, por causa da moeda comum. A financialização dos países europeus foi deformada por causa da moeda comum. Agora... Meu próprio trabalho ao longo de muitos anos tem-se sido realmente muito útil, e acho que os resultados são bastante óbvios no curso dos últimos poucos anos.

Se se aborda a crise da Eurozona como coisa puramente monetária, da perspectiva da teoria monetária, não demora cinco minutos, e tudo está resolvido. É perfeitamente simples, perfeitamente óbvio. De fato, é quase trivial. Como problema de teoria monetária, é trivial. Verdade é que não me custou mais que um fim de semana, em 2010, quando pela primeira vez comecei a lidar com os números, para ver o que saltava aos olhos.

É caso de uma união monetária que foi mal estruturada, evoluiu muito mal e, hoje, já é insustentável. Isso sempre aparecerá mais claramente, para quem tenha treinamento em teoria monetária e entenda de dinheiro e finança, do que para outros, especialistas em outras áreas da economia e da economia política. Nesse sentido, sim, meu trabalho me foi muito útil.

E quando a crise eclodiu em 2010 e considerado o sistema monetário, ficou claro para mim que, (a) o arrocho (“austeridade”) seria o resultado de mais alta probabilidade; e seria desastroso – como argumentamos, eu e o pessoal de pesquisa em moeda e finança; (b) sair da união monetária sempre estaria sobre a mesa, permanentemente, por causa da estrutura da união monetária. Ainda é verdade: cinco anos depois, aqui, ainda estamos discutindo uma saída da Eurozona; e (c) a ideia de que haja um ‘euro bom’ era cômica. Hoje, já se sabe que é cômica. Por tudo isso, nesse sentido, meu trabalho dos últimos muitos anos, sim, me ajudou a surfar a onda.

Há mais uma parte importante, do trabalho que fiz por tantos anos. Tem a ver com o dinheiro como categoria social mais ampla: a dimensão social não econômica do dinheiro e da finança, a qual, como você sabe, sempre foi algo que me mobilizou muito profundamente.

Essa crise demonstra, acima de qualquer discussão, que o dinheiro é muito mais que um fenômeno econômico. Fundamentalmente, claro que é fenômeno econômico. Mas é muito mais que isso. Tem muitas dimensões sociais, e tem uma dimensão, que é criticamente importante, que é a dimensão de identidade.

O dinheiro, por razões que não cabe discutir agora, mas que examinei e desenvolvi no meu trabalho, está associado a crenças, costumes, imagem, ideologia e identidade. O dinheiro converte-se em identidade, mais que o capitalismo. E o euro se converteu em identidade para os países periféricos, de um modo quase inacreditável; e na Grécia, mais que em qualquer outro daqueles países.

A questão de a Grécia sair da Eurozona e o medo que está gerando – ou a preocupação que gera – entre os gregos não tem a ver só com implicações econômicas, por mais graves que sejam. Esse medo também tem a ver com identidade.

É preciso saber ver que, para os gregos, unir-se à união monetária, usar a mesma moeda que o resto da Europa Ocidental, foi um “avanço” de identidade. Na consciência popular, e dada a história da Grécia, permitiu aos gregos pensar que se haviam convertido em “europeus de verdade”. Em país pequeno, no extremo sul dos Bálcãs, que teve história turbulenta ao longo do período otomano e do que aconteceu depois, foi coisa muito, muito importante.

A importância disso se manifestou nos anos recentes. Quanto mais a crise se aprofunda, quanto mais absurda a permanência como membro da união monetária, mais alguns setores da população agarravam-se ao euro. A causa aí é que o euro invadira a identidade dos gregos. O povo não quer separar-se da ideia de Europa, que é a ideia de não fazer parte nem do Oriente Próximo, nem do Oriente Médio.

Tornaram-se brancos

Costas Lapavitsas: É. É muito, muito importante. E é fator que não se pode subestimar. Para nós, da esquerda na Grécia, mas também para a esquerda na Europa, e vital encontrar outra narrativa, uma narrativa alternativa. Porque o mesmo problema de identidade também emergiu na Europa Ocidental. De outra maneira.

Ali, não é questão de se tornarem europeus. Ali, é questão de internacionalismo. “Dado que usamos esse dinheiro, nós superamos todas as divisões. Nos tornamos verdadeiros europeus. Superamos nossa visão velha, nacionalista...” Não passam de sandices, eu sei. Mas são sandices poderosíssimas.

Por tudo isso, a esquerda – na Grécia e em todos os cantos – precisa urgentemente começar a desenvolver narrativas alternativas ao internacionalismo, à “europeidade”, à solidariedade “continental”. Outras narrativas, que rompam com esses conceitos doentes e com esses fenômenos pervertidos que o capitalismo financeiro criou – o mais proeminente dos quais é, claro, a moeda comum

[fim da entrevista].

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Nota dos tradutores
[1] Ver também VAROUFAKIS, Yanis, redecastorphoto em: Confissões de um marxista errante(2013), traduzido.
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[*] Costas Lapavitsas (em grego: Kώστας Λαπαβίτσας) é professor de Economia na School of Oriental and African StudiesUniversity of London, e foi eleito como membro do Parlamento grego pelo partido Syriza na eleição geral da Grécia em janeiro de 2015.
Em 1982, obteve mestrado na London School of Economics; em 1986 conseguiu seu PhD no Birkbeck CollegeUniversity of London. Desde 1999 leciona Economia na School of Oriental and African Studies,University of London, primeiro como assistente, e desde 2008 como professor efetivo.
Costas Lapavitsas é conhecido por sua crítica ao sistema financeiro ocidental moderno, em particular ao tratamento dado à crise de governo-dívida grega, a crise da dívida europeia e da União Europeia. Também é colunista do jornal britânico The Guardian. Em 2007 fundou a Research on Money and Finance (RMF) uma rede internacional de economistas políticos com foco em dinheiro, finanças e evolução do capitalismo contemporâneo. Em 2011, Lapavitsas, bem como alguns outros economistas gregos, recomendaram que a Grécia abandonasse o Euro e regressasse à sua antiga moeda nacional, o dracma, como resposta à crise de governo-dívida grega. Em 02/3/2015 Lapavitsas escreveu no The Guardian que liberar o povo grego da “austeridade” e evitar, simultaneamente, um grande desentendimento com a Zona do Euro é tarefa impossível para o novo governo da Grécia.

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