quinta-feira, 12 de março de 2015

Caos: Prática e Aplicações

10/3/2015, [*] Dmitry OrlovClub Orlov
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Império do Caos
A palavra “caos” anda aparecendo por todos os lados ultimamente, no mundo cada vez mais tendente-ao-colapso no qual nos foi dado viver. Pepe Escobar até publicou um livro sobre o tal. Intitulado Empire of Caosdescreve um cenário “no qual uma plutocracia norte-americana projeta cada vez mais a própria desintegração interna sobre todo o mundo”. O caos de Escobar é caos-com-objetivo; o objetivo é “impedir uma integração econômica da Eurásia que deixaria os EUA como não hegemon, ou, pior ainda, como outsider.

Escobar não é o único a pensar por essas linhas; eis o que disse o presidente Vladimir Putin na Conferência Valdai em 2014:

Diktat unilateral e a imposição de modelos produzidos por um, não por muitos, produzem resultado exatamente oposto. Em vez de conciliar os conflitos, aquela atitude só os leva à escalada; em vez de estados soberanos e estáveis, o que vemos é a disseminação de caos crescente, e em vez de democracia, o que se vê é os EUA a darem apoio a gente muito duvidosa, que vai de declarados neofascistas a islamistas radicais.

Por que apoiam esse tipo de gente? Apoiam-nos, porque decidiram usá-los como instrumento ao longo do percurso até conseguirem seus objetivos. Mas queimaram os dedos e recolheram a mão. Nunca canso de me surpreender com o modo como nossos parceiros repetem sempre os mesmos erros e caem sempre na mesma armadilha. Como dizemos em russo: “pisam sempre nos dentes do mesmo ancinho [que sobe e bate-lhes sempre no mesmo nariz].

Mas fato é que o caos de Escobar tampouco parece estar funcionando bem. A integração eurasiana permanece perfeitamente nos trilhos, sem derrapar, com China e Rússia agindo agora como unidade econômica, política e militar, e com outros estados eurasianos muito querendo ganhar lugar e função na tal unidade. A União Europeia, pelo menos por enquanto, está sendo excluída da Eurásia, porque está efetivamente sob ocupação dos EUA, mas esse estado de coisas não deve durar muito, por causa de problemas orçamentais. (Mais precisamente, deve-se dizer que está sob ocupação da OTAN; mas, se se avança um pouco mais, logo se vê que a OTAN é, de fato, os militares norte-americanos sob fachada europeia metidos a tapas naquela cidade com ares de Potemkin).

Império do Caos
Assim, a palavra “império” parece bastante mal posta aí. Impérios são empreitadas ambiciosas que visam a exercer pleno controle sobre seus domínios, e que diabo de império seria esse, se a principal atividade imperial é pisar, dia sim, dia também, sempre no mesmo ancinho? Império idiota? Melhor então logo de “Império Idiota”.

Verdade é que há grande quantidade de atividades imperiais ridículas que... só rindo! Pode-se até escolher.

Por exemplo: onde já se viu armar e treinar oposição moderada que se opõe a governo que você quer derrubar; descobrir que, armada, a tal oposição já nada tem de moderada; tentar então bombardear a amaldiçoada oposição moderada... e falhar até no bombardeio nada moderado?! [risos muitos].

Alguns alegam, em tom crítico, que o império, sim, funciona, porque alguém em algum lugar está lucrando com esse caos. Sim, alguém está ganhando; mas tomar esse ganho como sinal de sucesso imperial equivale a ser assaltado a caminho do supermercado e definir o assalto como sinal de sucesso econômico. Sucesso nada tem a ver com isso. Mas a “desintegração interna” de Escobar é boa candidata a boa explicação: a desintegração interna do império começou a vazar e está espalhando caos por todos os cantos. Mesmo assim, os EUA continuam a empreender todos os esforços para controlar, principalmente pressionando igualmente amigos e inimigos, e exigindo obediência sem perguntas. É o que alguns têm chamado de “caos controlado”.

Mas... o que seria “caos controlado”? Como alguém controlaria o caos? Será, sequer, possível? Pensemos.

Teoria do Caos

Há um ramo da matemática chamado Teoria do Caos. Lida com sistemas dinâmicos que exibem um dado conjunto de comportamentos:

● Em toda e qualquer relação de causa e efeito que possa ser observada, pequenas diferenças nas condições iniciais causam grandes diferenças no resultado. O exemplo clássico é o “efeito borboleta” pelo qual, por hipótese, o bater de asas de uma borboleta influencia o curso de um furacão semanas depois. Ou, então, exemplo mais significativo, se se descreve o mercado de ações como sistema caótico; nesse caso investir um milhão de dólares num fundo “de índice” pode resultar num portfólio de cerca de um milhão de dólares alguns meses depois; mas investir um milhão e um dólares pode resultar num portfólio de menos um trilhão de dólares e uns trocadinhos.

O Efeito Borboleta
● Imprevisibilidade para além de curto período de tempo: dado que a informação inicial sobre um sistema é finita, o comportamento do sistema é imprevisível além de um curto período de tempo. Dado que a informação sobre um sistema da vida real é sempre finita, sempre limitada ao que se pode observar e medir, os sistemas caóticos são, por sua própria natureza, imprevisíveis.

● Sobreposição topológica: toda e qualquer dada fase de qualquer dada região de um sistema espacial acabará eventualmente por se sobrepor a região contígua. Os sistemas caóticos podem ter vários diferentes estados, mas um dia todos esses estados se misturarão. Por exemplo: se um dado banco for definido como sistema caótico, com dois diferentes estados – de solvência e falido – esses dois estados um dia se misturarão.

Os matemáticos gostam de brincar com modelos de caos que são determinísticos e temporalmente não variantes: podem repetir uma simulação muitas e muitas vezes, mudando levemente os dados de entrada; e observam o resultado. Mas os sistemas caóticos no mundo real são não determinísticos e variam no tempo: não apenas produzem resultados furiosamente diferentes a partir de mudança muito pequena nos dados de entrada, mas, também, produzem resultados diferentes todas as vezes. E ainda mais: mesmo que existissem sistemas caóticos deterministas na natureza, não teríamos como distingui-los dos chamados sistemas “estocásticos” – que reconhecem o acaso.

Teoria do Controle

Outro ramo da matemática que lida com modos de controlar processos dinâmicos. Exemplo típico de controle nesse sentido é um termostato: mantém constante a temperatura ligando o aquecedor, se a temperatura cai abaixo de certo limite; e desligando novamente, se sobe acima de certo outro limite. (A diferença entre os dois limites é chamada “histerese” [gr. “atraso”). Outro exemplo típico é o piloto automático: é um equipamento que computa a diferença entre a rota programada e a rota real, chega ao que se chama “sinal de erro” e aplica esse sinal de erro para controlar o mecanismo e manter na rota o avião ou o navio.

Há muitas variações sobre esse tema, mas o esquemão geral é sempre o mesmo: meça o que sai do sistema; compare com a referência; compute o sinal de erro; e aplique-o de volta ao sistema como realimentação negativa.

Teoria Moderna de Controle e Sistema de Piloto Automático
Para que seja possível aplicar a Teoria do Controle a um sistema, esse sistema tem de obedecer a determinados princípios. Um é o princípio da superposição: o que sai do sistema tem de ser proporcional ao que entra. Estabilizadores do lado esquerdo sempre fazem o barco virar para a esquerda; mais estabilizadores do lado esquerdo fazem o barco virar mais depressa para a esquerda. Outro desses princípios é a invariância no tempo: o barco reage sempre do mesmo modo a mudança no ângulo do estabilizador, todas as vezes. É absolutamente necessário que assim seja.

Mas muitas aplicações da Teoria do Controle têm de pressupor também a linearidade: mudanças no comportamento do sistema são pressupostas linearmente proporcionais a mudanças no controle que entra no sistema. Dado que todos os sistemas do mundo real são não lineares, faz-se praticamente sempre um esforço para dotar qualquer sistema de um ponto plano linear no meio de seu campo de utilidade. Vire um pouquinho o estabilizador do navio, e o navio faz a curva, como o esperado; vire depressa demais, e o estabilizador engripa e não funciona mais.

Aplicar a Teoria do Controle a sistemas caóticos é arriscado, por causa da questão da “controlabilidade”: é possível pôr um sistema num específico estado, simplesmente aplicando específicos sinais de controle? Num sistema caótico, pequenos sinais de erro podem produzir diferenças muito grandes no que sai do sistema. Assim sendo, sistema caótico não pode ser controlado. Mas sistema incontrolável pode às vezes ser estabilizado e posto em girar em ciclo dentro de uma parte específica aproveitável, ou pelo menos não letal, de sua fase espacial. De modo geral, para estabilizar um sistema, ele tem de ser observável: tem de ser possível medir o que sai do sistema e usar essa medida para produzir as correções. Mas mesmo um sistema não observável mesmo assim ainda pode ser estabilizado, se se detecta seu estado de tempos em tempos e aplica-se um controle de sinal para ir empurrando o sistema, aos poucos, progressivamente, na direção certa.

Eis um exemplo da vida real. Suponha que você corra por uma pista coberta de lama, num carro com pneus carecas. Em algum momento acontecerá algum tipo de perturbação que transformará esse sistema controlável, em sistema não controlável: o carro derrapará. Dado que não se pode mais dirigir o carro, ele deslizará na direção da barreira, de um lado ou de outro da estrada. Também se tornará não observável: com o carro derrapando, tornou-se impossível observar a trajetória do carro baseado em rápido exame de derrapagens passadas naquela estrada. É possível estabilizar essa situação?

Sim, acontece que é. É um truque que aprendi de um piloto de jatos de combate e que tive oportunidade de aplicar no exato cenário que acabo de descrever. Se o caça se põe a pular e girar pelo céu completamente fora de controle, o que o piloto tem de fazer e fazê-lo parar de pular e voltar ao voo nivelado. Faz-se isso sacudindo a cabeça para frente e para a trás, ao ritmo dos pulos e giros, dando toquinhos no manche, também ao ritmo dos pulos e giros, sempre de olho na linha do horizonte, até que os pulos e giros vão diminuindo e se consegue meter o horizonte outra vez na horizontal.

Num carro, o serviço do motorista é fazer o carro parar de derrapar sem bater nem de um lado nem do outro dos muros dos dois lados da estrada. Consegue-se isso girando a cabeça ao ritmo da derrapada, sem perder de vista os dois muros e dando toquinhos na direção, também em ritmo com as derrapadas, ao mesmo tempo em que se desloca o carro para que não bata nos muros. Se o carro estiver derrapando em sentido horário, toquinhos no volante em sentido horário o farão andar para a frente, e toquinhos em sentido anti-horário o farão andar para trás; toquinhos simultâneos no breque também ajudarão a fazer parar o movimento do carro para frente e para trás.


Aí está bem tipicamente o melhor que se pode fazer para controlar o caos: usar pequenas perturbações-toquinhos para manter o sistema dentro da faixa dos estados satisfatoriamente seguros e úteis, mantendo-o afastado de não importa quantos sejam os estados perigosos e inúteis. Mas vai aqui mais uma “dica”: essas aplicações da teoria do controle a sistemas caóticos exigem que já se conheçam, desde antes, as propriedades do sistema caótico.

É muito arriscado tentar essas aplicações, se o sistema evolui sempre, em resposta àquelas pequenas perturbações-toquinhos. Em situações que envolvam política ou assuntos militares, aplicar duas vezes a mesma medida para controlar é ideia tão boa quanto contar duas vezes a mesma piada ao mesmo público: a piada passa a ser você.

A moral dessa história já deve ter aparecido bem clara: assim como no carro na estrada coberta de lama, qualquer idiota é capaz de fazer/deixar o carro parar, mas o mesmo idiota dificilmente terá a presença de espírito, a habilidade e os nervos de aço indispensáveis para fazer o carro parar longe de qualquer dos dois muros que ladeiam a estrada. Vale o mesmo para os supostos construtores do “império do caos controlado”: ninguém duvida de que sejam capazes de gerar o mais perfeito caos. O que absolutamente não são capazes de fazer é mover-se de tal modo que consigam extrair algum proveito daquele caos; não têm, sequer, as competências necessárias para estabilizar o que desestabilizaram. Nada, absolutamente nada, garante que não acabem mortos eles mesmos, explodidos contra o muro.
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[*] Dmitry Orlov é um engenheiro russo-americano e escritor sobre temas relacionados ao declínio econômico, ecológico e político dos Estados Unidos. Orlov acredita que o colapso será o resultado dos orçamentos militares, enormes déficits do governo e um sistema político que não responde e declínio da produção de petróleo. Orlov nasceu em Leningrado (agora São Petersburgo) e se mudou para os Estados Unidos com 12 anos. Tem bacharelado em Engenharia de Computação e Mestrado em Lingüística Aplicada. Foi testemunha ocular do colapso da União Soviética durante os ano 1980-90. Entre 2005 e 2006 escreveu uma série de artigos sobre o colapso da União Soviética publicada em Peak Oil. Em 2006 publicou o Manifesto Orlov on-line, A Nova Era da Vela. Em 2007, ele e sua esposa venderam seu apartamento em Boston e compraram um veleiro, equipado com painéis solares e seis meses de fornecimento de gás propano e capaz de armazenar grande quantidade de produtos alimentícios. Chamou “cápsula de sobrevivência”. Continua a escrever regularmente no seu blog “Clube Orlov” e no EnergyBulletin.Net

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